As guerrilhas latino-americanas que tiveram seus apogeu de atuação entre os anos 60 e 70 extraíam sua estratégia da chamada teoria foquista, difundida por Che Guevara após o sucesso dos fidelistas em Cuba, onde chegaram ao poder em 1959. Esta teoria por sua vez resultou de uma outra, defendida no século XIX pelo revolucionário francês Louis-Auguste Blanqui, um eterno rebelde, morto em 1881.
O Assalto ao Poder
"Eis que a ação é a preocupação essencial."
Jacques Droz
Em seus 75 anos de vida passou mais de 30 deles metidos em prisões. Ainda aos 62 anos, numa pausa entre sua várias condenações, achou tempo para redigir um manual de guerrilha urbana (Instruction pour une prise d'armes, 1867-8). Tratava-se de Louis-Auguste Blanqui, o motim em forma humana, uma legenda do movimentos socialista francês.
Como líder revolucionário, não depositava muita fé na sublevação do povo. Blanqui era adepto das sociedades secretas, tanto é que fundou inúmeras com o objetivo de arregimentar gente decidida a tomar o poder de assalto. Tamanho era o sigilo que envolvia suas operações subversivas que a mais espetacular das suas operações - a ocupação, com mais de 500 seguidores, do Hotel de Ville, em Paris, em 12 de maio de 1839 - caiu na mais completa apatia popular, lhe rendendo por conta, depois de detido, dez anos de confinamento na masmorra do Monte S.Michel.
Conspiração e Revolta
Nem simpático ao voto popular ele era. O povo, para Blanqui, por uma infinidade de motivos, votava maioritariamente nos conservadores, o que impedia na prática de atingir a sociedade igualitária pelo sufrágio. Das urnas podia-se esperar tudo menos a revolução. O resultado lógico da sua doutrina é que ela depositava suas expectativas num grupo de homens determinados, inquebrantáveis, numa elite de titãs revolucionários que sempre estavam dispostos a partir para um tudo ou nada contra a ordem vigente. Mal libertavam-no e Blanqui desandava a meter-se numa nova conspiração, empenhando-se num novo assalto ao poder. Desconsiderava altivamente as tais de condições objetivas, pois para ele qualquer instante servia para uma insurreição. Rebelou-se incessantemente, ao longo da que participou em 1830 da derrubada do reinado de Carlos XII. A seguir ergueu-se contra as limitações da República de 1848, contra Napoleão III, e já septuagenário, na sua última intentona, em 1874, contra a República de Versalhes (implantada em 1871, depois dela ter sufocado a Comuna de Paris). Blanqui, como se viu, era um motim permanente, um homem indomado.
Os exageros dele foram tantos que ser chamado de blanquista nos meios socialistas nos finais do século passado, apesar do respeito que tinham dele como mártir da causa, era como ser apontando como um destemperado, um demente.
Guevara e o Foquismo Revolucionário
Pois Che Guevara foi de algum modo um Blanqui latino-americano. Tal como o francês, ele aferrou-se a idéia de que um núcleo coeso e determinado de combatentes era capaz não só de constituir um foco revolucionário como de derrotar um exército convencional. Como ele mesmo explicitou no seu manual de combatente (La guerra de guerrillas, 1960), extraído das suas experiências da revolução cubana de 1956-9, "não há que esperar necessariamente que se dê uma situação revolucionária, pode criar-se". Inevitavelmente o foquismo conduzia a um enaltecimento de uma vanguarda, eleita pela história e pelo destino, que se proclamava em permanente rebelião em nome de um povo omisso ou indiferente, depositando toda sua esperança no voluntarismo de uma liderança radical. A doutrina foquista apelava diretamente para motivação dos revolucionários, para que entrassem em ação não importando muito as circunstâncias políticas em que o país se encontrava. Esse discurso soou como música nos ouvidos de boa parte da juventude engajada latino-americana dos anos 60 e 70. O foquismo acendia a chama romântica da aventura, do heroísmo e do martírio, fazendo com que cada um que aderisse ao movimento e empunhasse um fuzil se imaginasse um Davi revolucionário enfrentando o Golias oligárquico-imperialista.
Blanquismo e Foquismo
No foquismo, um blanquismo adaptado às circunstâncias latino-americanas, e no exemplo de Che Guevara (morto na Bolívia em 1967) é que se inspiraram, a partir dos anos sessenta, os movimentos guerrilheiros do MIR chileno, o ERP e os Montoneros argentinos, os Tupamaros uruguaios, a Frente Farabundo Martí de El Salvador, os sandinistas da Nicarágua, o Sendeiro Luminoso do Peru, O M-19, a FARC e o ELN da Colômbia, o Var-Palmares e a FLN no Brasil, e uma incontável quantidade de outros grupos e subgrupos que se multiplicaram por parte considerável da América Central e do Sul nos últimos quarenta anos. Os zapatistas no estado de Chiapas, no México, o MRTA, esmagados recentemente no Peru pelo regime de Fujimori, a FARC e o ELN da Colômbia, limitadas às florestas daquele país, são os derradeiros remanescentes da doutrina foquista e do guevarismo.
O Fracasso da Guerrilha
O rotundo fracasso do movimento guerrilheiro latino-americano (só repetiu-se o sucesso cubano na Nicarágua em 1979, e ainda assim por pouco tempo), sua maior tragédia, entre outras causas, deveu-se a uma avaliação política equivocada. Ao não querer ou não saber distinguir uma ordem constitucional legitimamente eleita de um regime ditatorial, as organizações combatentes marcharam, na maior parte dos casos, para um radicalismo desesperado e estéril. Para os entusiastas da guerrilha era-lhes indiferente ser o governo respeitador do estado de direito (como do Uruguai dos anos 60), ou estar ele nas mãos de um dos tantos generais bolivianos que ascendiam ao Palácio Presidencial da Casa Queimada em La Paz, recorrendo a uma quartelada. Chegaram ao extremo, como ocorreu na Argentina, do ERP e dos Montoneros, de atacarem o estado democrático, restabelecido com a volta do general Perón em 1974 (consagrado com mais de 60% dos votos populares) para provocar a reação dos militares, na expectativa de, aí sim, com o retorno da ditadura, o povo argentino por inteiro aderir a eles. Outro resultado desastroso do entusiasmo de muitos jovens latino-americanos pelo foquismo foi de ordem político-pedagógico. Um geração inteira desacreditou das virtudes da democracia, dizendo-a incapaz de fazer as mudanças socioeconômicas necessárias para atenuar o quadro de injustiça e desigualdade social vigente na maior parte do continente ao sul do Rio Grande. Deram para apostar tudo nas hipotéticas virtudes do fuzil, desprezando inteiramente o voto como instrumento válido de mudança, predispondo a causa revolucionária à aceitação do partido único e à supressão das liberdades gerais (de imprensa, de palavra, de reunião, de organização partidárias, etc., tidas por eles como "burguesas").
Suicídio Político
O foquismo, assim, os conduziu por toda parte a um cego suicídio. Entenderam, na maior parte das vezes, ser a democracia e o estado de direito uma ficção das classes oligárquicas latino-americanas, senão uma debilidade da ordem burguesa da qual deviam aproveitar-se para preparar a insurreição geral. Isolados das demais forças políticas e sociais que compõe a diversidade de uma nação, viraram alvo fácil para as forças repressivas (que se abateram sobre eles com uma fúria poucas vezes vista na nossa já tão cruenta história). E, o mais doloroso para os guerrilheiros e seus comandantes, com amplo apoio popular, como se viu recentemente no esmagamento dos movimentos guerrilheiros no Peru pelo regime de Fujimori-Montesinos.
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/guevara_revolucionario.htm
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