25/05/2008 - 17h30
A 12ª edição da Parada Gay de São Paulo registra diversos furtos, atos de violência e vandalismo, além de casos de embriaguez e consumo explícito de drogas. Houve uma tentativa de invasão da área reservada aos jornalistas por um grupo de cem manifestantes, por volta das 15h30, devido à superlotação da av. Paulista. Um trio elétrico do Sindicato dos Enfermeiros atropelou um homem, que foi levado à Santa Casa de Misericórdia.
No posto de emergência, localizado na av. Paulista, todas as 15 camas estão ocupadas. Até 16h foram atendidos 200 participantes nas unidades de saúde, a maioria deles por excesso no consumo de bebida alcoólica. Uma pessoa entrou em estado de coma alcoólico e foi encaminhada ao hospital. O uso de drogas como maconha e ecstasy é explícito.
Uma jovem alcoolizada sofreu queda dentro da estação de metrô Trianon-Masp e acabou sendo removida para a o posto de atendimento médico na av. Paulista. Devido ao estado grave, foi encaminhada para o Hospital do Servidor Público Municipal.
Na esquina da av. Paulista com Consolação, o trio elétrico do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo atropelou Rubens Martins, 56, que feriu as pernas. Ele era funcionário do trio e caiu entre o cavalo mecânico e a carroceria do caminhão, na hora em que o veículo fez a curva para pegar a r. da Consolação. Segundo a Santa Casa de Misericórdia, ele chegou consciente e deve ser operado nas próximas horas.
A estudante paulistana Marina Gonçalves, 25, foi uma das vítima de assalto. "Neste ano a violência está pior do que nos outros. Levaram meu celular a minha máquina fotográfica. Havia dois policiais ao lado que nem chegaram a ver o furto. Acho que não volto mais."
O comandante-geral de operações da Guarda Civil, o inspetor Sérgio Jovino, confirmou que houve 50 casos de furtos --só uma pessoa foi detida.
"A Parada tem estrutura e organização, mas infelizmente as pessoas querem entrar em áreas reservadas."
A Guarda Civil divulgou uma estimativa de público que contraria as previsões dos organizadores da Parada Gay. Para o órgão municipal, o público chegou a 3 milhões de participantes. Mais cedo, a associação que organiza o evento falou em 5 milhões.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u405251.shtml
Comentário: É mais que notório que o homossexualismo e as drogas andam lado a lado. Pois só sob o efeito de drogas que os gays tem coragem de fazer o que fazem.
domingo, 28 de setembro de 2008
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Ivã IV da Rússia
Ivã IV (em russo: Иван IV Васильевич Грозный, Ivan Vassiliévitch Grozny, 25 de Agosto de 1530, Moscou – 18 de Março de 1584, Moscou), grão-duque de Moscou desde os três anos de idade, foi o primeiro governante a utilizar o título de czar (césar, ou imperador) de todas as Rússias. Na tradição russa, é conhecido como Ива́н Гро́зный (Ivan Grozny), geralmente traduzido como Ivã, o Terrível.
Ivã estendeu o seu domínio para o oriente, anexando em 1552 o Canato de Kazan e em 1556 o Canato de Astrakhan, para absorver a Sibéria. Estabeleceu relações comerciais com o Ocidente.
No entanto, a sua capacidade para uma boa governação ficou manchada pela excessiva crueldade. A sua polícia secreta, os Oprichniks, torturou e assassinou todos os suspeitos de traição, como o povo de Novgorod, acusado de rebelião.
Ivã teve sete mulheres, uma das quais morreu em circunstâncias suspeitas. Num acesso de raiva Ivan matou acidentalmente o filho mais velho, que era tão cruel como ele, e passou o resto da vida imerso em remorsos, misturados com actos de crueldade e violência. Em meio ao seu governo, os tártaros da Criméia saquearam Moscou em 1571, apesar de tê-los vencido no ano seguinte na Batalha de Molodi. Morreu louco, em 1584.
O comportamento de Ivã IV pode ser explicado pela sua conturbada infância. Filho do grão-duque Vassili III de Moscou, ficou órfão aos oito anos de idade. Praticamente um refém dentro do próprio Kremlin, assistiu às brigas intermináveis entre as diversas facções dos boiardos. Era incentivado a assistir a sessões de tortura e execuções pelos nobres, que mantinham seus feudos independentes e tomavam o comércio como ponto principal de seus interesses, não unificando a Rússia. Assustado durante todo esse período, Ivan passou a ler cada vez mais a Bíblia, especialmente o Velho Testamento, firmando-se como um obcecado cristão ortodoxo.
Embora os boiardos acreditassem que tudo poderiam fazer, para surpresa geral, subitamente o menino Ivã manda que prendam o principal líder boiardo, o Princípe Chuiski, que é executado. Pouco após, anuncia sua coroação como czar. Os próprios nobres e o restante da Europa duvidavam da sua capacidade em fazê-lo, pois o título de arquiduque não lhe garantia o trono. Mas ele insistiu e se auto-coroou. Talvez o receio tenha sido o de que aquele poderia ser um velho sonho, o da unificação.
Tão logo foi coroado czar, anunciou a expropriação de bens de boiardos e da Igreja, clamando a si próprio o poder religioso. Logo criou uma tropa de elite, um exército profissional, os Streltsky, que ganharia cada vez mais poder próprio até sua extinção com a ascensão do czar Pedro, o Grande.
Após a conquista de Kazan, interpretada como vitória religiosa também, pois a cidade era muçulmana, e com a morte da primeira esposa, Anastasia Romanovna, aos 27 anos, recolhe-se a um mosteiro e volta a Moscou apenas atendendo ao chamamento de representantes dos nobres e da população - que, segundo uma interpretação corrente, prefeririam um tirano ao caos. Forma uma guarda pessoal, os Oprichnicky, que se vestiam de preto e cavalgavam animais também pretos, sendo a maioria deles constituída por criminosos que juraram lealdade eterna ao czar e com ele cometeram terríveis ações.
Ivã IV foi um homem cruel e provavelmente insano mentalmente, mas conseguiu unificar a Rússia, antes dividida em principados independentes. Criou uma força militar própria e conquistou terras até a Sibéria, expandindo o território russo até adquirir praticamente os seus contornos atuais. Também se tornou um autocrata, o primeiro de uma série, mas por ter ferido à morte seu filho mais velho e pela misteriosa morte do czarevich Dmitri, não deixou linhagem.
Curiosamente, a morte do pequeno Dmitri acabou por ser atribuída a Boris Godunov, que se tornou czar por algum tempo, e ao monge Grigory Otripiev, que deixou a Rússia e conquistou a simpatia dos poloneses, declarando-se o verdadeiro czarevich. O falso czarevich, com o apoio do exército polonês e pela confusão reinante na Rússia após a morte de Godunov, chegou mesmo a governar por um breve período no Kremlin, sendo substituído à força por um descendente dos Chuikis.
Oprichniks
Um Oprichnik (опричник) (Oprichniki no plural) era um membro de uma organização estabelecida pelo Tsar Ivan, o Terrível para governar a divisão da Rússia conhecida como a Oprichnina (1565-1572.) Alguns eruditos pensam que foi a esposa de Ivan, Maria Temrjukovna que deu primeiramente ao Tsar a idéia de dar forma a organização.
O Oprichniki era responsável pela tortura e o assassinato de inimigos internos do Tsar. Notórios pelos seus meios violentos, poderiam ser comparados aos “esquadrões da morte modernos” ou mesmo à polícia secreta. O Oprichniki mais odiado foi Malyuta Skuratov.
História
O seu principal símbolo era a cabeça de cachorro que levavam pendurados na parte da frente do cavalo, símbolo da sua lealdade, e a vassoura, que simbolizava a limpeza dos inimigos do czar. Foram chamados às vezes os cães do “Tsar” por causa de sua lealdade a ele. Vestiram-se com roupas pretas, similares a um hábito monástico, disfarçando-se de ordem religiosa.
O Oprichniki usava métodos diferenciados de tortura, que incluem amarrar cada membro da pessoa a um cavalo diferente e que correm nos sentidos opostos ou jogar uma pessoa em uma banheira de água fervente. Empalariam vítimas, ou mesmo amarram a vítima e queimariam-na em locais abertos.
Quando Ivan se declarou a “Mão do Deus”, 300 dos Oprichniks foram selecionados para ser sua “Fraternidade Pessoal” e passaram a viver dentro do castelo de Ivan. Cada noite, três Oprichnik “monges” ouviriam um sermão dado por Ivan, antes das execuções da manhã. O Oprichniki conduziria um estilo de vida externamente ascético, como as monges, mas haveria muitas manifestações de crueldade e de devassidão.
No Massacre de Novgorod, os Oprichniks massacraram em torno de 1500 nobres.
Ivã estendeu o seu domínio para o oriente, anexando em 1552 o Canato de Kazan e em 1556 o Canato de Astrakhan, para absorver a Sibéria. Estabeleceu relações comerciais com o Ocidente.
No entanto, a sua capacidade para uma boa governação ficou manchada pela excessiva crueldade. A sua polícia secreta, os Oprichniks, torturou e assassinou todos os suspeitos de traição, como o povo de Novgorod, acusado de rebelião.
Ivã teve sete mulheres, uma das quais morreu em circunstâncias suspeitas. Num acesso de raiva Ivan matou acidentalmente o filho mais velho, que era tão cruel como ele, e passou o resto da vida imerso em remorsos, misturados com actos de crueldade e violência. Em meio ao seu governo, os tártaros da Criméia saquearam Moscou em 1571, apesar de tê-los vencido no ano seguinte na Batalha de Molodi. Morreu louco, em 1584.
O comportamento de Ivã IV pode ser explicado pela sua conturbada infância. Filho do grão-duque Vassili III de Moscou, ficou órfão aos oito anos de idade. Praticamente um refém dentro do próprio Kremlin, assistiu às brigas intermináveis entre as diversas facções dos boiardos. Era incentivado a assistir a sessões de tortura e execuções pelos nobres, que mantinham seus feudos independentes e tomavam o comércio como ponto principal de seus interesses, não unificando a Rússia. Assustado durante todo esse período, Ivan passou a ler cada vez mais a Bíblia, especialmente o Velho Testamento, firmando-se como um obcecado cristão ortodoxo.
Embora os boiardos acreditassem que tudo poderiam fazer, para surpresa geral, subitamente o menino Ivã manda que prendam o principal líder boiardo, o Princípe Chuiski, que é executado. Pouco após, anuncia sua coroação como czar. Os próprios nobres e o restante da Europa duvidavam da sua capacidade em fazê-lo, pois o título de arquiduque não lhe garantia o trono. Mas ele insistiu e se auto-coroou. Talvez o receio tenha sido o de que aquele poderia ser um velho sonho, o da unificação.
Tão logo foi coroado czar, anunciou a expropriação de bens de boiardos e da Igreja, clamando a si próprio o poder religioso. Logo criou uma tropa de elite, um exército profissional, os Streltsky, que ganharia cada vez mais poder próprio até sua extinção com a ascensão do czar Pedro, o Grande.
Após a conquista de Kazan, interpretada como vitória religiosa também, pois a cidade era muçulmana, e com a morte da primeira esposa, Anastasia Romanovna, aos 27 anos, recolhe-se a um mosteiro e volta a Moscou apenas atendendo ao chamamento de representantes dos nobres e da população - que, segundo uma interpretação corrente, prefeririam um tirano ao caos. Forma uma guarda pessoal, os Oprichnicky, que se vestiam de preto e cavalgavam animais também pretos, sendo a maioria deles constituída por criminosos que juraram lealdade eterna ao czar e com ele cometeram terríveis ações.
Ivã IV foi um homem cruel e provavelmente insano mentalmente, mas conseguiu unificar a Rússia, antes dividida em principados independentes. Criou uma força militar própria e conquistou terras até a Sibéria, expandindo o território russo até adquirir praticamente os seus contornos atuais. Também se tornou um autocrata, o primeiro de uma série, mas por ter ferido à morte seu filho mais velho e pela misteriosa morte do czarevich Dmitri, não deixou linhagem.
Curiosamente, a morte do pequeno Dmitri acabou por ser atribuída a Boris Godunov, que se tornou czar por algum tempo, e ao monge Grigory Otripiev, que deixou a Rússia e conquistou a simpatia dos poloneses, declarando-se o verdadeiro czarevich. O falso czarevich, com o apoio do exército polonês e pela confusão reinante na Rússia após a morte de Godunov, chegou mesmo a governar por um breve período no Kremlin, sendo substituído à força por um descendente dos Chuikis.
Oprichniks
Um Oprichnik (опричник) (Oprichniki no plural) era um membro de uma organização estabelecida pelo Tsar Ivan, o Terrível para governar a divisão da Rússia conhecida como a Oprichnina (1565-1572.) Alguns eruditos pensam que foi a esposa de Ivan, Maria Temrjukovna que deu primeiramente ao Tsar a idéia de dar forma a organização.
O Oprichniki era responsável pela tortura e o assassinato de inimigos internos do Tsar. Notórios pelos seus meios violentos, poderiam ser comparados aos “esquadrões da morte modernos” ou mesmo à polícia secreta. O Oprichniki mais odiado foi Malyuta Skuratov.
História
O seu principal símbolo era a cabeça de cachorro que levavam pendurados na parte da frente do cavalo, símbolo da sua lealdade, e a vassoura, que simbolizava a limpeza dos inimigos do czar. Foram chamados às vezes os cães do “Tsar” por causa de sua lealdade a ele. Vestiram-se com roupas pretas, similares a um hábito monástico, disfarçando-se de ordem religiosa.
O Oprichniki usava métodos diferenciados de tortura, que incluem amarrar cada membro da pessoa a um cavalo diferente e que correm nos sentidos opostos ou jogar uma pessoa em uma banheira de água fervente. Empalariam vítimas, ou mesmo amarram a vítima e queimariam-na em locais abertos.
Quando Ivan se declarou a “Mão do Deus”, 300 dos Oprichniks foram selecionados para ser sua “Fraternidade Pessoal” e passaram a viver dentro do castelo de Ivan. Cada noite, três Oprichnik “monges” ouviriam um sermão dado por Ivan, antes das execuções da manhã. O Oprichniki conduziria um estilo de vida externamente ascético, como as monges, mas haveria muitas manifestações de crueldade e de devassidão.
No Massacre de Novgorod, os Oprichniks massacraram em torno de 1500 nobres.
Pedro I da Rússia
Pedro (1672 — 1725), no alfabeto cirílico Пётр I Алексэевич Роман́ов ou Pyotr Alexeyevich Romanov, conhecido por o Grande, foi czar ou tsar da Rússia, e primeiro Imperador do Império Russo, tendo regido de 1682 a 1725.Foi importante na modernização e ocidentalização da Rússia,país que ja estava muito defasado em relação ás potências ocidentais.Também deu ao seu país grande poder depois de derrotar a Suécia na Grande Guerra do Norte(1700-1721), que ficou marcada pela sua grande vitória na Batalha de Poltava(1709).
Primeiros anos
Pedro, o Grande, nasceu a 9 de Junho de 1672 (30 de Maio de acordo com o calendário juliano) em Moscovo, fruto do segundo casamento do tzar Alexis I da Rússia, com a tzarina Nataliya Kyrillovna Naryshkina. Do primeiro casamento de seu pai com Maria Miloslavskaya haviam nascido cinco filhos e oito filhas, embora quando do nascimento de Pedro, apenas dois dos filhos se encontrassem vivos: Fiodor e Ivan. Alexis I faleceu 8 de Janeiro de 1676, não tinha ainda Pedro completado 4 anos de idade. O seu meio-irmão Fiodor torna-se então Fiodor III, regente da Rússia entre 1676 e 1682.
Ascensão ao poder
Em 1682 morre Fiodor. A sucessão ao trono é então disputada pelos dois ramos de sucessão ao trono - Miloslavsky do primeiro casamento de Alexis I e os Naryshkins de Pedro. Do lado dos Miloslavsky, o seu meio-irmão Ivan é o primeiro na linha da sucessão. Contudo, o facto de este ser inválido e diminuído mental dá razão à pretensão dos Naryshkins de Pedro, então com apenas 9 anos, a ser o sucessor ao trono. Com o apoio do patriarcado da Igreja Ortodoxa Russa e da maioria da Duma boiarda, o conselho de nobres, Pedro foi em Abril de 1682 escolhido para futuro czar da Rússia. Contudo, os Miloslavsky não se conformaram, e Sofia, filha mais velha de Alexis I, fomenta a rebelião dos streltsy, corpo de mosqueteiros da Rússia que eram a élite militar. Nessa rebelião, muitos membros da família Naryshkin foram assassinados, tendo inclusivamente Pedro testemunhado alguns deles.
No seguimento dessa rebelião, a Duma boiarda proclama Ivan V czar sénior, tendo Pedro ficado como czar júnior. A pretexto das limitações mentais de Ivan, a sua irmã Sofia torna-se regente com a missão de ajudar Ivan nas decisões. Para esta partilha de poder pelos dois czares e por Sofia é construído um trono especial com dois lugares para Ivan e Pedro e um lugar atrás destes onde Sofia se sentava e tomava ela as decisões governativas.
Pedro e os restantes membros da família Naryshkin afastam-se da corte, deixando Sofia e os seus partidários governarem o país.
Durante esse período de governação, o príncipe Vasily Golitsyn, favorito da regente, procede a uma modernização do sistema penal e regras sociais, incluindo a eliminação da servidão.
Contudo essas mudanças alimentam certas tensões na sociedade russa, e acumuladas as derrotas militares contra os Tártaros na Criméia em 1687 e 1689, resultam numa nova rebelião dos streltsy. Uma nova e definitiva luta pelo poder entre os Naryshkin e os Miloslavsky termina em Agosto de 1689 com uma revolta a favor de Pedro que afasta definitivamente Sofia da governação. Sofia é então forçada a abandonar a regência e a dar entrada no convento de Novodevitchy. Com 17 anos de idade, Pedro prefere deixar os assuntos de estado ao cuidado de sua mãe, Natália, dedicando-se ele mais aos estudos militares e náuticos.
Em 1694 morre Natália Naryshkina, sua mãe, e Pedro é então obrigado a finalmente assumir as funções governativas. O seu irmão Ivan V, ainda czar, limitava-se a promulgar as leis que Pedro lhe dizia. Ivan V morre em 1696, ano a partir do qual Pedro passa a ser o regente único da Rússia.
Em 1722, o senado russo aclama-o Imperador de todas as Rússias, título que foi reconhecido pela Polónia, Prússia e Suécia.
Modernização da Rússia
O maior êxito de Pedro foi a modernização da Rússia. Em 1697, organiza uma expedição diplomática à Europa Ocidental, a que dá o nome de Grande Embaixada. Entre os objectivos que traça para essa embaixada, figuram a busca de conhecimentos técnicos, militares e náuticos, bem como tentar obter o apoio das restantes nações europeias para fazer frente ao Império Otomano. Oficialmente esta expedição era liderada por Franz Lefort, mas Pedro integrava incógnito a missão, sob o nome de Pedro Mikhailov.
Uma parte significativa dessa expedição foi passada nos Países Baixos onde Pedro estudou as diversas vertentes das ciências náuticas, alimentando o seu sonho de tornar a Rússia numa potência marítima. Na língua russa, grande parte do vocabulário náutico foi assimilado da língua neerlandesa.
Essa sua experiência durou apenas 18 meses, tendo regressado à Rússia no Outono de 1698 de forma inesperada ao receber notícia de uma rebelião dos streltsy em Moscovo. Quando regressou, trazia com ele várias centenas de mestres, técnicos, médicos e homens letrados que recrutou no seu périplo pela Europa.
Não tendo o seu objectivo de unir uma coligação contra os Turcos sido atingido, a missão foi contudo um sucesso do ponto de vista do conhecimento. Consigo trás cartas topográficas, livros, invenções de Isaac Newton, e uma visão mais modernista que se reflecte inclusivamente na nova forma de vestir que introduz na sua corte. As tradicionais barbas longas passaram a ser objecto de imposto - todos os nobres e homens de comércio que ostentassem semelhantes barbas teriam agora de pagar 100 rublos; todos os outros teriam de pagar 1 "kopeik".
Também os tradicionais trajes de influência oriental foram alvo de mudança. À entrada das cidades, eram afixados trajes de corte francês que eram agora o traje exigido aos nobres e homens de posse. A quem quisesse entrar na cidade sem tal traje, os soldados mandavam ajoelhar e cortavam a parte do traje que ficasse abaixo do joelho; como alternativa havia o pagamento de uma taxa. Apesar dos óbvios protestos populares dos cidadãos mais tradicionais, os mais jovens adaptaram-se facilmente aos novos costumes.
Pedro manda traduzir para russo diversas obras em francês, neerlandês, alemão e inglês. Em 1717 desloca-se novamente à Europa ocidental, onde visita entre outros locais, as cidades belgas de Liège, Nieuwpoort, Spa e Namur.
O seu fascínio pelo conhecimento leva-o a enviar diversas expedições de reconhecimento à Sibéria. Daniel Gottlieb Messerschmidt recolhe entre 1718 e 1727 dados sobre a geografia, população bem como sobre a fauna e flora das regiões ocidental e central da Sibéria.
No extremo oriental a península de Kamchatka é explorada por Ivan Jevrejnov e Fiodor Lujin e o extremo norte é explorada pelo dinamarquês Vitus Bering (nome que fica associado ao estreito de Bering).
Durante o seu reinado importantes medidas são tomadas tais como a adopção do calendário juliano, a simplificação do cirílico e a reforma do sistema administrativo.
Em 1703 manda edificar São Petersburgo, a nova capital da Rússia, um projecto urbanístico de acordo com os costumes mais ocidentais. Esta seria uma porta de ligação da Rússia com a Europa ocidental também do ponto de vista cultural.
Ainda nesse ano manda construir "Peterhof", uma cidade periférica de São Petersburgo conhecida pelo seu magnânime complexo de palácios. Esse complexo só será concluído em 1725.
Política Militar
Desde cedo que Pedro se interessou pela vida militar. Quando ainda era criança e durante a sua permanência fora da corte, ele ter-se-ia entretido com casernas militares para crianças e exercícios militares a brincar, com crianças vestidas com uniformes. Ele acreditava na meritocracia, e preferia começar por um posto subalterno e alcançar postos de comando após comprovado mérito.
Na sua expedição pela Europa Ocidental, para além dos conhecimentos que lhe permitiriam construir uma armada, Pedro assistiu a exercícios de artilharia na Prússia.
Os seus grande conflitos militares foram principalmente a Grande Guerra do Norte com Carlos XII da Suécia e as batalhas contra os Otomanos.
Breve cronologia militar
1695 - falha a tentativa conquista de Azov aos Turcos
1696 - conquista Azov com forças terrestres e marítimas, o que demonstrou a importância da armada
1697 - grande embaixada, em busca de apoio político contra os turcos e conhecimentos militares
1698 - criação da primeira base naval russa em Taganrog
o holandês Cornelis Cruys é nomeado vice-almirante e presidente do município de Taganrog
envia delegação a Malta para estudo das técnicas militares dos Cavaleiros de Malta e da sua armada
1700 - derrota na batalha de Narva, na Estónia contra Carlos XII da Suécia
1708 - Carlos XII da Suécia invade a Rússia e derrota novamente Pedro na batalha de Lesnaya
Pedro destrói os reforços de Carlos que vinham de Riga e impede o seu progresso rumo a Moscovo
1709 - Carlos avança para a Ucrânia, onde se dá a Batalha de Poltava, terminando com a derrota definitiva de Carlos
1711 - ataque infrutífero contra os Otomanos
1714 - a armada de Pedro captura um destacamento da marinha sueca, constituindo a primeira vitória da marinha russa
1718 - Carlos morre em batalha em Halden, Noruega
1721 - Tratado de Nystad termina a Grande Guerra do Norte com a Suécia, apoderando-se de territórios que deram à Rússia o acesso ao mar Báltico
Primeiros anos
Pedro, o Grande, nasceu a 9 de Junho de 1672 (30 de Maio de acordo com o calendário juliano) em Moscovo, fruto do segundo casamento do tzar Alexis I da Rússia, com a tzarina Nataliya Kyrillovna Naryshkina. Do primeiro casamento de seu pai com Maria Miloslavskaya haviam nascido cinco filhos e oito filhas, embora quando do nascimento de Pedro, apenas dois dos filhos se encontrassem vivos: Fiodor e Ivan. Alexis I faleceu 8 de Janeiro de 1676, não tinha ainda Pedro completado 4 anos de idade. O seu meio-irmão Fiodor torna-se então Fiodor III, regente da Rússia entre 1676 e 1682.
Ascensão ao poder
Em 1682 morre Fiodor. A sucessão ao trono é então disputada pelos dois ramos de sucessão ao trono - Miloslavsky do primeiro casamento de Alexis I e os Naryshkins de Pedro. Do lado dos Miloslavsky, o seu meio-irmão Ivan é o primeiro na linha da sucessão. Contudo, o facto de este ser inválido e diminuído mental dá razão à pretensão dos Naryshkins de Pedro, então com apenas 9 anos, a ser o sucessor ao trono. Com o apoio do patriarcado da Igreja Ortodoxa Russa e da maioria da Duma boiarda, o conselho de nobres, Pedro foi em Abril de 1682 escolhido para futuro czar da Rússia. Contudo, os Miloslavsky não se conformaram, e Sofia, filha mais velha de Alexis I, fomenta a rebelião dos streltsy, corpo de mosqueteiros da Rússia que eram a élite militar. Nessa rebelião, muitos membros da família Naryshkin foram assassinados, tendo inclusivamente Pedro testemunhado alguns deles.
No seguimento dessa rebelião, a Duma boiarda proclama Ivan V czar sénior, tendo Pedro ficado como czar júnior. A pretexto das limitações mentais de Ivan, a sua irmã Sofia torna-se regente com a missão de ajudar Ivan nas decisões. Para esta partilha de poder pelos dois czares e por Sofia é construído um trono especial com dois lugares para Ivan e Pedro e um lugar atrás destes onde Sofia se sentava e tomava ela as decisões governativas.
Pedro e os restantes membros da família Naryshkin afastam-se da corte, deixando Sofia e os seus partidários governarem o país.
Durante esse período de governação, o príncipe Vasily Golitsyn, favorito da regente, procede a uma modernização do sistema penal e regras sociais, incluindo a eliminação da servidão.
Contudo essas mudanças alimentam certas tensões na sociedade russa, e acumuladas as derrotas militares contra os Tártaros na Criméia em 1687 e 1689, resultam numa nova rebelião dos streltsy. Uma nova e definitiva luta pelo poder entre os Naryshkin e os Miloslavsky termina em Agosto de 1689 com uma revolta a favor de Pedro que afasta definitivamente Sofia da governação. Sofia é então forçada a abandonar a regência e a dar entrada no convento de Novodevitchy. Com 17 anos de idade, Pedro prefere deixar os assuntos de estado ao cuidado de sua mãe, Natália, dedicando-se ele mais aos estudos militares e náuticos.
Em 1694 morre Natália Naryshkina, sua mãe, e Pedro é então obrigado a finalmente assumir as funções governativas. O seu irmão Ivan V, ainda czar, limitava-se a promulgar as leis que Pedro lhe dizia. Ivan V morre em 1696, ano a partir do qual Pedro passa a ser o regente único da Rússia.
Em 1722, o senado russo aclama-o Imperador de todas as Rússias, título que foi reconhecido pela Polónia, Prússia e Suécia.
Modernização da Rússia
O maior êxito de Pedro foi a modernização da Rússia. Em 1697, organiza uma expedição diplomática à Europa Ocidental, a que dá o nome de Grande Embaixada. Entre os objectivos que traça para essa embaixada, figuram a busca de conhecimentos técnicos, militares e náuticos, bem como tentar obter o apoio das restantes nações europeias para fazer frente ao Império Otomano. Oficialmente esta expedição era liderada por Franz Lefort, mas Pedro integrava incógnito a missão, sob o nome de Pedro Mikhailov.
Uma parte significativa dessa expedição foi passada nos Países Baixos onde Pedro estudou as diversas vertentes das ciências náuticas, alimentando o seu sonho de tornar a Rússia numa potência marítima. Na língua russa, grande parte do vocabulário náutico foi assimilado da língua neerlandesa.
Essa sua experiência durou apenas 18 meses, tendo regressado à Rússia no Outono de 1698 de forma inesperada ao receber notícia de uma rebelião dos streltsy em Moscovo. Quando regressou, trazia com ele várias centenas de mestres, técnicos, médicos e homens letrados que recrutou no seu périplo pela Europa.
Não tendo o seu objectivo de unir uma coligação contra os Turcos sido atingido, a missão foi contudo um sucesso do ponto de vista do conhecimento. Consigo trás cartas topográficas, livros, invenções de Isaac Newton, e uma visão mais modernista que se reflecte inclusivamente na nova forma de vestir que introduz na sua corte. As tradicionais barbas longas passaram a ser objecto de imposto - todos os nobres e homens de comércio que ostentassem semelhantes barbas teriam agora de pagar 100 rublos; todos os outros teriam de pagar 1 "kopeik".
Também os tradicionais trajes de influência oriental foram alvo de mudança. À entrada das cidades, eram afixados trajes de corte francês que eram agora o traje exigido aos nobres e homens de posse. A quem quisesse entrar na cidade sem tal traje, os soldados mandavam ajoelhar e cortavam a parte do traje que ficasse abaixo do joelho; como alternativa havia o pagamento de uma taxa. Apesar dos óbvios protestos populares dos cidadãos mais tradicionais, os mais jovens adaptaram-se facilmente aos novos costumes.
Pedro manda traduzir para russo diversas obras em francês, neerlandês, alemão e inglês. Em 1717 desloca-se novamente à Europa ocidental, onde visita entre outros locais, as cidades belgas de Liège, Nieuwpoort, Spa e Namur.
O seu fascínio pelo conhecimento leva-o a enviar diversas expedições de reconhecimento à Sibéria. Daniel Gottlieb Messerschmidt recolhe entre 1718 e 1727 dados sobre a geografia, população bem como sobre a fauna e flora das regiões ocidental e central da Sibéria.
No extremo oriental a península de Kamchatka é explorada por Ivan Jevrejnov e Fiodor Lujin e o extremo norte é explorada pelo dinamarquês Vitus Bering (nome que fica associado ao estreito de Bering).
Durante o seu reinado importantes medidas são tomadas tais como a adopção do calendário juliano, a simplificação do cirílico e a reforma do sistema administrativo.
Em 1703 manda edificar São Petersburgo, a nova capital da Rússia, um projecto urbanístico de acordo com os costumes mais ocidentais. Esta seria uma porta de ligação da Rússia com a Europa ocidental também do ponto de vista cultural.
Ainda nesse ano manda construir "Peterhof", uma cidade periférica de São Petersburgo conhecida pelo seu magnânime complexo de palácios. Esse complexo só será concluído em 1725.
Política Militar
Desde cedo que Pedro se interessou pela vida militar. Quando ainda era criança e durante a sua permanência fora da corte, ele ter-se-ia entretido com casernas militares para crianças e exercícios militares a brincar, com crianças vestidas com uniformes. Ele acreditava na meritocracia, e preferia começar por um posto subalterno e alcançar postos de comando após comprovado mérito.
Na sua expedição pela Europa Ocidental, para além dos conhecimentos que lhe permitiriam construir uma armada, Pedro assistiu a exercícios de artilharia na Prússia.
Os seus grande conflitos militares foram principalmente a Grande Guerra do Norte com Carlos XII da Suécia e as batalhas contra os Otomanos.
Breve cronologia militar
1695 - falha a tentativa conquista de Azov aos Turcos
1696 - conquista Azov com forças terrestres e marítimas, o que demonstrou a importância da armada
1697 - grande embaixada, em busca de apoio político contra os turcos e conhecimentos militares
1698 - criação da primeira base naval russa em Taganrog
o holandês Cornelis Cruys é nomeado vice-almirante e presidente do município de Taganrog
envia delegação a Malta para estudo das técnicas militares dos Cavaleiros de Malta e da sua armada
1700 - derrota na batalha de Narva, na Estónia contra Carlos XII da Suécia
1708 - Carlos XII da Suécia invade a Rússia e derrota novamente Pedro na batalha de Lesnaya
Pedro destrói os reforços de Carlos que vinham de Riga e impede o seu progresso rumo a Moscovo
1709 - Carlos avança para a Ucrânia, onde se dá a Batalha de Poltava, terminando com a derrota definitiva de Carlos
1711 - ataque infrutífero contra os Otomanos
1714 - a armada de Pedro captura um destacamento da marinha sueca, constituindo a primeira vitória da marinha russa
1718 - Carlos morre em batalha em Halden, Noruega
1721 - Tratado de Nystad termina a Grande Guerra do Norte com a Suécia, apoderando-se de territórios que deram à Rússia o acesso ao mar Báltico
domingo, 21 de setembro de 2008
A Alteração do conceito de Dissuasão: Contributos para a sua conceptualização*
Major Paulo José da Conceição Antunes**
Introdução
“Deterrence occurs above all in the minds of men.”1
Henry Kissinger
“Entre 1989 e 1991 os acontecimentos precipitaram‑se de forma acelerada, reformulando toda a estrutura das relações de poder no sistema internacional, tendo a ordem unipolar substituído a bipolar” (Almeida e Rato, 2004, 39).
A estratégia dominante no período da Guerra‑Fria era a da dissuasão. Mais concretamente o conceito de dissuasão constituía o núcleo de uma grande estratégia2 (grand strategy) de “contenção” (containment)3. Esta grande estratégia de contenção tinha como objectivo deter o poder soviético até que os dirigentes moscovitas chegassem à conclusão de que as suas ambições universalistas e revolucionárias não eram realizáveis (Almeida e Rato, 2004, 47). A estratégia de dissuasão baseava‑se num equilíbrio induzido pelo perigo do holocausto nuclear (Destruição Mútua Assegurada)4. Esta relação de forças traduzia‑se num verdadeiro paradigma em que o equilíbrio do terror funcionava como a garantia da estabilidade e paz mundial.
Os conceitos vigentes durante cerca de quatro décadas e que corporizavam a estratégia dominante, sofreram alterações significativas face à nova realidade unipolar.
A questão no pós‑Guerra‑Fria era a de saber que tipo de internacionalismo iria a potência hegemónica seguir, visto que uma posição isolacionista poria em causa a ordem mundial (Almeida e Rato, 2004, 49). A este propósito Henry Kissinger refere que “sobretudo nos anos 90, a preeminência da América derivou menos de um plano estratégico do que de uma série de decisões “ad hoc” destinadas a satisfazer os eleitores” (2003, 14).
Os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 marcaram de forma drástica a situação internacional reforçando, segundo o CORT Rodrigues Viana, “a percepção de que o ambiente estratégico internacional continua incerto, imprevisível, complexo e perigoso” (2003, 97). Estes acontecimentos mostraram uma nova dimensão do terrorismo transnacional, como ameaça global, confirmando a vulnerabilidade dos Estados.
Carlos Gaspar adianta que “o terrorismo, qualificado como uma forma de totalitarismo, tornou‑se a pior ameaça à segurança internacional e, nessa medida, o anti‑terrorismo passou a ser o novo paradigma da política internacional dos Estados Unidos, com consequências directas na evolução das guerras locais, na configuração das alianças e nas estratégias de ordenamento internacional”. (2003, 104) No mesmo sentido, Colin Gray classificou o 11 de Setembro como o fim abrupto do período do pós‑Guerra Fria (2003, 4).
De acordo com Lawrence Freedman, “no decurso de 2002, o presidente George W. Bush pôs em execução o que aparentava ser uma mudança radical na política de segurança dos EUA, passando da dissuasão à preempção” (2004, 2). Foi nesse sentido que se deu a intervenção no Afeganistão apoiada pela comunidade internacional. Seguiu‑se a intervenção no Iraque, baseado nas suspeitas de existência de Armas de Destruição Maciça (ADM) e de ligações a organizações terroristas. Esta intervenção não recebeu o mesmo apoio incondicional da comunidade internacional, tendo causado sérias divisões no seio da NATO e da UE.
O Presidente dos EUA, George W. Bush, antes de 11 de Setembro de 2001, já tinha afirmado que os EUA “necessitam de novas concepções de dissuasão que assentem em forças ofensivas e defensivas. A dissuasão não pode continuar a basear‑se na ameaça de retaliação nuclear. As nossas forças defensivas podem fortalecer a capacidade de dissuasão, reduzindo o incentivo à proliferação”5.
Deste modo, a estratégia de dissuasão, na teorização do período da Guerra‑Fria, necessita de ser revista face às novas ameaças e perigos entretanto surgidos no âmbito da Segurança e Defesa.
Importa no entanto separar a ideia de dissuasão em sentido lato relativamente ao conceito de dissuasão, nesse sentido Raymond Aron considerara a dissuasão como um “modo de relacionamento entre duas pessoas ou duas colectividades, sendo tão velha quanto a humanidade” (1962, 400). Nesta perspectiva podemos entender que não é a “ideia” de dissuasão que está desactualizada, mas sim a forma como foi utilizada durante o período da Guerra‑Fria (Gray, 2003, 28).
O objectivo fundamental deste trabalho centra‑se na investigação de contributos válidos para uma nova conceptualização da dissuasão, permitindo uma análise compreensiva dos conceitos estratégicos que regularão o Sistema Internacional nas próximas décadas.
O actual ambiente estratégico caracteriza‑se pela sua complexidade, evolução permanente e pelo aparecimento de novas ameaças, das quais se realça o terrorismo transnacional. Estes factores provocaram uma mudança na atitude dos Estados relativamente às questões de Segurança e Defesa.
A questão central do nosso trabalho visará identificar as principais linhas de força de uma nova conceptualização da Dissuasão face ao actual ambiente de Segurança e Defesa.
Numa tentativa de sistematizar a nossa investigação decidimos levantar algumas questões derivadas com o propósito de orientar o estudo:
1. Quais são actualmente as novas ameaças no âmbito da Segurança e Defesa?
2. O conceito de retaliação continua a ser essencial para a estratégia de dissuasão nuclear?
3. Qual a importância actual da proliferação de ADM?
4. Quais as implicações de uma nova conceptualização da dissuasão no nível nuclear?
5. Quais as implicações de uma nova conceptualização da dissuasão no nível convencional?
6. É possível dissuadir um Estado pária de utilizar ADM?
7. É possível dissuadir um grupo não estatal de utilizar ADM?
Relativamente à estrutura escolhida para o trabalho apresentamos no primeiro capítulo os conceitos teóricos essenciais que permitirão uma abordagem alicerçada numa conceptualização contemporânea.
Dedicamos o segundo capítulo do nosso estudo à caracterização do actual ambiente estratégico, onde identificamos os novos desafios, devidos ao aparecimento de novos perigos e ameaças.
No terceiro capítulo, explicam‑se os fundamentos que conduziram à importância do conceito de dissuasão, por via dos quais assumiu um papel fundamental e regulador nas estratégias de segurança dos Estados. Em contrapartida identificamos quais os aspectos da estratégia de dissuasão que necessitam de renovação.
No quarto capítulo analisamos as mudanças ocorridas na estratégia de segurança da superpotência hegemónica, os EUA. Analisamos também a nova “tríade” nuclear estratégica e a situação actual da proliferação de ADM.
No quinto capítulo analisamos os conceitos essenciais para uma nova abordagem ao conceito de dissuasão e também o modo como se articulam para a formulação de uma grande estratégia. Qualquer modalidade de acção estratégica pretende fazer frente a uma determinada ameaça; tendo a ameaça mudado, existe a necessidade de estudar novas formas de a enfrentar. É com base nesta análise que, identificamos as linhas de força de uma abordagem actual ao conceito de dissuasão.
No sexto capítulo, partindo das linhas de força do conceito de dissuasão identificam‑se algumas das possíveis implicações dessa nova abordagem nos níveis nuclear e convencional.
No capítulo final apresentam‑se as conclusões do trabalho que sintetizam as ideias chave analisadas ao longo da monografia.
Enquadramento Conceptual
De forma a permitir que as ideias a apresentar ao longo do trabalho sigam uma linha coerente e fundamentada, procura‑se de seguida transmitir quais os conceitos considerados essenciais e que funcionarão como ponto de partida para a análise e dedução das linhas de força da nova conceptualização da estratégia de dissuasão.
“A Dissuasão, em sentido lato, visa impedir uma potência adversa de, numa situação dada, recorrer a determinados meios de coacção em virtude da existência de um conjunto de meios e de disposições capazes de constituírem uma ameaça suficientemente desencorajadora” (TenGeneral Cabral Couto, 1988b, 59). A dissuasão é, essencialmente, um resultado de natureza psicológica: traduz‑se por uma inibição ou paralisia perante uma ameaça que se receia e que é de concretização possível e plausível. Como refere o TenGeneral Cabral Couto “a dissuasão é, essencialmente, o produto de dois factores: a capacidade material e plausibilidade (ou credibilidade); mas depende também da fidelidade de comunicação e da incerteza relativamente a determinadas incógnitas” (1988b, 60).
Ainda segundo o TenGeneral Cabral Couto “considerando que, a dissuasão assenta no receio de se sofrerem danos inaceitáveis em consequência da acção que se pretenderia levar a efeito, pode‑se afirmar que, a chave da dissuasão reside na capacidade de represálias e que a chave da iniciativa nuclear reside na capacidade de reduzir a represália do adversário” (1988b, 62).
Variados académicos ocidentais, nomeadamente norte‑americanos e ingleses defendem uma teorização complementar, que iremos utilizar ao longo do estudo:
Os conceitos serão apresentados consoante uma escala “gradativa” da forma como aplicam elementos inerentes à coerção, subjacente a cada um deles, constituindo‑se como variantes de acção estratégica dos actores do Sistema Internacional:
Indução (na terminologia anglo‑saxónica: inducement6) (Gray, 2003, 15).
O outro lado da moeda da dissuasão, ambas são estratégias que visam influenciar, uma baseada em sanções, a outra baseada em recompensas, assim como a dissuasão deve funcionar para reduzir a utilização das acções preemptivas, a estratégia de indução deve funcionar para diminuir a necessidade da estratégia de dissuasão.
Persuasão/Influência (na terminologia anglo‑saxónica: dissuasion) (Yost, 2003, 2)
Visa persuadir/influenciar7 as outras potências a absterem‑se de iniciar uma “corrida aos armamentos” ou uma concorrência em matéria de capacidades militares convencendo o adversário da sua inutilidade8.
Dissuasão (na terminologia anglo‑saxónica: deterrence):
Segundo o dicionário do DoD dos EUA – “evitar uma acção pelo receio das consequências. É um estado mental provocado pela existência de uma ameaça credível de uma retaliação inaceitável”.9
Em sentido lato, significa persuadir um adversário a não iniciar uma acção específica em virtude dos benefícios percebidos não justificarem os custos e riscos estimados (Troxell, 2004, 179).
Apesar de existirem diversas abordagens na categorização das diferentes vertentes ao conceito de dissuasão, seguiremos a escolha de Colin Gray e consideraremos as seguintes (2003, 13):
– Dissuasão defensiva ou punitiva (retaliação):
Dissuasão defensiva ou por negação: baseia‑se na negação dos seus objectivos, convencendo o adversário de que este não os conseguirá atingir, devido à nossa intervenção.
Dissuasão punitiva: baseia‑se numa ameaça de punição, envolvendo a destruição de algo que o adversário valoriza (conceito de retaliação).
– Dissuasão geral ou imediata (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003, 475)10:
Dissuasão Geral: implica uma posição política de regulação da relação com um adversário e de equilíbrio de poder, durante um período de tempo que pode ser longo, através da manutenção de um nível de forças satisfatório. Na maior parte do tempo, os adversários não vêem a guerra como iminente ou próxima.
Dissuasão Imediata (ou pura): implica uma situação específica em que, um dos lados está a considerar seriamente a possibilidade de proceder a um ataque, enquanto o outro, está a preparar a ameaça de retaliação para impedir esse ataque, e em que ambos os lados percebem o que se está a passar.
– Dissuasão central ou alargada (Gray, 2003, 13)
Dissuasão Central, destina‑se a dissuadir ataques ao território nacional.
Dissuasão Alargada, destina‑se a alargar a cobertura dissuasora aos seus aliados e amigos.
– Diplomacia Coerciva (Morgan, 2003, 3)
O uso ou a ameaça do uso da força por um estado (ou actor) para conseguir atingir os seus propósitos.
– Compulsão (na terminologia anglo‑saxónica: compellence ou compellance) (Morgan, 2003, 2)
O uso de ameaças com a finalidade de manipular o comportamento do adversário para que este interrompa uma acção indesejada já em curso ou faça algo que não previa fazer.
– Preempção e Prevenção (Gray, 2003, 15)
O conceito de Preempção (ou ataque preemptivo) significa atacar primeiro (por antecipação) para fazer face a uma ameaça existente, cuja acção está iminente. A diferença entre os dois conceitos é simplesmente o tempo (ou o timing). Um ataque Preventivo entende‑se como, uma acção ofensiva contra uma ameaça identificada (potencial) antes de se tornar uma ameaça iminente.
I. Caracterização do actual ambiente internacional
“Future dangers will less likely be from battles between great powers, and more likely from enemies that work in small cells, that are fluid and strike without warning anywhere, anytime…”
Donald Rumsfeld, Secretário de Defesa dos EUA,
5 de Junho de 2004
I.1. A Ordem complexa
Com o fim da Guerra‑Fria, conforme refere José M. Ribeiro variadas tensões regionais, contidas pela estrutura de poderes bipolar, despoletaram em diversos conflitos conducentes a um ambiente de fragmentação geopolítica, definindo aquilo a que alguns autores denominaram como o “arco de crise”: Ásia Central, o Médio Oriente, o Golfo Pérsico e Ásia‑Pacífico, perdendo assim o continente europeu a sua importância geoestratégica, detida durante o período da Guerra‑Fria (2003, 114).
O Conceito Estratégico Militar de Portugal dá‑nos uma ideia clara do momento actual: “A situação de segurança do ambiente internacional fez emergir um novo conjunto de factores de instabilidade, potencialmente geradores de novas ameaças, que não podem ser previstas com rigor em termos geográficos e temporais. (…) a emergência dos chamados “Estados párias”, a proliferação de armas de destruição em massa, o terrorismo transnacional e, ainda, o crime organizado, onde se inclui o tráfico de pessoas e de droga. Estes fenómenos desenvolvem‑se agora num espaço mais amplo, fruto da crescente integração das sociedades e das economias, apoiando‑se em alguns dos elementos de suporte da nova realidade, geralmente designada de “globalização” (CEM, 2003, 2).
É neste quadro de instabilidade que se dão os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, que segundo o CorTir Rodrigues Viana “confirmaram severa e drasticamente as características do Sistema Internacional, a incerteza, a sua imprevisibilidade, perigosidade e crescente complexidade” (2003, 97). Este acto expôs assim “a crescente vulnerabilidade dos Estados a intrusões externas, como o terrorismo internacional e outras formas de criminalidade transnacional” (Viana, 2003, 97), assumindo um carácter de ameaça global, conduzindo a alterações significativas nas prioridades de segurança e defesa, e que levaram a superpotência, os EUA, a uma mudança na sua política interna de segurança11 e consequentemente na sua actuação externa.
Também em sentido idêntico, Luís Leitão Tomé, refere que: “a nova ordem é actualmente caracterizada por um modelo híbrido, complexo e original na estrutura de poder mundial que podemos designar por uni‑multipolar, e pela coexistência de dois vastos movimentos geopolíticos e geoestratégicos – a “grande guerra” contra o terrorismo, a proliferação de armas de destruição massiva e os Estados Párias; e o jogo de “contenções múltiplas” entre a pressão hegemónica dos EUA e os que se batem no sentido de conter ou mesmo contrariar essa hegemonia” (2003, 79). Repescando a ideia lançada por Samuel Huntington (1999, 36) – a uni‑multipolaridade – embora se entendam os seus fundamentos, face à actual situação, consideramos que é de facto – a unipolaridade – o conceito mais próximo da realidade. A supremacia do poder militar, suportada por outros poderes quer ao nível económico quer tecnológico, apontam para uma unipolaridade, basta considerarmos a capacidade de projecção estratégica de forças militares, não existindo outro Estado ou Organização que disponha actualmente dessa potencialidade diferenciadora e distintiva12.
I.2. As novas ameaças
Antes de procurarmos sistematizar qualquer ideia sobre este assunto convém familiarizarmo‑nos com o conceito de ameaça. Para o TenGeneral Cabral Couto “genericamente, uma ameaça é qualquer acontecimento ou acção (em curso ou previsível) que contraria a consecução de um objectivo e que, normalmente, é causador de danos, materiais ou morais. As ameaças podem ser de variada natureza (militar, económica, subversiva, ecológica, etc). Uma ameaça é o produto de uma possibilidade por uma intenção.” (1988a, 329)
O ambiente estratégico definido pelo fim do confronto bipolar sofreu uma forte evolução devido a dois acontecimentos importantes, o 11 de Setembro de 2001 e a crise em torno da intervenção militar no Iraque13, num contexto marcado pela emergência das ameaças assimétricas e pela procura de novas formas de acção estratégica para lhes fazer face.
De acordo com o CorTir Rodrigues Viana, no novo ambiente político‑estratégico “a probabilidade de ocorrência de um grande conflito entre as principais potências diminuiu consideravelmente” (2003, 98), em virtude das alterações na distribuição e natureza do poder mundial, reduzindo as ameaças tradicionais de cariz militar. Em contrapartida “num mundo marcado pela interdependência estrutural das relações internacionais e pelo fenómeno do transnacionalismo, assistiu‑se a uma alteração qualitativa da natureza das ameaças e riscos. À semelhança do que aconteceu com a economia, as ameaças «globalizaram‑se» “ (Viana, 2003, 99).
Complementando esta análise importa segundo Chaves Gonçalves “distinguir as ameaças entre as de carácter político‑estratégico e as sócio‑políticas; as primeiras englobam o reacender dos nacionalismos reprimidos, a disputa pelo controlo de áreas de recursos naturais importantes, seus fluxos e a proliferação de ADM; já no que diz respeito às segundas, surgem os movimentos migratórios, os fundamentalismos étnicos, religiosos, o terrorismo, as organizações transnacionais do crime organizado e de narcotráfico e as actividades financeiras associadas” (2002, 15).
Neste momento importa reflectir nas palavras escritas pelo CorTir Rodrigues Viana quando refere que “de um quadro estratégico centrado em ameaças, que se materializavam num inimigo, passou‑se para um contexto mais complexo e indefinido em que, as ameaças e riscos assumem uma natureza mais difusa, imprevisível, polimorfa, desterritorializada e não menos perigosa (2003, 99). Interessa aqui realçar a questão da desterritorialização, dado o dilema que levanta quando se procuram respostas no âmbito da prevenção e na sua destruição por antecipação ou por retaliação.
As ameaças e os adversários do período da Guerra‑Fria poderiam ser caracterizados na descrição de Brian Jenkins como “estáticos, previsíveis, homogéneos, rígidos, hierarquizados e resistentes à mudança. Os adversários que actualmente se enfrentam são dinâmicos, imprevisíveis, diversos, fluidos, em rede (networked) e em constante evolução” (2004, 18).
Estes adversários apesar de não ameaçarem a destruição total do planeta, receio este que existiu durante o período da Guerra‑Fria, já demonstraram capacidades para causarem níveis de destruição elevados. A tendência reconhecida para tomarem a iniciativa, se possuirem, mesmo que rudimentares ADM, poderão considerar‑se muito mais perigosos que os adversários de antigamente.
A administração norte‑americana identifica três agentes da ameaça: as organizações terroristas de âmbito global (transnacional), estados fracos (falhados) que dão abrigo e apoiam essas organizações terroristas e os estados párias. A Al Qaeda e o regime Taliban do Afeganistão corporizam os dois primeiros agentes, respectivamente. Definem Estados párias como estados que brutalizam o seu próprio povo, desrespeitam as leis internacionais e ameaçam os estados seus vizinhos, procuram adquirir ADM, patrocinam o terrorismo mundial, desrespeitam os valores humanos e odeiam os EUA e os valores que representam (Record, 2004, 9).
São estes “ingredientes” que tornam as ameaças transnacionais, com especial ênfase para o terrorismo e o crime organizado e que no entender do CorTir Rodrigues Viana dada “a sua imprevisibilidade e assimetria, pelos elevados níveis de destruição que podem provocar, e pelas dificuldades de prevenção, dissuasão e combate que colocam, têm actualmente um carácter diferenciado no plano da segurança” (2003, 100).
Podemos então concluir que as principais ameaças no âmbito da Segurança e Defesa, resultam do cruzamento entre estados iníquos ou párias com acesso a armas de destruição maciça (seja pela possibilidade de utilização em defesa dos seus interesses, seja pela possibilidade de estes ao possuírem estas capacidades, permitam o acesso a estas pelas organizações transnacionais terroristas) e os grupos não estatais com acesso potencial a armas de destruição maciça.
Os dilemas da teoria estratégica no pós Guerra‑Fria
I.3. A supremacia da dissuasão nuclear na estratégia de dissuasão
O período da Guerra‑Fria, que de forma lata podemos situar entre o pós‑II Guerra Mundial (1945) e a queda do Muro de Berlim (1989), foi dominado pelo factor nuclear, é nesse sentido que Henry Kissinger afirma: “A era nuclear transformou a estratégia em dissuasão, e a dissuasão num exercício intelectual esotérico. Dado a dissuasão só poder ser testada pela negativa, por acontecimentos que não ocorrem, e porque é impossível demonstrar a razão por que algo não aconteceu, tornou‑se particularmente difícil avaliar se a opção pela dissuasão foi a melhor possível. Talvez a dissuasão tivesse sido, até, desnecessária, porque nunca conseguiremos provar que o adversário alguma vez tenha tido a intenção de atacar” (1996, 528).
Esta ideia é partilhada por teorizadores e académicos que consideram o termo dissuasão como resultado da era nuclear.
No entanto, a ideia de dissuasão é um fenómeno que não é nuclear, mas sim um resultado psicológico. Raymond Aron refere que “a dissuasão, modo de relacionamento entre duas pessoas ou duas colectividades, é tão velha quanto a humanidade. A eventualidade de receber um castigo dissuade uma criança de mexer nos livros na biblioteca paterna, assim como a eventualidade de uma contravenção dissuade um automobilista de infringir o código da estrada” (1962, 400).
A mudança operada com o aparecimento da arma absoluta14 levou Hervé Coutau‑Bégarie a considerar que o advento do factor nuclear de certa forma limitou a visão clausewitziana de que a guerra surge como continuação da política. Por esse motivo cita Lucien Poirier ”La guerre nucléaire n’est plus guerre puisqu’elle vide le duel de son principe agonistique et lui substitue le meurtre d’une victime sans défense” (2003, 450).
Importa aqui realçar o que afirmou Bernard Brodie, reconhecido como o primeiro a teorizar sobre este assunto, poucos meses após os rebentamentos de Hiroxima e Nagasaki, “até agora, o principal propósito da nossa instituição militar era o de vencer guerras. De agora em diante, o seu principal objectivo terá que ser o de as evitar”15. Apesar do exagero subjacente, esta frase de certa forma traduz o cenário de fundo em que se desenrolaram as relações entre EUA e URSS no período da Guerra‑Fria.
I.4. A dissuasão como conceito estratégico
Após a II Guerra Mundial o conceito de dissuasão desenvolveu‑se, evoluindo até se tornar um conceito estratégico, constituindo o elemento chave da política de segurança de vários Estados.
Segundo Patrick Morgan, este conceito era utilizado “em três níveis distintos: ao nível táctico; como estratégia de segurança nacional; e como componente crítica da segurança do sistema internacional. Os dois últimos aspectos, serviram de base a múltiplas análises teóricas, mas foi o primeiro – conceito de dissuasão como estratégia nacional – particularmente na relação de dissuasão mútua, que originou a base para a sua teorização, constituindo o seu foco central” (2003, 4).
O objectivo principal consistia em auxiliar os governos a sobreviver na idade nuclear, permitindo assim gerir o conflito sem provocar uma catástrofe.
Segundo Patrick Morgan “os elementos chave da teoria da dissuasão, assentavam na assumpção de existência de um conflito grave, na assumpção da racionalidade dos decisores, no conceito de ameaça retaliatória, no conceito de danos inaceitáveis, na noção de credibilidade e na existência de uma situação de dissuasão estável” (2003, 4).
Como a doutrina de “contenção” se baseava na estratégia de dissuasão nuclear, convém relembrar que esta assentava na capacidade de retaliar após o primeiro ataque adversário, provocando danos inaceitáveis. O TGEN Cabral Couto refere “a existência de dois factores que caracterizam a relação entre duas potências nucleares: a vulnerabilidade ou a invulnerabilidade dos sistemas de armas nucleares e as características físicas e demográficas do território (capacidade de «encaixe» nuclear)” (1988b, 62). A Iniciativa de Defesa Estratégica (SDI)16 de Ronald Reagan procurava alterar essa situação, isto é, na essência visava criar um sistema de defesa anti‑míssil que, impedisse que o primeiro ataque tivesse sucesso. Consequentemente, se este fosse detido, a capacidade de retaliação deixaria de ser necessária ou pelo menos tão fulcral.
A sua execução nessa altura encontrava enormes dificuldades, porque conforme Dougherty e Pfaltzgraff: “para que a defesa balística fosse eficaz contra as milhares de ogivas nucleares soviéticas, era exigível uma sofisticação tecnológica que os críticos consideravam impossível de atingir” (2003, 493). No entanto a SDI teve um impacto significativo sobre a forma de os soviéticos encararem o controlo do armamento durante a era de Gorbatchov.
O TenGeneral Cabral Couto afirmou que “a dissuasão é, essencialmente, um resultado de natureza psicológica” (1988b, 60). Observando os factores base da dissuasão, as capacidades materiais – que podemos designar por pilar militar‑tecnológico e a credibilidade, percepção e incerteza – que podemos designar como pilar político‑psicológico. Se o pilar militar‑tecnológico é importante, no caso da SDI e dos acontecimentos dela resultantes, podemos afirmar que o pilar político‑psicológico assumiu um valor fundamental, recordando que a SDI não passou de uma «ilusão» que teve efeitos extraordinários. Se extrapolarmos esta situação para o caso de um Estado pária, que faça passar a ideia de que possui ADM, poderemos antever quais os resultados da capacidade dissuasora daí resultante? Ou de um Estado (nuclear) que anuncie o desenvolvimento com êxito de um escudo de defesa anti‑míssil?
Na sequência da reflexão antecedente devemos realçar outro dilema que surge na prática da dissuasão, a dúvida sobre se devemos manter o secretismo ou se devemos divulgar determinada capacidade militar‑tecnológica. Isto é a dissuasão só funciona se o adversário «souber» da evolução das minhas capacidades; por outro lado o adversário também não pode saber demais, para que não possa desenvolver idêntica capacidade ou adoptar medidas cujo desenvolvimento não se desejava.
I.5. A importância actual do factor nuclear
Segundo Dougherty e Pfaltzgraff “no final dos anos 90, pelo menos meia dúzia de estados para além da Índia e do Paquistão mostravam‑se interessados no desenvolvimento de armas nucleares, duas dúzias de países dispunham de programas de armas químicas e outros dez tinham programas de armamento biológico em curso.” (2003, 500). Este facto configura o interesse continuado dos países em aceder às ADM como forma de aumentar o seu poder. Podemos assim inferir que o final da Guerra‑Fria não provocou o desinteresse neste tipo de armamento. Por outro lado esta proliferação obriga a que as superpotências nucleares (EUA e Rússia) não abdiquem desse estatuto. Este ponto pode ser facilmente depreendido se atentarmos nas obrigações assentes nas fortes alianças que mantém, nomeadamente os EUA em relação ao Japão e Coreia do Sul, face à possibilidade de conflitos regionais, com as potências nucleares vizinhas China e Coreia do Norte, a que se juntam a Índia e o Paquistão.
Desde o final da Guerra Fria, de acordo com Dougherty e Pfaltzgraff uma das críticas mais frequentes feitas aos EUA, era a “de que não dispunham de uma teoria estratégica coerente no que respeita aos objectivos de segurança do futuro e andavam à deriva, aliviados pelo desvanecimento da ameaça de um Armagedão nuclear e respondendo de forma contingente, desprovidos de um quadro de referência claro para a sua política pública”. Mas acrescentam que existia a noção de que, “as armas nucleares iriam, indefinidamente, continuar a formar o núcleo central da estratégia de dissuasão ao jeito de uma «barreira vital contra um futuro incerto», num ambiente internacional complexo, perigoso e em mutação” (2003, 501).
Em face deste cenário, o conceito de dissuasão nuclear vigente no período da Guerra‑ Fria, não perdeu a sua validade no caso de uma confrontação entre duas potências nucleares de capacidades semelhantes, em virtude de tanto os EUA como a Rússia manterem uma capacidade nuclear assinalável17. Admitimos que mesmo com o esbatimento do factor ideológico, os parâmetros da confrontação tenderiam a manter padrões semelhantes aos da Guerra‑Fria. Esta ideia é reforçada por Zagare e Kilgour: “relações de paridade quando ligadas com os elevados custos de guerra, conduzem a situações de paz” (2000, 12)18, sendo a caracterização usada para definir os elevados custos de guerra uma situação de destruição mútua assegurada.
No caso de confrontação entre pequenas potências nucleares, vejamos o caso prático da Índia e Paquistão. Após três situações de confrontação directa ao nível convencional, o desenvolvimento da capacidade nuclear por ambas as partes, conduziu a que não voltasse a existir mais nenhuma situação de confrontação militar aberta, apesar da “dureza” dos discursos e ameaças trocadas. Mas na verdade neste confronto, faltou uma das condições que no período da Guerra‑Fria conferia estabilidade à dissuasão, a capacidade de produzir danos inaceitáveis ao adversário, conseguida pela retaliação após o primeiro ataque. Assumimos que ao não existir a garantia da invulnerabilidade recíproca dos sistemas de armas, isto é o primeiro ataque não teria capacidade contra‑forças, mas simplesmente contra‑cidades limitou as opções dos contendores, permitindo que o conflito não evoluísse.
Consideremos os pressupostos que caracterizavam a Guerra‑Fria conforme foram enunciados por Dougherty e Pfaltzgraff: dirigentes racionais, o cálculo dos riscos versus benefícios, entendimento e comunicação mútuas sobre as expectativas de comportamento, e a acção retaliatória que serve de ameaça ser suficientemente plausível para influenciar, da forma desejada, o comportamento do adversário. Apesar das grandes diferenças existentes entre a situação da Índia‑Paquistão e dos EUA‑URSS: proximidade dos interlocutores, o facto de já terem estado em guerra, e as diferenças serem de carácter religioso e não de índole ideológica (2003, 490), a verdade é que a dissuasão até ao presente momento funcionou.
Após o final da Guerra‑Fria, concomitantemente com a transferência do arsenal nuclear das antigas repúblicas soviéticas para a Rússia19 (processo em que os EUA assumiram um papel de realce, nomeadamente no caso da Ucrânia), EUA e Rússia coordenavam esforços para a redução e reforço da segurança das armas químicas e nucleares. Em sentido inverso vários Estados fora da Europa envidavam esforços para desenvolver ou adquirir armas de destruição maciça, nucleares químicas e biológicas, bem como, os vectores necessários o seu lançamento. A proliferação de ADM continua a ser uma tentação dos estados, situação que analisaremos mais à frente, assim como as suas possíveis implicações.
Se de uma forma genérica entendermos o mundo actual como unipolar, ao nível do factor nuclear admitimos que continuamos a ter duas superpotências, EUA e Rússia. A questão que se colocará no futuro, admitindo que outras potências venham a adquirir esse estatuto20, configurará um ambiente nuclear multipolar com contornos de aplicação da estratégia de dissuasão sensivelmente diferentes da situação bipolar, consequentemente de maior instabilidade.
I.6. Dissuasão não é apenas Dissuasão Nuclear
Como vimos anteriormente o conceito de Dissuasão é muitas vezes reduzido ao campo da Dissuasão Nuclear. Apesar de se perceber os motivos que levaram a este raciocínio, entende‑se que esta “redução” é falaciosa pois não abrange todos os aspectos da análise estratégica. Segundo o General Loureiro dos Santos “as situações de dissuasão são situações globais, para as quais concorrem todos os componentes do Potencial Estratégico” (1983, 355).
Para entendermos esta ideia de uma forma mais simples devemos analisar as relações entre os EUA e a ex‑URSS, durante o período da Guerra‑Fria, socorrendo‑nos para esse efeito da estratégia personificada pela NATO e pelo Pacto de Varsóvia. Da análise da evolução do conceito estratégico da NATO, depreendemos os fundamentos da evolução da própria essência da estratégia de dissuasão. Inicialmente como refere o TenGeneral Pinto Ramalho “é inequívoco que a OTAN vai basear a sua defesa na superioridade nuclear americana e assumir uma estratégia de retaliação maciça” (1999, 26). Este facto foi consequência de uma nítida superioridade em forças convencionais por parte da URSS na Europa. Relembremos que após a II Guerra Mundial, a URSS, contrariando a atitude da maioria dos restantes participantes no conflito, não desmobilizou as suas forças, mantendo um contingente elevado no serviço activo, facto que desde logo despertou a desconfiança sobre quais as reais intenções de Moscovo. Como refere Honoré Catudal “a política de dissuasão nuclear tem sido parte integral da estratégia militar global da NATO, virtualmente desde a formação da Aliança” (1985, 244).
Posteriormente a Aliança adoptou o conceito de Resposta Flexível, como escreve o TenGeneral Pinto Ramalho sobre a “necessidade de existência da tríade de forças” e citando o General Rogers “a estratégia de resposta flexível da OTAN baseia‑se na existência de forças convencionais e nucleares de “teatro” e estratégicas, disponíveis e credíveis, e na incerteza, provocada ao potencial agressor, quanto à dimensão da resposta a essa agressão, por parte da Aliança” (1999, 30). Assim a “tríade” de forças consideradas essenciais para a NATO prosseguir uma política de dissuasão credível são: as forças convencionais, as forças nucleares de “teatro” e as forças nucleares estratégicas. O TGEN Pinto Ramalho refere relativamente aos meios nucleares na actualidade21 “é realçado o seu carácter indispensável e a sua finalidade política, sendo mais evidente o seu papel estratégico, como garante último da dissuasão” (1999, 32).
Não podemos esquecer que a dissuasão é um conceito que visa a manutenção de uma determinada situação, conforme refere o TenGeneral Cabral Couto a modalidade geral de acção definida como ameaça directa é de um modo genérico a que caracteriza todas as estratégias de dissuasão (1988a, 296). Este aspecto assume importância quando analisamos o conceito de dissuasão, não podemos esquecer de que se trata de um modo de actuação estratégico, mas que não devemos esquecer os restantes. Assim de acordo com Dougherty e Pfaltzgraff dissuasão e defesa são conceptualmente distintas, contudo encontram‑se intimamente relacionadas: “uma potência nuclear confia na dissuasão para prevenir um ataque nuclear sobre os seus próprios interesses vitais e os dos seus aliados, mas também necessita de capacidades de defesa convencional para se proteger contra ameaças militares não nucleares aos seus interesses vitais em áreas do mundo onde a dissuasão nuclear é praticamente inconcebível” (2003, 450).
Assim podemos concluir que só detendo as capacidades englobadas na “tríade” de forças será possível a um estado ou organização internacional cobrir todo o espectro de escalada de dissuasão, sob a perspectiva de adequar a cada passo/patamar o conceito de resposta flexível. Face aos problemas morais colocados pela decisão de emprego dos meios nucleares, a sua credibilidade é afectada, assumindo maior relevo a ameaça de emprego das forças convencionais, em virtude de que os entraves à sua utilização serem de menor ordem, tornando‑os mais credíveis.
A possibilidade de emprego das armas nucleares fornece o elemento de incerteza ao nível da resposta a dar, no entanto a sua utilização assume um carácter remoto e distante.
Pelo que foi dito as forças convencionais assumem actualmente uma maior ênfase e importância numa componente efectiva de dissuasão.
I.7. A necessidade de renovação do Conceito de Dissuasão
Como vimos no primeiro capítulo, a alteração do ambiente estratégico modificou radicalmente o espectro das ameaças que são colocadas aos estados democráticos.
Esta mudança na ameaça conduz‑nos ao tema do presente trabalho, a alteração ao conceito de dissuasão. Como dissuadir Estados possuidores de ADM e respectivos vectores e que adoptem uma “santuarização agressiva”, que no entender de CorTir Rodrigues Viana se define quando “um Estado iniciar um comportamento de conflito para alcançar a hegemonia regional e tentar dissuadir, através da ameaça de emprego de armas nucleares, as grandes potências ou a ONU de intervir” (1995, 112) e por outro lado “como dissuadir um adversário “sem rosto”, sem base territorial fixa, cuja vontade é destruir e não partilhar o poder” (Viana, 2003, 101).
Após o fim da bipolaridade, com o declínio acentuado por parte da Rússia, a possibilidade de confronto e de escalada nuclear entre os EUA e a Rússia surge como pouco provável. A estratégia de dissuasão materializada para esse período, tinha como foco uma estreita faixa da conflitualidade, sendo que a confrontação entre os blocos se dava de uma forma indirecta e em zonas periféricas, fora das zonas de influência de cada um dos blocos. No entanto a dissuasão tendo como objectivo primário o de evitar a guerra, isto é a manutenção do status quo22, apresenta características que devem ser (re) aproveitadas, seja no âmbito individual, seja no âmbito das organizações internacionais, ONU e NATO; reforçado pelo facto de comparativamente às acções preemptivas e preventivas, estas implicarem um desgaste e custos muito elevados inerentes a uma postura mais ofensiva.
Quais são então os principais pontos que provocam o descrédito do conceito de dissuasão? Pela sua pertinência, apresentamos algumas das ideias principais de Colin Gray que procuram responder à questão levantada:
– “A perda de confiança numa estratégia em que a opção de ser dissuadido fica estritamente nas mãos da entidade que se pretende dissuadir. A questão prende‑se com o facto de que a dissuasão não é um fim em si mesma, mas sim um meio para alcançar um fim, daí a confusão sobre a sua viabilidade objectiva;
– A teoria da dissuasão e a sua prática eram assumidas como universais, no entanto estas eram genuinamente americanas, o que poderia originar mal entendidos e conduzir a erros de cálculo, dificultando a comunicação entre dissuadido e dissuasor23;
– O erro de confundir racionalidade com razoabilidade. Líderes irracionais (incapazes de relacionar meios com fins) aparecem muito raramente, não resistindo muito tempo nessa situação, assim podem ser descartados. A ideia principal é a de que adversários racionais podem ser dissuadidos;
– A ideia de que existem actualmente adversários que não podem ser dissuadidos, devido às suas motivações intocáveis e à sua desterritorialização;
– A sua teorização não comporta o racional clausewitziano de “fricção”24. A “fricção” pode ocorrer em qualquer nível do conflito, político, estratégico, militar. Este conceito é muito difícil de entender, o próprio Clausewitz reconheceu que a fricção «é uma força que a teoria nunca conseguirá definir correctamente».” (2003, vi‑vii)
A racionalidade é um requisito da dissuasão. Por ser um elemento fundamental para a compreensão plena do conceito de dissuasão, convém clarificar o que significa ser racional. Colin Gray alerta para “o erro crasso de confundir racionalidade com razoabilidade. O primeiro problema surge no pressuposto errado de que o adversário racional partilha da mesma lógica estratégica que nós. Um ser funcionalmente “irracional” é incapaz de propositadamente ligar os meios com os fins” (2003, 21). Muitas vezes caracterizam‑se determinadas atitudes e acções como irracionais, quando estas são na verdade irrazoáveis. A questão prende‑se com o facto de que, ser racional não significa ser razoável. O problema prende‑se quando o sistema de valores é diferente do nosso. Por esse motivo não entendemos (razoabilidade) quando o adversário, seguindo um comportamento inteiramente racional, liga instrumentos políticos (bombistas suicidas) com objectivos políticos, constituindo uma afronta aos nossos princípios morais, éticos e legais, principalmente porque encerra um raciocínio estranho ao nosso quadro mental de valores.
Deste modo podemos assumir que, no novo ambiente estratégico apesar de defrontarmos adversários racionais, utilizando meios que poderão ser categorizados de razoabilidade ou de irrazoabilidade (caso do terrorismo «catastrófico» transnacional).
A possibilidade de aquisição de ADM por actores estatais e não estatais levanta um desafio enorme e de elevada complexidade à dissuasão. Como referem Dougherty e Pfaltzgraff, a relação de dissuasão bipolar entre as duas superpotências durante a Guerra‑Fria tem sido substituída por um grupo de estados, e eventualmente actores não estatais, que possuem armas nucleares e outras ADM, ou que tem capacidade de desenvolver programas para as adquirir (2003, 492). Dada a necessidade de dissuadir mais do que um potencial adversário, Dougherty e Pfaltzgraff sublinham que forçosamente as estratégias de dissuasão terão que ser concebidas para fins específicos obrigando à ponderação e análise profunda das estruturas ou sistemas de valores dos diversos adversários (2003, 493). Esta também é a ideia expressa por Colin Gray quando defende que “a dissuasão imediata é sempre específica, exortando a que a teorização da dissuasão seja feita de forma mais empírica, pois trata‑se de dissuadir um determinado líder, num momento específico, a não adoptar uma acção singular. Os “detalhes” nesta situação serão importantes e não marginais” (2003, 30).
Assim, no novo ambiente estratégico, a dissuasão imediata adoptará uma fórmula personificada, a cada situação, para cada líder, em cada momento, deverá ser aplicado uma dissuasão analítica e empírica própria.
II. A renovação dos conceitos de Segurança
“The gravest danger our Nation faces lies at the crossroads of radicalism and technology. Our enemies have openly declared that they are seeking weapons of mass destruction, and evidence indicates that they are doing so with determination”.
George W. Bush, Presidente dos EUA25
Temos um novo ambiente estratégico caracterizado por novas ameaças à Segurança e Defesa. Confirmámos a necessidade de renovação do conceito de dissuasão consoante esta existia no período da Guerra‑Fria. Analisaremos de seguida quais as principais mudanças ocorridas nas estratégias de segurança dos Estados.
Na década de 90, o conceito de dissuasão perdeu parte da sua validade em virtude do novo alinhamento de poderes no sistema internacional. Os acontecimentos de 11 de Setembro precipitaram o (re)aparecimento do conceito de preempção e prevenção. Foi esta a forma utilizada pela administração norte‑americana para combater o terrorismo transnacional.
A base de análise de que nos vamos socorrer é a da evolução recente da estratégia de segurança dos EUA. A escolha deriva do seu estatuto de única superpotência, liderando o processo de renovação estratégica e na influência que a sua política externa exerce sobre os restantes países ocidentais e mundiais, especialmente expressa numa postura unilateralista, afastando‑se de uma atitude multilateralista da década de noventa.
Esta opção surge da actual letargia das principais Organizações Internacionais, ONU e NATO. Segundo o General Loureiro dos Santos “estas organizações apenas reflectem as relações de forças que elas próprias, no seu seio, definem, dando origem a um conjunto de parceiros, unidos por interesses comuns, entre as quais vigora uma hierarquia de autoridade que depende do poder de cada uma. A NATO reflecte essencialmente as estratégias que os EUA pretendem prosseguir, dada a existência de um abissal desequilíbrio entre a capacidade da superpotência e os restantes membros. (…) a Organização das Nações Unidas (ONU) que, no que respeita a assuntos de segurança cruciais, reflecte o interesse resultante das relações de força entre os seus membros, em especial dos membros permanentes do Conselho de Segurança, de que frequentemente resulta a sua paralisia” (2001, 43).
II.1. A nova “tríade” nuclear estratégica
A frase do presidente dos EUA com que iniciámos o presente capítulo, caracteriza o perigo real decorrente do terrorismo transnacional e armas de destruição maciça se cruzarem. Depois dos violentos atentados de 11 de Setembro poucos duvidarão que se a rede terrorista Al Qaeda conseguir apoderar‑se de ADM as empregará efectivamente.
Os EUA tornaram públicos vários documentos oficiais que traduzem a actual postura estratégica norte‑americana26.
O documento relativo ao combate às ADM realça a necessidade de modificação do conceito de dissuasão, partindo da constatação que as ameaças actuais são muito mais diversas e imprevisíveis. Considera também que os estados hostis têm demonstrado a vontade de aceitar riscos elevados na prossecução dos seus objectivos, exercendo o seu esforço na aquisição e desenvolvimento de ADM e respectivos vectores de lançamento, como um dos seus principais meios para atingir os seus fins. Assim os EUA declaram o direito de responderem de forma esmagadora, recorrendo a todas as opções disponíveis (incluindo o recurso às forças estratégicas nucleares), em resposta a um ataque com ADM contra os EUA, contra as suas forças no exterior ou contra os países amigos e aliados – dissuasão pela punição, por outro lado a componente defensiva tentará evitar os efeitos desse ataque – dissuasão pela negação.
Independentemente da evolução do processo de desarmamento nuclear entre os EUA e Rússia, estes manterão sempre uma capacidade nuclear elevada27, especialmente pela tendência de um maior número de potências disporem de armamento nuclear e de arsenais crescentes (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003, 502).
Existem também alguns factores imutáveis para uma dissuasão eficaz: as capacidades reais e a percepção de uma vontade nacional credível para responder a uma agressão.
Considerando que a dissuasão assentava no receio de se sofrerem danos inaceitáveis em consequência da acção que se pretenderia levar a efeito, nesta perspectiva André Beauffre afirmou que “o valor da dissuasão depende, não do poder da força de ataque, mas sim do seu próprio poder remanescente depois da primeira salva sofrida, logo, da sua capacidade de sobrevivência” (2004, 93).
A estratégia de dissuasão nuclear dos EUA assentava na capacidade de retaliação produzindo danos inaceitáveis, na denominada “tríade” nuclear estratégica constituída por: bombardeiros estratégicos de longo alcance, mísseis balísticos inter‑continentais (ICBM) e mísseis balísticos montados em submarinos (SLBM), conjugada com um sistema de aviso prévio e de sistemas de comando, controlo e comunicações que evitassem a execução de um ataque de surpresa. Adicionalmente esta tríade era complementada com a existência de um arsenal de armas nucleares tácticas e de teatro que garantiam uma capacidade efectiva de resposta a um ataque através de uma crescente escalada de meios.
Em Maio de 2001, o presidente George W. Bush sublinhou que “a nova conceptualização da dissuasão basear‑se‑á em forças ofensivas e defensivas”. Nesse sentido a “Nuclear Posture Review” (NPR) de 2002 confirmaria uma nova tríade estratégica, consistindo em:
– Forças ofensivas de ataque (constituídas pela “antiga” tríade e por forças de ataque não nucleares28);
– Forças defensivas;
– Infra‑estruturas de defesa.
Estes três elementos constituintes funcionam conjuntamente, apoiados por sistemas sofisticados de comando e controlo e informações (intelligence). As forças de ataque não nucleares encerram as potencialidades conferidas pelo avanço tecnológico nas capacidades de intelligence, observação e reconhecimento, assim como na precisão de aquisição de alvos29. Estas capacidades garantem uma mais valia à utilização de armamento convencional, tornando‑o uma alternativa credível ao emprego das armas nucleares, na medida em que não produzem o mesmo nível de impacto moral subjacente à utilização da “arma absoluta”, sem elevar o patamar de confrontação.
Fonte: Strategic Offensive Forces and the Nuclear Posture Review’s
“New Triad”. March 2003. National institute for Public Policy. USA.
Esta nova formulação de tríade estratégica apesar de “suavizar” a utilização das armas nucleares continua a conferir‑lhes uma posição central na doutrina estratégica contida na NPR. Analisando as principais alterações traduzidas nesta revisão da postura nuclear, podemos referir que às forças ofensivas (de retaliação) se adicionou as capacidades convencionais, nomeadamente pelas potencialidades das munições de precisão (em contraponto com os efeitos produzidos pelas armas nucleares). As capacidades defensivas apresentam duas vertentes, uma passiva, visando a protecção, outra activa, de negação.
Ao nível da NATO apesar de se procederem a estudos relativamente a viabilidade de construção de um sistema de defesa balístico, as suas forças nucleares “têm uma função fundamentalmente política: preservar a paz e prevenir a coerção. Estas forças fazem com que uma agressão contra a NATO implique riscos incalculáveis e inaceitáveis, o que não seria possível de garantir recorrendo apenas a forças convencionais. Juntas com as capacidades convencionais criam a incerteza para qualquer país que possa considerar tirar qualquer vantagem política ou militar através da ameaça ou da utilização de ADM contra a Aliança”. (NATO Handbook, 2001, 61)
No futuro, embora consideremos que continue a ser essencial, a componente de retaliação será complementada com uma componente de negação. Num patamar diferente de actuação, podemos antever uma acção de carácter multidimensional que podemos designar por desencorajamento.
A negação, como vimos anteriormente visa impedir que o adversário atinja os seus objectivos, evoluirá para um sistema de defesa balística instalado no território e incluindo a capacidade de parte desse sistema acompanhar as forças militares no exterior. A favor deste argumento, Loureiro dos Santos refere que “foram ultrapassadas as duas dificuldades iniciais, a primeira de ordem tecnológica, cuja evolução permite aos EUA avançarem com o projecto, a segunda dificuldade prendia‑se com as limitações impostas pelo tratado ABM30”, a que os EUA já renunciaram, embora com os protestos meramente formais da Rússia, em virtude da aproximação proporcionada pela luta contra o terrorismo desde os acontecimentos de 11 de Setembro. (2003, 38) Como factor importante é de registar a adesão ao programa de defesa balística dos EUA de várias potências asiáticas, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Austrália (Santos, 2004, 42).
Já na vertente do desencorajamento, esta segundo Dougherty e Pfaltzgraff, consubstancia‑se numa acção multi‑disciplinar envolvendo a componente militar, política, económica e tecnológica de forma a persuadir os potenciais adversários da inutilidade de um ataque ou ameaça de ataque, completado pelas mais valias de uma política de cooperação internacional (2003, 502). Neste particular como refere o General Loureiro dos Santos, os EUA anunciaram um plano para o Grande Médio Oriente (Great Middle East Plan), destinado ao mundo islâmico e envolvendo os seus governos, desde Marrocos até ao Afeganistão, com a finalidade de combater o terrorismo, retirar‑lhe base de sustentação e promover regimes democráticos (2004, 36). Este plano procura complementar a acção política‑estratégica com as outras linhas de actuação estratégica, política, ideológica, económica e social, consubstanciando uma estratégia verdadeiramente global de luta ao terrorismo.
Podemos agora inferir que o conceito de retaliação continua a ser essencial, prevendo‑se que no futuro, com o desenvolvimento de sistemas de defesa balístico (dissuasão pela negação) a retaliação venha a reduzir a sua importância. Esta avaliação é feita considerando que analisamos o confronto entre duas potências nucleares de capacidades simétricas. Já na situação de dissuasão no confronto entre uma pequena potência nuclear e uma superpotência, a análise do factor retaliação não adquire valor devido ao facto que a correlação de forças apresenta um desequilíbrio acentuado para a superpotência, isto é o ataque da pequena potência nunca porá em causa a capacidade de retaliação do seu opositor, enquanto que o ataque da superpotência produzirá sempre danos inaceitáveis. Por último face a uma situação de dissuasão de uma organização não estatal possuidora de ADM e uma potência nuclear a questão perde sentido pois a retaliação (produção de danos inaceitáveis) não tem objectivação face à desterritorialização do opositor. Esta situação é bem expressa na DMDM/02 onde se salienta que “a perspectiva de dissuasão alterou‑se qualitativamente, deixando de ter significado a capacidade de provocar baixas inaceitáveis a um agressor que se autodestrói, que não tem base territorial – e, se a tem, não se fixa – e que, simultaneamente, mais do reivindicar objectivos, critica valores, comportamentos ou modelos de actuação estratégica”. (DMDM/02, 3)
II.2. A proliferação de ADM
“The Iraq War [is] the first case in which forcible regime change was the means employed to achieve non‑proliferation ends.”
Robert S. Litwak, Georgetown University (2003, 7)
Como referiu Adriano Moreira, “países sem capacidade de sustentar ao mesmo tempo uma política armamentista e uma política de desenvolvimento, como por exemplo a União Indiana, o Paquistão, a Coreia do Norte, envidaram esforços para conseguir possuir armas de destruição maciças das gerações mais primitivas (…) A disseminação das competências e saberes, contrariamente às políticas anunciadas e aos tratados celebrados, processa‑se por um mercado incontrolado em que a oferta tem titulares conhecidos e identificados”. (1999. p. iii.)
Como elementos de combate à proliferação temos o Tratado de Não‑Proliferação, com cerca de cento e quarenta países aderentes. Também a Agência Internacional para a Energia Atómica (AEIA) se destina a bloquear a disseminação, incluindo o controlo da circulação da tecnologia. A este propósito o General Loureiro dos Santos diz que os acordos internacionais sobre não‑proliferação não se têm mostrado eficazes. Assim, “países como o Irão, a Síria e a Líbia têm possibilidade de dispor de capacidades ADM a relativamente curto prazo. Sendo os países “proliferadores”: a Rússia e a China”. (2001, 52) Sobre este assunto salienta ainda a ideia de que além da proliferação da tecnologia nuclear, verifica‑se também a transferência de “tecnologia de mísseis, que permitirão lançar projécteis com armas de destruição maciça a longas distâncias”. Ora esta situação pode “pôr em causa a actual situação de dissuasão punitiva ou ofensiva, obtida pelo temor de, face a um ataque nuclear (ou mesmo uma acção de nível inferior), sofrer uma resposta com ADM” (2001, 52). Ainda segundo o General Loureiro dos Santos “estes factos levaram a que em 1999, os EUA tivessem decidido instalar sistemas de defesa anti‑míssil que constituam um escudo protector contra essa ameaça, não só do território nacional (National Missile Defense, NMD), mas ainda das suas forças no estrangeiro (Theater Missile Defense, TMD)” (2001, 53). Outro factor revelador do empenho dos EUA no seu desenvolvimento conforme revela o mesmo autor, diz respeito a que “o investimento previsto financeiramente tem sido rigorosamente cumprido, pese embora o elevado esforço adicional decorrente das campanhas militares tanto no Iraque como no Afeganistão”31.
Da análise das novas ameaças, vistas anteriormente, deu‑se realce ao perigo de cruzamento entre estados párias, terrorismo transnacional e destes com as ADM. Segundo afirma Luís Leitão Tomé é inegável que existem grupos terroristas interessados na aquisição de mísseis e de ADM para fins criminosos ou de chantagem. Do mesmo modo, é indesmentível que certos estados párias procuram igualmente adquirir esse tipo de armamento. A associação de estados párias que disponham de ADM as utilizem ou as façam chegar a grupos terroristas, que, por sua vez, as utilizarão, configura a hiper‑ameaça na actualidade para a segurança internacional. (2003, 109)
Os factores acima referidos confirmam a actualidade da frase do CorTir Rodrigues Viana escrita em 1995; “a proliferação de potências com armas de destruição maciça tornou‑se uma das mais sérias ameaças à Paz e à Segurança internacionais do pós‑Guerra Fria”. (1995, 85)
Outra constatação importante referida pelo mesmo autor é a de que grande parte dos países que detêm ou procuram obter ADM enquadram regimes politicamente instáveis, dispõe de sistemas de comando e controlo primitivos e numa situação de crise, não parece de excluir que possam ameaçar ou mesmo empregar esses mísseis balísticos com ogivas não convencionais. “As implicações estratégicas da possibilidade de emprego desses meios contra‑cidades, farão aumentar os receios de danos inaceitáveis e, consequentemente, aumentarão as pressões para o lançamento de ataques preventivos em situações de crise” (Viana, 1995, 102).
A posse de armas nucleares por um Estado continua a constituir um factor determinante das suas potencialidades, estabelecendo uma nítida diferenciação entre as potências que as possuem e as restantes. Como refere o CORT Rodrigues Viana o acesso à arma nuclear continua a ser visto “como um símbolo de prestígio e de autoridade entre os Estados. A percepção que tende a prevalecer é a de que um Estado que possa apoiar‑se em tais armas para a consecução dos seus objectivos externos, apresenta um significativo valor acrescentado à sua capacidade de negociação; e mesmo que o seu potencial nuclear não seja suficiente para garantir uma adequada protecção face aos interesses das grandes potências, ele acaba por ser importante no contexto da disputa pela hegemonia regional” (1995, 104), como pudemos observar na recente ameaça de escalada no conflito entre a Índia e o Paquistão.
Segundo o General Loureiro dos Santos o aumento do número de potências com capacidades ADM e de tecnologia de mísseis “conduz a uma maior probabilidade de eclosão de um conflito aberto por acidente, bem como a possibilidade de se verificar uma atitude irracional por parte de um líder político. Aliás os motivos e regras básicas da dissuasão ofensiva que a tornaram eficaz num mundo bipolar (como acontecia durante a Guerra Fria) não são os mesmos de um mundo multipolar ou de um mundo unipolar, mas com vários pólos possuidores de capacidade de uso de ADM” (2001, 53).
Já relativamente à proliferação de pequenas potências, devemos segundo o CorTir Rodrigues Viana, separar a nossa análise no âmbito global da dissuasão e no âmbito regional. Relativamente ao primeiro cenário esta proliferação constituiu‑se como factor perturbador na medida em que as grandes potências sentem os seus territórios ameaçados. A situação pode ainda assumir contornos de maior perigo se essas pequenas potências forem politicamente instáveis, entrando na categorização de estado pária. Esta situação, pela ameaça que coloca na grande potência, poderá despoletar acções preventivas sobre a pequena potência. Ao nível regional, essa proliferação gera um efeito multiplicador de outros estados nucleares, de forma a restabelecer o equilíbrio instável, visto que a dimensão dos seus arsenais é insuficiente para gerar uma capacidade retaliatória, essencial para uma dissuasão estável (Viana, 1995, 110‑111).
As intervenções norte‑americanas na 1ª Guerra do Golfo, na Bósnia, no Kosovo e mais recentemente no Afeganistão e Iraque trouxeram à evidência a superioridade esmagadora das suas forças convencionais no moderno campo de batalha. Esta situação no entanto pode conduzir a que qualquer seu potencial adversário face à dissimetria relativamente às forças convencionais da superpotência tenderá a socorrer‑se de meios que lhe possibilitem contrariar essa superioridade, sendo de admitir que as ADM, assim como os necessários vectores de lançamento, poderão constituir‑se como um elemento dissuasor de futuras intervenções não só dos EUA, mas também das organizações internacionais de segurança colectiva.
Podemos então concluir com base na análise feita que a contra‑proliferação continua a ser uma das grandes preocupações dos estados do sistema internacional, fundamentalmente se os futuros detentores forem estados párias, politicamente instáveis ou organizações terroristas transnacionais.
II.3. A doutrina de intervenção
A mudança espelhada na National Security Strategy (NSS) dos EUA traduz‑se numa primeira análise como refere Carlos Gaspar na “redefinição das ameaças aparecendo como prioritárias as ameaças transnacionais e internas, incluindo os regimes despóticos e os Estados falhados, as redes terroristas e os movimentos pan‑islâmicos. A doutrina de intervenção muda quando se substitui a dissuasão estratégica e a contenção pela guerra preventiva e preemptiva contra os regimes iníquos”. (2003b, 168)
O 11 de Setembro produziu uma mudança na política externa dos EUA e na sua atitude enquanto actor internacional. Este facto provocou um afastamento da postura multilateral junto da NATO, que por esse motivo não participou directamente na intervenção no Afeganistão, optando por um modelo de envolvimento bilateral nas questões relativas à segurança, passando a ser a missão a definir a coligação.
Carlos Gaspar afirma que “o sentido da revisão estratégica desde o 11 de Setembro parece orientar‑se para a consolidação do regime unipolar norte‑americano e a mudança do modelo de ordenamento internacional pela demonstração militar da supremacia dos Estados Unidos. O método da revisão é a luta contra o terrorismo e a tirania, cuja violência imprevisível ou suicida legitima a guerra preventiva unilateral e as coligações flutuantes, que servem para desfazer o modelo constitucional da Guerra Fria e provocar uma dinâmica de instabilidade, na qual se constrói um modelo alternativo de ordenamento internacional”. (2003b, 174)
No entanto, esta mudança estratégica sofre o seu primeiro revés nas enormes dificuldades sentidas pelos EUA em manter sob controlo a situação no Iraque, pois a intensidade da resistência provocou um estado de insegurança que, inviabiliza os trabalhos de reestruturação do país, bloqueando o progresso político, o que levou, segundo o General Loureiro dos Santos, a uma reflexão sobre a estratégia adoptada. Não só no Iraque, mas em todo o mundo (2004, 27). Apesar de se poder questionar se realmente os EUA procederam a essa inversão32, deixando de lado a postura eminentemente unilateral, conseguiram assim a aprovação de uma segunda resolução sobre o Iraque pela ONU, mostrando vontade política de procura do entendimento e de negociação (Santos, 2004, 29).
Esta inversão confirma a ideia de Colin Gray, “as acções preventiva/preemptiva são uma opção necessária como estratagema ocasional e não como fundamento de uma escolha estratégica. Além das incertezas nos resultados da acção militar, os custos tanto domésticos como as consequências na opinião pública e governos internacionais seriam demasiado onerosos” (2003, vi). A mesma opinião é partilhada por Lawrence Freedman que refere que “a preempção confere benefícios limitados como orientação para a futura política de segurança dos EUA” (2004, 4).
A definição de uma estratégia nacional de segurança e num breve período de tempo, proceder a uma inversão na sua aplicação, poderá indiciar que a opção feita pela acção preventiva em detrimento de outras, poderá ter sido uma opção propositadamente provisória, para fazer face aos acontecimentos de 11 de Setembro, ou o resultado da incapacidade dos EUA de lidar com a situação no Iraque. Tanto uma explicação como a outra, não ajudam na regulação do sistema internacional, urgentemente a necessitar de uma ordem que, facilite as relações entre os Estados e que, possibilite uma união de esforços no combate ao terrorismo transnacional.
III. A construção de um modelo actual do Conceito de Dissuasão
III.1. Considerações iniciais
Importa antes de avançarmos com a identificação das ideias‑força para o levantamento de um modelo possível para a conceptualização da dissuasão, assentar alguns conceitos fundamentais.
No corpo de conceitos definiu‑se a terminologia de: dissuasão (deterrence), compulsão (compellence), persuasão (dissuasion), indução (inducement), preempção (preemption) e prevenção (prevention).
Para auxiliar a compreensão dos conceitos apresentados, vamos de seguida tentar perceber como estes conceitos se podem interligar de forma a cobrir todo o espectro de formulação de uma grande estratégia.
Relativamente à dissuasão (deterrence) podemos complementar a sua caracterização referindo que o seu objectivo é pela manutenção do status quo, ou como uma estratégia negativa, de não acção. A opção de ser dissuadido é uma opção que fica estritamente nas mãos da entidade que se pretende dissuadir. A dissuasão pela punição, é traduzido na ameaça de emprego de formas de coacção militar, nas palavras de Lawrence Freedman em que este tipo de dissuasão consiste no “uso da coacção pura, em que ao adversário não lhe é negada a opção de escolha, mas existe um vigoroso incentivo para adoptar uma determinada opção” (2004, 37). A dissuasão pela negação dos seus objectivos, poderá ser traduzida nas forças defensivas da nova “tríade” nuclear estratégica dos EUA, em que o sistema de defesa balístico impedisse, independentemente do vector de lançamento, que este atingisse o seu alvo. Em ambos os casos, por negação ou por punição, assume‑se que o adversário percepciona correctamente a relação custo‑benefício e responde racionalmente baseado nesse cálculo. No entanto este é um assunto que não é consensual como referem Davis e Jenkins “um oponente «irracional» que aceite a destruição ou perdas desproporcionais poderá não ser dissuadido”. (2002, 60)
No que diz respeito à dissuasão geral esta tende a aproximar‑se do conceito de persuasão/influência (dissuasion) (Gray, 2003, 29).
Relativamente à dissuasão imediata ou pura, um exemplo da sua aplicação com sucesso, foi o da ameaça feita a Saddam Hussein na 1ª guerra do Golfo (1991), caso este utilizasse ADM, os EUA retaliariam utilizando as suas forças estratégicas nucleares33. Como exemplo de insucesso aponta‑se as manobras de índole combinada, entre forças convencionais dos EUA e dos Emiratos Árabes Unidos (EAU), que não obtiveram efeito dissuasor sobre as forças iraquianas que mais tarde invadiram o Kuwait (Troxell, 2004, 190).
Como exemplo de aplicação da dissuasão alargada, apresenta‑se a dissuasão proporcionada pelos EUA à Europa, pelas suas forças convencionais e nucleares contra eventuais adversários que a ameacem.
Em relação à estratégia de compulsão podemos caracterizar este conceito pela procura da alteração do “status quo”, ou como uma estratégia positiva, de acção.
Segundo Patrick Morgan “a distinção entre os dois conceitos, dissuasão e compulsão é bastante abstracta, numa confrontação frequentemente são utilizadas em conjunto e virtualmente indistintas”. É nesse sentido que, este académico considera que se deve pôr menos ênfase na distinção entre os conceitos de dissuasão e compulsão, mas sim considerá‑los como componentes interrelacionados da diplomacia coerciva (2003, 2).
Já relativamente ao conceito de persuasão/influência e segundo o TCor Ribeiro Braga este é um conceito que visa canalizar o comportamento de potenciais adversários para que estes não se venham a tornar ameaças, desencorajando‑os a competir militarmente com os EUA. Como principais alvos de atenção, estão países que se encontram em ascensão como a China e a Índia ou a Rússia caso voltasse a adquirir capacidade económica34.
Tanto o conceito de persuasão/influência como o de dissuasão geral não são especificamente dirigidas a um adversário, são genéricos. Tanto num caso como noutro, a última palavra fica do lado da entidade a dissuadir ou persuadir.
A utilização combinada das estratégias de indução e de dissuasão, constitui uma boa fórmula para a resolução dos problemas estratégicos, ajustando‑se a cada passo do processo, a velha história do “pau” e da “cenoura”.
As acções preemptiva e preventiva vistas de forma estrita, constituem‑se como uma forma alternativa à estratégia de dissuasão. Entendendo que a dissuasão tem como objectivo evitar a guerra por intermédio da ameaça do uso da força, mas este facto não evita que não devemos preparar‑nos para que ela aconteça caso a dissuasão falhe; as acções preemptivas/preventivas visam eliminar ameaças iminentes ou potenciais que futuramente conduziriam a uma guerra em condições mais vantajosas para o adversário. O balanceamento entre o modo de acção estratégica resulta de considerarmos ou não possível o êxito da dissuasão. A adopção de medidas de carácter mais ofensivo, a Compulsão e a Preempção/Prevenção devem ser utilizadas nas situações conflituais onde a Dissuasão não teve sucesso ou pelo facto de se considerar que não é aplicável. Daí se entenda que a mudança de regime no Afeganistão (Estado falhado) e a destruição de uma das principais bases da Al Qaeda que aí operavam assume uma lógica de acção estratégica correcta, onde a Dissuasão já não fazia sentido e a Preempção deve actuar.
A discussão surge no modo como classificamos essa ameaça e quão iminente será a sua acção. Podemos considerar que, um bom exemplo de uma acção preemptiva foi o lançamento da ofensiva de Israel sobre o Egipto, na guerra dos seis dias, antecipando‑se ao ataque da coligação árabe que se encontrava pronta para ser lançado. Já no caso da invasão do Iraque pelos EUA, dificilmente se aceita como acção preemptiva, em virtude da ameaça iminente materializada na existência de ADM, não terem sido encontradas, nem sequer indícios fortes da sua produção.
Entre uma acção preemptiva e uma preventiva, numa primeira análise a diferença que realça entre ambos é a perspectiva temporal. Por outro lado, como refere Jeffrey Record “tendo em consideração a legalidade de um acto, um ataque preventivo pode não se distinguir duma agressão directa sem justificação legal, em contraste, um ataque preemptivo seguindo um quadro estritamente legal pode considerar‑se como legítima defesa”. (2004, 2)
Outra questão levantada pela mudança aparente do modo de acção estratégico da administração norte‑americana35, é relevada por Lawrence Freedman afirmando que ao “mudarem da dissuasão para a prevenção/preempção os EUA abrem um precedente que pode vir a ser utilizado por outros Estados, como justificação para intervenções militares encapotadas pela justificação de uma acção preemptiva”. (2004, 4)
No entanto, Colin Gray reconhece que as acções preemptivas poderão ser extremamente úteis, por vezes até essenciais, como instrumento de acção estratégica ocasional contra políticas inaceitáveis e que revelem comportamentos e posturas claramente em desrespeito da lei e atentatórias dos direitos humanos. Podem mesmo ser adoptadas como prática corrente contra inimigos não estatais (2003, 9). O conhecimento geral de que, um Estado tenha a reputação de sem hesitações lançar acções preemptivas militares, poderá ser um excelente contributo para auxiliar a tomada de decisão do adversário, no sentido de aceitarem a situação promovida pela dissuasão (2003, 27). Mas não deve ser considerada como a base fundamental de uma estratégia total ou grande estratégia. No entanto como refere Daniel Zajac “a utilização de estratégias preemptivas e preventivas não é nova no pensamento estratégico norte‑americano, nunca tinha era sido tão claramente expressa”. (2003, 58)
A estratégia de dissuasão, como vimos anteriormente, não oferece uma garantia absoluta que proporcione a confiança total na sua aplicação36. Colin Gray considera que as duas principais alternativas, a prevenção/preempção e a estratégia de indução, em posições opostas no espectro de uma grande estratégia, também não conferem garantias de sucesso absoluto. Assim, a dissuasão pode falhar da mesma forma que a acção militar ou as tentativas de apaziguamento e conciliação (2003, 26). Este parece ser o caso paradigmático das relações externas entre os EUA e Cuba ou entre os EUA e a Coreia do Norte, quanto aos efeitos práticos da dissuasão.
III.2. A Dissuasão como resultado do contexto sistémico – Factores a ponderar
A caracterização do sistema actual contemporâneo efectuada no primeiro capítulo forneceu‑nos os primeiros dados para a construção de um modelo actual para a dissuasão. Foi então considerado que diminuiu a hipótese de eclodir um conflito entre as principais potências, este facto foi considerado por Patrick Morgan referindo que a dissuasão “é moldada pelo contexto sistémico em que opera, em particular pelos conflitos. A escala e a intensidade dos conflitos determinam a sua importância, a sua função, utilidade e modo de operar. Assim, se a relação entre as grandes potências actualmente é marcadamente diferente do passado, a dissuasão será também diferente” (2003, 242).
Outro dado importante ocorre da consciência que o poder hegemónico actualmente detido pelos EUA leva a que as restantes potências tentem contrariá‑lo procurando uma evolução de cariz mais multipolar. De certa forma este foi o sentido da oposição da Alemanha e da França relativamente à acção militar norte‑americana sobre o Iraque. Outra dedução a retirar consiste na opção unilateral dos EUA. Sendo detentores de uma capacidade militar esmagadora, não se quiseram sujeitar a ter que enfrentar no seio da ONU, no âmbito do seu Conselho de Segurança, a oposição declarada da França fazendo uso do seu poder de veto.
Segundo Patrick Morgan “é quando a hegemonia entra em declínio que os conflitos, especialmente entre as grandes potências, surgem para desafiarem essa hegemonia” (2003, 243). De qualquer forma torna‑se difícil prospectivar qual o sentido de evolução futura, no entanto não podemos esquecer que a competição económica existe e poderá ser o factor determinante num futuro a médio prazo. Admitindo que a postura norte‑americana expressa na tendência intervencionista, nomeadamente no campo militar, acarreta elevados custos que poderão trazer consequências negativas sobre as restantes actividades precipitando o seu declínio.
A forma como as grandes potências37 se entenderem no futuro terá influência decisiva na evolução do conceito de dissuasão. Aceitando que a maioria destas partilham valores democráticos38, essa evolução irá depender de certa forma do modo como se conseguirem relacionar ao nível das grandes Organizações Internacionais, ONU e NATO, acreditando que é nesses fóruns privilegiados que se poderá construir os alicerces de uma nova ordem, na defesa de valores comuns e apostando na força do Direito Internacional como principal garante da paz e estabilidade mundial.
Este quadro de não conflitualidade entre as grandes potências releva a importância das ameaças que se configuram actualmente – os estados párias e as organizações não estatais (terrorismo transnacional) com acesso possível a ADM.
Assim a evolução do conceito de dissuasão deve contemplar essas ameaças, assim como a eventual alteração das relações entre as grandes potências actuais e futuras.
Existem outras preocupações que não poderão deixar de ser incluídas, seja pela sua importância, seja pela sua pertinência. Face às novas ameaças a importância da credibilidade das forças clássicas ou convencionais aumentou. No entanto, as forças nucleares constituem‑se ainda como factor último de dissuasão, quer relativamente a estados nucleares quer a estados párias detentores de ADM.
III.3. Linhas de força para uma nova conceptualização
Começamos por apresentar algumas das ideias principais expressas por Colin Gray sobre as razões pelas quais os EUA não devem abandonar a estratégia de dissuasão:
Apesar da adopção oficial de uma estratégia de acção preemptiva, os EUA continuam ligados a uma estratégia de dissuasão. Os adversários principais no futuro poderão ser adversários dissuasíveis e não terroristas movidos por sonhos de auto‑sacrifício. Por outro lado a substituição da dissuasão pela preempção, transmite à comunidade internacional a ideia de que os EUA vêem a acção militar como o primeiro recurso e não como o último.39
Encontrar pontos fracos dos adversários onde estes possam ser dissuasíveis40. Apesar dos seus objectivos serem apocalípticos, podem ser antecipados estrategicamente. A Al Qaeda ao nível estratégico funciona de forma racional, ligando os seus ignominiosos meios com os seus fins de “outro mundo”. (2003, 27)
Colin Gray apresenta algumas formas de optimizar a dissuasão do terrorismo:
• Uma acção eficaz de contra terrorismo, conjugada com a sucessiva “familiarização” com a utilização de bombistas suicidas, promoverá a convicção de que a estratégia terrorista não está a atingir os seus objectivos, desmobilizando futuros voluntários e os seus líderes;
• Ameaças credíveis aos líderes da Al Qaeda e à capacidade da sua estrutura de comando de funcionar, terão um efeito dissuasivo;
• Negar os apoios às suas células espalhadas pelo mundo, coagindo os países que toleram a sua presença, e em alguns casos fornecem apoio e assistência. Para isto é fundamental um bom sistema de informações e vontade de agir. A aplicação das acções de preempção/prevenção contribuirá muito para que a dissuasão funcione. (2003, 28)
Lawrence Freedman advoga a propósito dos atentados terroristas que “com o passar do tempo, a comunidade internacional encontrará formas de minimizar a sua acção e que mesmo que algumas das acções suicidas surtam efeito, terão poucas consequências políticas” (2004, 126).
Segundo Davis e Jenkins “um dos problemas fundamentais do espectro do ”terrorismo catastrófico” envolve a utilização de ADM, que algumas organizações terroristas estão ávidas de possuir e demonstram vontade de usar. Uma das medidas credíveis é o aviso de que qualquer estado ou organização não estatal que sequer tolere a aquisição de ADM por terroristas nas suas fronteiras sofrerá a fúria dos EUA, assim como baixarão os padrões de evidência necessários na procura da culpa, podendo actuar de forma preemptiva e proceder à mudança do regime pela força” (2002, xv).
Outra das ideias apresentadas por Colin Gray é a de que os EUA não devem desprezar a dissuasão geral ou mesmo a indução. Esta deve ser utilizada como forma de moldar a percepção dos adversários – em virtude de estes conhecerem “à priori” as capacidades e as probabilidades de emprego do poder militar dos EUA – isto é atingir a auto‑dissuasão; a dissuasão geral actua de forma implícita ou subconsciente sobre o adversário (2003, 29).
Outro aspecto que já abordámos diz respeito à necessidade de uma dissuasão mais empírica. Para atingir este desiderato necessitamos conhecer o adversário, o que significa conhecer a sua cultura e os seus costumes, assim como os aspectos da sua caracterização psicológica e o seu processo de tomada de decisão.
Keith Payne advoga a “necessidade de na “segunda era nuclear”, se conhecer em profundidade os vários adversários potenciais, bem como, os seus diferentes conceitos de racionalidade estratégica, para que a dissuasão regional possa ser elaborada à medida de cada actor individual e em circunstâncias específicas da situação de dissuasão” (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003, 508).
Da análise dos conceitos apresentada anteriormente e relativamente ao enquadramento da dissuasão como parte de uma grande estratégia, esta deve ser empregue num conceito alargado de influência. A dissuasão não é um fim em si mesma, o seu propósito é exercer a sua influência em decisões de outros. Outro aspecto importante referido por Colin Gray é o de que “a dissuasão funciona melhor quando é suportada por uma vontade credível em usar a preempção de mão dada com uma não menos credível vontade de induzir positivamente a cooperação” (2003, 32).
Outro aspecto que mudou foi o da estabilidade da situação de dissuasão. A estabilidade da dissuasão nuclear da Guerra‑Fria segundo Edward Smith era “devida em parte a dois factores: de que o atacante poderia ser de imediato identificado; e que o atacante dispunha de forças e população em risco”. Após o fim da Guerra‑Fria a questão coloca‑se sobre qual a forma de dissuadir um actor não estatal que disponha de ADM, actuando sozinho ou com o apoio de um estado não identificado? Mesmo a própria autoria da acção poderá ser difícil de identificar. Ao enfrentarmos um adversário que não coloca nada em risco ao actuar, conduz a que a estabilidade da retaliação assegurada se tenha transformado num balanço precário entre a capacidade de um dos lados actuar e a do outro lado em prevenir esse ataque, evitando‑o. (Smith, 2002, 11)
A abordagem ao conceito de dissuasão numa fórmula de prevenção tem sido apontada como a mais correcta para combater o terrorismo. Assim a postura de prevenção (não confundir com os ataques preventivos) envolveria barrar todos os nichos de entrada ao adversário, quer seja a nível militar, como político, temporal ou geográfico de forma a forçá‑lo a desistir dos seus intentos verificando a impossibilidade de os atingir (Smith, 2002, 15).
Outro aspecto importante prende‑se com o alerta deixado por Jeffrey Record alertando que os EUA ao oporem‑se à proliferação com todos os meios, e concomitantemente ao adoptarem acções militares preemptivas como centro da sua política de segurança, levam a que alguns estados acreditem que, a única forma de impedirem uma intervenção militar, com o propósito de mudar o seu regime, será possuírem ADM. Desta forma as ADM por si só constituiriam um forte elemento dissuasor, tal tem sido a extensão da campanha lançada pelos EUA contra a sua proliferação (2004, 23).
No entanto com o aumento da proliferação de ADM por um número elevado de actores estatais e não estatais, a complexidade da dissuasão aumentará e as perspectivas de que tenha eficiência diminuem, como referem Dougherty e Pfaltzgraff (2003, 509).
Importa agora aprofundar um pouco mais a questão das ADM, nomeadamente na sua vertente nuclear. Com o final da Guerra‑Fria a avaliação da ameaça nuclear mudou: de um ataque nuclear estratégico tendo como consequência uma catástrofe global, passamos à possibilidade de emprego de ataques por intermédio de mísseis balísticos de nível não estratégico, disparados por estados párias e confinados a conflitos de índole geográfico regional41. De uma situação de dissuasão estável assegurada, garantida pela dissuasão nuclear e pela vulnerabilidade mútua entre adversários simétricos (EUA e URSS), temos actualmente um ambiente instável face a adversários de características assimétricas, estados párias e entidades não estatais com acesso a ADM. Assim, o padrão da conflitualidade passou da dicotomia à multipolaridade e a confrontação assume contornos assimétricos apresentados pela natureza diferente dos diversos actores a dissuadir. A proliferação de ADM e de tecnologia de mísseis incrementou o nível de insegurança global. O facto de estes conflitos se poderem confinar a um âmbito regional, e dada as características não estratégicas dos meios de uma das partes, não se colocará o problema da escalada nuclear, não se justificando a utilização de todos os patamares da “tríade” de forças de dissuasão.
Procuraremos de seguida esquematizar um modelo possível para a conceptualização da dissuasão, tendo em atenção as suas principais linhas de força orientadoras:
1. Actualmente a principal ameaça é o terrorismo transnacional. No futuro esse inimigo pode ser outro estado, daí que a dissuasão nuclear não deve ser esquecida.
2. A estratégia global de actuação de um estado deve incluir todos os instrumentos estratégicos ao seu dispor, numa ampla manobra de influência: persuasão/influência, indução, dissuasão geral e imediata, preempção/prevenção. Como elemento fundamental destacamos a necessidade de existir uma vontade sólida e credível que adopte, sem hesitações, todos os modos de acção estratégica como componentes dessa grande estratégia.
3. Utilizar a dissuasão geral como forma de atingir a auto‑dissuasão.
4. Utilizar a dissuasão imediata de forma específica e adaptada a cada situação de dissuasão, nomeadamente nos conflitos de âmbito regional.
5. Relativamente à utilização da dissuasão em relação ao terrorismo:
a. O esforço deve ser colocado numa acção de contra terrorismo eficaz, baseada num serviço de informações multidisciplinar e multinacional [a ameaça é transnacional, possuindo células em 50 a 70 países (Gray, 2003, 29)], conjugando acção policial e militar, num esforço de prevenção evitando que estes atinjam os seus objectivos, descredibilizando a organização e desmotivando os seus membros;
b. Coagir os governos que toleram ou mesmo apoiam as organizações terroristas, de forma a negar‑lhes a possibilidade de estabelecerem santuários e coarctando‑lhes a liberdade de acção fundamental para as suas acções;
c. Ameaçar a vida dos seus líderes de forma credível, dificultando o funcionamento da sua cadeia de comando;
d. Provar que o terrorismo falha seja pela prevenção dos seus actos, seja pela evidência que os seus actos são inúteis e que o sacrifício dos seus membros é em vão42.
6. No respeitante às ADM a dissuasão apoiar‑se‑á em duas vertentes, uma diminuindo o valor das ADM e mísseis do adversário (defesa balística), a outra pela garantia de uma resposta esmagadora à utilização deste tipo de armamento.
IV. Os desafios da aplicação de um novo conceito de Dissuasão
O conceito de dissuasão enferma de vários anti‑corpos na sua actuação. O primeiro deriva do facto de que nunca sabermos se realmente funcionou ou não, pois o seu objectivo é um não acontecimento, ou uma “não acção” por parte do adversário. No período da Guerra‑Fria quem pode provar que a dissuasão funcionou? Outra das circunstâncias que jogam contra si advém do facto de que, esta poderá ser mais eficaz quando não se baseia em ameaças explícitas divulgadas e do conhecimento geral, e também como refere Jeffrey Record “quando a situação de dissuasão é gerada na mente adversária pelo medo, antecipando as ameaças que seriam produzidas caso decidisse adoptar determinada modalidade de acção” (2004, 1).
Existe ainda outra questão fundamental descrita por Dougherty e Pfaltzgraff, quando referem que “a teoria estratégica da dissuasão não tem propriamente o mesmo carácter que a matemática, que funciona de acordo com uma necessidade lógica intrínseca. A análise da dissuasão envolve sempre factores discutíveis do julgamento humano como é o caso, por exemplo, do senso comum político assente na experiência (aquilo a que alguns chamam “intuição” ou um “palpite”), da interacção da racionalidade individual com a racionalidade burocrática, dos palpites e do correr de riscos. Alguns académicos, contudo têm alertado para o facto das avaliações intuitivas da credibilidade da dissuasão serem pouco confiáveis. Também isto estabelece uma forte motivação para a procura de maior objectividade através do estudo de casos históricos concretos” (2003, 475).
IV.1. Influência do novo conceito de dissuasão sobre o nível nuclear
IV.1.1. Principais implicações
As grandes potências nucleares, EUA e Rússia, deterão sempre uma capacidade nuclear elevada, consubstanciada no poder conferido pela sua capacidade dissuasora e de contenção proporcionada face a outra grande potência e pela tendência de um maior número de potências disporem de armamento nuclear e de arsenais crescentes.
O desenvolvimento da “nova” tríade pelos EUA denuncia desde logo uma abordagem diferente ao nível nuclear. A NPR reconhece as limitações do emprego da dissuasão nuclear da Guerra‑Fria, em virtude de esta estar orientada para a dissuasão de uma faixa muito estreita do espectro da conflitualidade, não merecendo credibilidade para dissuadir agressões militares convencionais, nomeadamente a estados não nucleares.
A questão do emprego de armamento nuclear sobre forças convencionais, como referem Robert Haffa, Jr. e John Backschies que considerando os efeitos colaterais associados ao ambiente nuclear, os constrangimentos morais da utilização da arma nuclear e o perigo de escalada, impediram os EUA de utilizar este tipo de armamento na Coreia e no Vietname, apesar de terem sofrido cerca de 100 000 mortos em combate. A realidade é que, poucos acreditam que os EUA utilizem o seu armamento nuclear, a não ser em caso de sofrerem um ataque com ADM (2002, 4).
Apesar das críticas feitas ao sistema de defesa balística, defendendo que a sua execução poderia concorrer para uma nova corrida armamentista, a sua consecução com capacidades de projecção é uma das prioridades da governação norte‑americana. Estas críticas perderam o seu peso em virtude da ameaça ter mudado, o número de países a desenvolver ADM cresceu, assim como o número dos que possuem mísseis balísticos. Em segundo lugar existe um consenso generalizado de que a projecção dos sistemas de defesa balística traduzir‑se‑á num aumento da segurança dos EUA.
Assim, a dissuasão nuclear deve ser complementada com a componente de defesa balística e com forças militares convencionais, ou seja uma nova “tríade” estratégica. Além da capacidade das forças convencionais e nucleares, ofensivas e defensivas, a postura de dissuasão será reforçada por um sistema de informações efectivo, vigilância, interdição e com o reforço das condições de segurança interna.
A componente de retaliação será complementada pela componente de negação e a outro nível, por uma acção concertada de desencorajamento. Realce para o facto de que esta política de desencorajamento, segundo Dougherty e Pfaltzgraff, traduz uma abrangência multi‑disciplinar, militar, política, económica e tecnológica de forma a persuadir os potenciais adversários da inutilidade de um ataque ou ameaça de ataque, acrescido das vantagens adicionais de uma política de cooperação internacional (2003, 502). Esta ideia incorpora o racional de ganhar as mentes e os corações de dirigentes e povos, como forma de assim diminuir a resistência e permitindo que a estratégia de influência advogada anteriormente, obtenha o sucesso desejado.
Outro aspecto que não pode ser esquecido, decorrente da proliferação de ADM e da caracterização das novas ameaças, é o da “santuarização agressiva” referida no capítulo II. Esta é uma situação que segundo o CORT Rodrigues Viana considera assumir um grau de probabilidade elevado, sendo de considerar como uma das situações mais críticas para o funcionamento de um sistema de segurança colectiva. (1995, 112) É claramente neste sentido que Patrick Morgan sublinha a ideia de que “o Iraque (ou a Coreia do Norte) na posse de armas nucleares serão muito mais difíceis de enfrentar apesar de que seria um terrível erro para o Iraque a sua utilização, ninguém poderia ter a certeza que não o fariam” (2003, 272). Apesar de ser uma situação onde ambas as partes dispunham de armas nucleares, não se trata de uma situação equivalente à da Guerra‑Fria. Uma das partes segundo Patrick Morgan “arrisca a sua sobrevivência, não só pela superioridade nuclear mas também pela posse de forças convencionais que destruiriam este regime mesmo que este empregasse armas nucleares”. (2003, 273) Claramente se entende que as preocupações morais por parte de uma potência nuclear desaparecerão no momento em que for atacada por ADM. Outro aspecto relevante é o de que um estado como o Iraque, mesmo dispondo de ADM, será que as empregaria correndo o risco de ser destruído ou erradicado, assumindo que a resposta a um ataque com ADM por parte da superpotência levaria a uma retaliação esmagadora.
As principais implicações de uma nova conceptualização sobre o nível nuclear, apontam para que a dissuasão nuclear, apesar de não perder a sua importância é manifestamente incapaz de dissuadir algumas das novas ameaças, como o terrorismo internacional. É nesse sentido que foi criada uma nova “tríade” estratégica, dando ênfase à conjugação de forças convencionais com as forças nucleares e à utilização das forças defensivas (sistema de defesa balístico) atribuindo maior importância à componente da dissuasão por negação.
IV.1.2. O nuclear dissuade o nuclear?
A primeira consideração a fazer reside no facto referido por Colin Gray de que “o armamento nuclear não é obsolescente nem obsoleto para as superpotências, grandes potências e estados iníquos”. (2001, 119) A preocupação máxima demonstrada pelos EUA e pelos estados Ocidentais contra a proliferação de ADM, especialmente nucleares, confirma a importância deste tipo de armamento. Segundo o General Loureiro dos Santos “no centro de todas as estratégias, situa‑se a grande questão da estratégia nuclear. O nuclear continua a ser o elemento básico definidor da hierarquia das potências, a constituir o lastro sob o qual, e a partir do qual, as outras estratégias podem ser concebidas e desenvolvidas.” (2001, 51)
Quando nos reportamos ao patamar nuclear não podemos deixar de fraccionar as ameaças existentes em dois níveis distintos. O primeiro nível corresponde aos estados que dispõem de capacidades nucleares médias ou de superpotências, a China43 e a Rússia e os EUA. A este nível o racional de retaliação produzindo efeitos de destruição inaceitáveis, continua a ser válido mantendo esses Estados uma capacidade nuclear estratégica de dissuasão. No segundo nível colocamos os estados regionais com acesso a capacidades ADM. Neste caso a lógica de confrontação entre uma superpotência nuclear e uma pequena potência regional aponta para o reforço por parte da primeira nas suas capacidades defensivas que suprimirão os efeitos da reduzida capacidade nuclear da pequena potência. No entanto a capacidade de retaliação esmagadora por parte da superpotência nuclear levará a que a pequena potência regional perceba que a opção a tomar envolverá o risco da sua total destruição. Na confrontação entre pequenas potências a situação será sempre rodeada de um ambiente de instabilidade em virtude de não possuírem uma capacidade de retaliação, que implicaria o raciocínio dos danos inaceitáveis. No entanto não existindo a capacidade de num primeiro ataque destruir os meios nucleares adversários, atinge‑se uma pressuposta estabilidade “relativa” que advém da “insuficiência” dos meios disponíveis.
A segunda consideração diz respeito ao desenvolvimento das forças defensivas (defesa balística – dissuasão por negação), projectadas pelos EUA. Se esta capacidade for desenvolvida com êxito poderá modificar o panorama de emprego das armas nucleares. Apesar de entrarmos no campo das hipóteses e cenários possíveis podemos admitir que:
– O sistema é desenvolvido mas não tem capacidade para destruir um ataque num confronto entre duas grandes potências nucleares (ex. EUA e Rússia), mas tem capacidades para defender o próprio território; assim será eficaz contra o ataque de uma pequena potência nuclear (Índia, Paquistão, Coreia do Norte), mas manterá sem protecção as suas forças no exterior;
– O sistema é desenvolvido e além das capacidades descritas anteriormente tem capacidade para garantir a protecção das forças no exterior, seja pelo seu alcance ou pela possibilidade de ser transportável; neste caso possibilitará o desenvolvimento de acções preemptivas sobre os estados iníquos ou párias que detenham capacidade nuclear;44
– O sistema não é desenvolvido, relativamente a um conflito com um estado iníquo ou pária que detenha alguma capacidade de armas de destruição maciça (pequena potência nuclear). Segundo refere Jeffrey Record a evidência indica que “uma estratégia de dissuasão nuclear credível continua efectiva contra a utilização de ADM por um estado pária, em virtude de estes disporem de um território e instalações criticas que podem ser alvo de uma retaliação devastadora” (2004, 1). Opinião diferente sobre este assunto tem Colin Gray e Keith Payne que “prevêem que caso se confirme a proliferação de ADM, o cálculo do custo/benefício da intervenção em conflitos externos terá um efeito desencorajador na prontidão norte‑americana para agir como polícia mundial, excepto se estiverem claramente postos em causa a sobrevivência nacional ou interesses nacionais vitais, e especialmente se os EUA falharem na mobilização de defesas contra as ADM”. (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003, 505)
Destas duas análises apresentadas resulta uma incerteza que só poderá ser analisada caso a caso.
Sobre a possibilidade de dissuadir um estado pária de utilizar ADM podemos concluir consideramos que a resposta é sim, mas com muitas reservas, dependendo da intensidade e peso dos interesses nacionais (objectivos vitais) em jogo, por parte dos contendores.
IV.1.3. O nuclear dissuade o convencional?
Numa confrontação entre uma potência nuclear e uma não nuclear, a capacidade nuclear terá o seu peso, mesmo que de uma forma latente, sendo que o perigo de escalada estará sempre presente. No entanto, Colin Gray defende “a existência de uma convicção auto‑inibidora de que a simples ameaça de usar as armas nucleares, em especial contra um estado sem armamento nuclear, tem sido condenada pela opinião mundial”. (2001, 119)
Presume‑se que caso os interesses vitais da potência nuclear estejam em causa, que a dissuasão pelos meios nucleares funcionará pois provavelmente esta não hesitará em utilizá‑los. Caso não estejam em causa interesses vitais assume‑se que os meios nucleares perdem grande parte da sua validade, tendo um efeito relativo sobre forças convencionais.
IV.2. Influência do novo conceito de dissuasão sobre o nível convencional
Ao considerarmos como um dos momentos marcantes a situação actualmente vivida no Iraque (no Cap I.2.) fizemo‑lo com dois propósitos. O primeiro a inversão estratégica, o outro o impasse e a dificuldade que os EUA tem sentido para estabilizar a situação, após a vitória inicial e consequente derrube do regime. É este segundo aspecto que queremos relevar na análise sobre as forças convencionais.
Num relatório do Secretariado Internacional da NATO de Novembro de 2003, refere‑se a evidência de que em operações militares futuras se deve dedicar o mesmo esforço no planeamento das operações de estabilização e de reconstrução do estado, que o empregue no planeamento das operações de combate45. Esta consideração é importante pois alerta para a necessidade das forças militares estarem preparadas para a mudança de postura necessária após a vitória dos meios convencionais, a que se seguiu quase em simultâneo a “transformação” do inimigo a enfrentar, de um combate simétrico para um combate de matriz assimétrica, realçando aqui a flexibilidade que a força deve possuir.
Face às ameaças a combater a dissuasão convencional assume actualmente a preponderância sobre a dissuasão nuclear. Este reforço da importância da dissuasão convencional envolve sobretudo o conceito de prevenção, evitando as acções do adversário. Sobre este assunto o General Loureiro dos Santos refere que, no futuro as forças militares dos EUA articular‑se‑ão num “dispositivo flexível, com características ofensivas, equipamentos pré‑posicionados ao longo de todo o mundo em áreas de estacionamento ligeiras, e bases pequenas (algumas já em uso), por períodos curtos de seis meses (militares sem famílias) – com a finalidade de actuar nos objectivos previsíveis, algures no Médio Oriente, nas regiões asiáticas marginais do Pacífico, Ásia Central, Europa de Leste, Norte de África e África Ocidental e região do Corno de África e seu prolongamento para Sul” (2004, 34). Subentende‑se deste propósito uma opção por um dispositivo de prevenção, que podemos designar de dissuasão preventiva, colocado mais próximo de forma a reduzir os tempos de intervenção e a capacidade de resposta aos acontecimentos, funcionando como um elemento dissuasor permanente.
Este conceito de forças convencionais como forças de dissuasão não pretende ser uma versão em miniatura da dissuasão nuclear. Muito pelo contrário estas diferem significativamente na sua complexidade, lógica de actuação e execução. Como refere Edward Smith “no caso da dissuasão nuclear o «quem» e o «quê» são lineares e não deixam dúvidas. Em contraste, a dissuasão convencional cobre um enorme leque de «quem» e de «quês». Enquanto que, o adversário na dissuasão nuclear da Guerra Fria era um oponente simétrico num ambiente de um conflito grave, o “quê” para a dissuasão convencional poderá ser assimétrico ou simétrico, e pode ir de uma célula terrorista a uma guerra convencional em larga escala, como a operação Desert Storm. Da mesma forma o “quem” pode ir de um actor estatal a terroristas urbanos e outros actores não estatais, de índole religiosa, étnica ou ideológica” (2002, 11).
Colin Gray considera que para as forças convencionais, mais particularmente as forças terrestres, consigam atingir um maior grau de dissuasão, devem desenvolver determinadas capacidades mais adequadas aos cenários actuais de actuação. Assim “a postura da força deve ser adaptável e flexível. O espectro de potenciais conflitos onde podem ser chamados a intervir abrange as tradicionais hostilidades inter‑estados, não obstante a sua tendência para diminuírem, relevando os conflitos que Metz e Millen descreveram como “prolongados, ambíguos, assimétricos e complexos”. Um inimigo inteligente poderá conseguir continuar o conflito de forma assimétrica, actuando ao nível estratégico e não só militarmente. Assim, as forças convencionais devem saber lidar com inimigos «adaptáveis»” (2003, 37).
Outra consideração feita por Colin Gray é a de que o poder das forças terrestres é essencial46. Esta noção é insensível aos efeitos estratégicos da evolução tecnológica e não pode ser esquecida (2003, 37).
Outro ponto de interesse salientado por Gray consiste no facto de não existir nenhuma postura das forças militares exclusiva para a dissuasão. No entanto, as escolhas a adoptar na próxima década terão um impacto significativo para o sucesso ou falhanço da dissuasão.
Para atingir todos os requisitos atrás referidos as forças terrestres segundo Colin Gray devem ser:
– “Desmassificadas, isto é mais ligeiras, mais móveis, logo mais rapidamente projectáveis;
– Mais conjuntas, tanto no planeamento, como na ética (rivalidades inter‑ramos continuam a ser uma auto‑flagelação significativa);
– Mais networked‑centric e dispondo de melhores informações;
– Capazes de conduzir combate com forças pesadas, mais ligeiro não significa totalmente ligeiro;
– Utilização mais eficaz das Forças Especiais;
– Mais focada no cumprimento da missão que na protecção da força;
– Mais preparadas para lidar com a interferência de civis;
– Mais pacientes, as guerras tenderão a prolongarem‑se no tempo e a constituírem um duro desafio para as forças terrestres;
– Melhor preparadas para trabalhar com forças aliadas” (2003, 43).
Fazendo jus ao raciocínio que o emprego de armas nucleares levanta enormes dúvidas do foro moral e ético, poderá manter‑se a premissa levantada pelo General Loureiro dos Santos de que os meios mais adequados para dissuadir meios convencionais são meios convencionais (1983, 349).
Assim sobre quais as implicações de uma nova conceptualização sobre o nível convencional, podemos afirmar que este formará o elemento fulcral numa estratégia de prevenção, sendo as forças convencionais localizadas mais próximas dos objectivos, constituindo‑se como uma defesa avançada. Confirmando que as novas ameaças são difusas e variadas, obrigam assim a uma grande flexibilidade de emprego, face à versatilidade dos “tipos” de adversário a combater, enfrentado combates longos e prolongados, e onde os factores psicológicos devem ser considerados fulcrais. O balanço entre o cumprimento da missão e a protecção da força, resultará dos objectivos que se pretendem atingir ou preservar. Sendo que quando se defendem objectivos vitais, o enfoque deve ser claramente uma opção pelo cumprimento da missão em detrimento da protecção da força, factor este, dependente dos riscos que o país esteja disposto a correr.
IV.3. Como dissuadir o terrorismo transnacional
O terrorismo transnacional ou internacional é um fenómeno de tal forma difuso que não é apenas difícil defini‑lo com precisão, mas é ainda mais difícil para os actuais governos democráticos combatê‑lo.
A questão que se coloca imediatamente é como dissuadir o terrorismo transnacional e apocalíptico, sem rosto, desterritorializado, e que visa a destruição e não a partilha do poder. Existem autores como Jeffrey Record que descrevem a guerra ao terrorismo como uma guerra de contraproliferação, com a finalidade de evitar a aquisição de ADM, especialmente o armamento nuclear por estados e não estados hostis (2004, 2).
Um dos factores trazidos à realidade pelo 11 de Setembro, consistiu segundo Henry Kissinger em mostrar ao mundo ocidental que “os pressupostos do mundo globalizado não se aplicam à porção do mundo que recorre ao terrorismo. Esse segmento parece motivado por um ódio de tal forma profundo pelos valores do Ocidente que os seus representantes se dispõem a enfrentar a morte e a infligir um grande sofrimento a inocentes na procura da destruição das nossas sociedades, em nome do que eles entendem como um choque de valores incompatíveis” (2003, 274). Ainda segundo Kissinger a chave da estratégia contra o terrorismo consiste em eliminar os seus santuários (2003, 274), como se verificou no Afeganistão.
A forma de actuação do “terrorismo catastrófico”47 poderá levar a que os governos democráticos assumam que, mais cedo ou mais tarde, se verificarão ameaças ou ataques reais de natureza apocalíptica, por esse motivo se devem desenvolver estruturas organizacionais renovadas e complexas (estratégia estrutural), que evitem a materialização dos planos terroristas, assim como para limitar os danos de um ataque (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003, 499).
Outro aspecto a ter em consideração diz respeito a que sempre que se intensificam as medidas de segurança, de certa forma estas tendem a colidir com as liberdades individuais de cada cidadão, onde a fronteira entre o privado e o público se torna por vezes demasiado ténue, o que implica sempre por parte dos governos democráticos algum cuidado na sua implementação, no entanto será um pouco o preço a pagar para se atingirem resultados palpáveis na prevenção de actos terroristas.
Segundo o CorTir Rodrigues Viana no caso do terrorismo internacional, “a dissuasão dos que se envolvem, ou dão cobertura a este tipo de actividades criminosas, não se esgota em acções militares e requer um quadro efectivo de cooperação internacional multifacetada. Contudo a dissuasão passará, forçosamente, pela capacidade de prever, o que dá relevo à informação estratégica, pela capacidade de reduzir vulnerabilidades, de negar alvos, protegendo‑os, e pela demonstração da determinação em actuar sobre os potenciais agressores ou patrocinadores” (2003, 101).
É neste sentido que a Directiva Ministerial de Defesa Militar de 2002 (DMDM/02) nos dá uma orientação extremamente correcta e onde a dissuasão se “materializa pela antecipação e reacção, ou seja pela capacidade de prever, através da informação estratégica, pela capacidade de negar alvos, através da sua efectiva protecção e, por último, pela capacidade de actuação imediata sobre o agressor e os seus patrocinadores ou apoiantes” (DMDM/02, 3).
Relativamente à questão colocada sobre a possibilidade de dissuadir um grupo não estatal de utilizar ADM devemos considerar que o terrorismo não é um fenómeno novo, desde sempre as civilizações têm conseguido vencê‑lo. Os terroristas suicidas são apenas os peões, os líderes provavelmente não terão essa mesma determinação. A sua anulação física será uma das formas de destruir a força anímica da organização. No entanto o seu carácter transnacional obriga a que as respostas para a sua erradicação devam surgir de uma conjugação de esforços de índole multinacional, fruto de uma atitude conjunta dos estados democráticos, alicerçada numa vontade férrea de não ceder perante actos terroristas de carácter violento e hediondo, negando‑lhe liberdade de acção, prevendo e evitando que realize os seus actos de destruição.
Conclusões
O ambiente estratégico actual define‑se por uma relação de poderes unipolar, resultante da supremacia nos vários quadrantes, militar, político, económico e tecnológico por parte da potência hegemónica dos EUA. Após a implosão da URSS assistiu‑se a uma acentuada fragmentação geopolítica, devida à libertação de tensões de ordem religiosa, étnica, social, anteriormente contidas pela dinâmica bipolar. A globalização económica e financeira, assim como a comunicação social, tornaram o planeta mais pequeno, aproximando as pessoas com todos os benefícios e consequências daí decorrentes.
Os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, confirmaram a ideia de que o mundo não estava mais seguro e que novas ameaças, também elas globais, conferem uma nova face ao Sistema Internacional.
As ameaças principais identificadas são os estados párias ou iníquos e os grupos não estatais (terrorismo transnacional) com acesso potencial a ADM.
A anterior concepção de dissuasão tinha sido fruto da arma “absoluta”, assim dissuasão era sinónimo de dissuasão nuclear. A dissuasão nuclear continua a ser importante devido ao facto de cada vez mais estados possuírem ADM, mas não é dissuasora, por excesso, de outros fenómenos da conflitualidade actual.
As acções preemptivas e preventivas, casos da intervenção no Afeganistão e Iraque pelos EUA, são uma das modalidades de acção possíveis, devendo ser ponderadas numa perspectiva de reforço da credibilidade da dissuasão e não como o ponto central da estratégia dos estados.
Assim as principais linhas de força de renovação no conceito de dissuasão devem incidir sobre a necessidade de:
– Alargar o seu espectro de actuação, a ameaça não é só nuclear, são os estados párias e o terrorismo;
– Conjugar o seu emprego com as outras formas de acção estratégica, persuasão/influência, indução, preempção/prevenção formando uma grande estratégia de segurança de um Estado;
– Utilizar a dissuasão geral de forma a conseguir a auto‑dissuasão;
– A forma de utilizar a dissuasão deve ser específica, distinta para cada situação.
Em relação ao terrorismo:
– Desenvolver uma política de contra terrorismo eficaz baseado num esforço de prevenção, combinando acção policial, militar, apoiada por um serviço de informações estratégico multinacional e multidisciplinar;
– Actuar sobre os governos que apoiem o terrorismo;
– Ameaças credíveis aos líderes terroristas.
Renovar as estruturas de segurança (estratégia estrutural) no sentido de combater eficazmente o terrorismo. Para uma ameaça global devem ser dadas respostas globais. A constituição de uma coligação pluridisciplinar contra o terrorismo de índole internacional, desenvolvendo um esforço continuado de prevenção, conjugado com acções policiais e militares e apoiado por um sistema de informações estratégico a nível mundial.
A opção por uma atitude de desencorajamento como um complemento essencial da dissuasão que, pela sua multidisciplinaridade, militar, política, económica e tecnológica, auxilie a atacar as causas e não só os problemas. Atingir este propósito só será possível mediante uma actuação concertada e colectiva de forma a persuadir o grupo alvo das vantagens da cooperação internacional.
As forças convencionais (dissuasão convencional) assumem actualmente um papel primordial na credibilidade da dissuasão, visto serem as mais apropriadas para combater as novas ameaças, para as quais a dissuasão nuclear não se constituiu como instrumento adequado. As forças convencionais constituirão o meio por excelência no esforço principal de prevenção e retaliação o que implica que devem possuir uma maior flexibilidade de emprego, uma adequada preparação para guerras prolongadas no tempo, enfrentando adversários “transformáveis”, hoje simétricos, amanhã assimétricos.
Em relação às ADM, diminuir o seu valor desenvolvendo o sistema de defesa balística (estratégia genética) e apostar na credibilidade através da vontade expressa de retaliação esmagadora. O facto de o espectro de uma confrontação entre as grandes potências ser de muito baixa probabilidade, leva a que os conflitos do nível nuclear admissíveis sejam entre uma potência nuclear regional e uma superpotência nuclear, admitindo‑se que o perigo de escalada seja reduzido em virtude da diferença de potencial nuclear em jogo. A superpotência dispõe de capacidade de destruição esmagadora, ao passo que a potência regional arrisca a sua total destruição caso insista na utilização de meios nucleares ou de ADM.
Lista de Abreviaturas
ADM – Armas de Destruição Maciça
ABM – Anti‑Ballistic Missile Treaty
CEDN – Conceito Estratégico de Defesa Nacional
CEM – Conceito Estratégico Militar
CorTir– Coronel Tirocinado
DMDM – Directiva Ministerial de Defesa Militar
DoD – Department of Defense
EAU – Emiratos Árabes Unidos
EUA – Estados Unidos da América
ICBM – Intercontinental Ballistic Missile
TCor – Tenente‑Coronel
MGen – Major‑General
TGen – Tenente‑General
Gen – General
IAEM – Instituto de Altos Estudos Militares
Inf – Infantaria
MAD – Mutual Assured Destruction
Maj – Major
MDN – Ministério da Defesa Nacional
NATO – North Atlantic Treaty Organization
NMD – National Missile Defense
NRP – Nuclear Policy Review
NSCWMD – National Security Combat of Weapons of Mass Destruction
NSS – National Security Strategy
ONU – Organização das Nações Unidas
SDI – Strategic Defense Initiative
SDJOC – Strategic Deterrence Joint Operations Concept
SLBM – Submarine Based Ballistic Missile
TMD – Theater Missile Defense
UE – União Europeia
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
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___________
* O presente trabalho de investigação foi elaborado como tese de dissertação final do Curso de Estado‑Maior 2003/2005 no Instituto de Altos Estudos Militares do Exército Português, recentemente extinto. Este trabalho de investigação foi posteriormente revisto e adaptado tendo como objectivo a sua divulgação, não constituindo doutrina nem representando a posição oficial de qualquer Instituição, mas sim apenas a do seu autor.
** Professor no Instituto de Estudos Superiores Militares, colocado na Área de Ensino Específica do Exército, sendo responsável pelo Gabinete de Infantaria.
___________
1 Kissinger, Henry A. 1966.
2 Ou Estratégia Total.
3 US Department of Defense. – Strategic Deterrence Joint Operations Concept. (2004). p. 3.
4 MAD = Mutual Assured Destruction, teoria que assinalava um abandono deliberado da racionalidade da teoria estratégica ao basear a defesa na ameaça do suicídio.
5 Bush, George W. – Discurso na Universidade de Defesa Nacional dos EUA, 1 de Maio de 2001.
6 Também é utilizada a terminologia reassurance.
7 O termo influenciar é da minha responsabilidade e utilizado para clarificar o conceito.
8 O objectivo é fazer com que o adversário chegue à conclusão de que seria inútil competir na aquisição de capacidades militares. No número de Maio/Junho de 2002 da Foreign Affairs, o Secretário da Defesa dos EUA Donald Rumsfeld descreve a lógica do conceito dando um exemplo. “Devemos desenvolver novos meios, cuja mera posse desencoraje os adversários de competir”, acrescentando ainda: “Por exemplo, a instalação de defesas anti‑mísseis eficazes pode persuadir outros a não investirem na compra de mísseis balísticos, evitando assim que estes possam efectuarem chantagem nuclear sobre os EUA e seus aliados”.
9 Department of Defense of USA – Dictionary of Military and Associated Terms Joint Pub 1‑02. Deterrence — “The prevention from action by fear of the consequences. Deterrence is a state of mind brought about by the existence of a credible threat of unacceptable counteraction”.
10 Citando Patrick M. Morgan. – Deterrence a Conceptual Analysis. pp. 28‑43.
11 Homeland Security, vertida no documento National Security Strategy de 2002.
12 S. Cimbala refere que “The United States is now the only state capable of global nuclear and conventional military power projection”.
13 Este facto é importante porque obrigou os EUA a procederem, naquilo que o General Loureiro dos Santos classificou como inversão estratégica na política unilateral seguida no Iraque relativamente aos outros actores do sistema internacional.
14 Expressão utilizada por Bernard Brodie para definir a arma nuclear no seu livro Absolut Weapon.
15 Citado em Dougherty, James E. e Pfaltzgraff, Robert L., Jr; 2003, p. 441.
16 Kissinger, 2003, p 59; SDI: Strategic Defense Initiative.
17 Segundo Dougherty e Pfaltzgraff, 2003, p. 501: em virtude do envelhecimento da maciça força nuclear estratégica herdada da doutrina soviética, a Rússia procede a uma renovação do seu arsenal, tendo recentemente apresentado um novo ICBM, prevendo‑se que esta a breve trecho venha a dispor de uma força estratégica modernizada mas consideravelmente reduzida. Outro aspecto importante a realçar deve‑se ao facto de a Rússia atribuir actualmente uma maior importância às forças estratégicas nucleares em virtude da deterioração das suas forças militares convencionais.
18 “Parity relationships, when coupled with high war costs, are specially peaceful”.
19 Após o desmembramento da ex‑URSS, parte do arsenal nuclear soviético encontrava‑se disperso pelas suas repúblicas. Esta situação contemplava vários riscos, o primeiro dos quais consistia na dispersão dos centros de decisão com poder de utilização dessas ogivas nucleares, criando um sério problema de controlo, ao contrário da sua anterior centralização na governação soviética; outro risco prendia‑se com a possibilidade desse armamento ser desviado e comercializado pelas redes de crime organizado ou pelos próprios governos dada a situação económica dos mesmos, daí a importância extrema que estes meios voltassem a ficar sob o controlo centralizado da governação russa.
20 Veja‑se o caso da China e do desenvolvimento do seu programa espacial, o que deixa entender uma preocupação acentuada com a pesquisa e desenvolvimento tecnológico, o que acrescido ao facto de ser uma potência detentora de armamento nuclear e se lhe juntarmos a tecnologia de projecção a longa distância, poderá indiciar um salto qualitativo nas suas capacidades nucleares.
21 Após a revisão do Conceito Estratégico da Aliança em 1999.
22 Entenda‑se por “status quo” uma situação de estabilidade e paz no Sistema Internacional.
23 A fidelidade da comunicação era um dos factores considerados fundamentais pelo TenGeneral Cabral Couto para a Estratégia de Dissuasão.
24 No original: “friction”.
25 The National Security Strategy of the United States of America, September 17, 2002.
26 The National Security Strategy of the United States of America, 17 de Setembro de 2002. National Strategy to Combat Weapons of Mass Destruction, Dezembro de 2002, Nuclear Policy Review (NPR), 2002, National Strategy for Combating Terrorism, Fevereiro de 2003.
27 As últimas conversações bilaterais decorreram em Maio de 2002, tendo os Presidentes George W. Bush e Vladimir Putin assinado o Tratado de Redução de Estratégia Ofensiva (Strategic Offensive Reductions Treaty) – o Tratado de Moscovo – onde acordaram a redução de manterem no exterior (operationally deployed strategic offensive warheads) apenas 1 700 a 2 200 ogivas nucleares no ano de 2012.
28 Non‑nuclear strike forces incluem: Conventional Forces, Information Operations (IO) and Special Operations forces (SOF), segundo o relatório da Conferência no Los Alamos National Laboratory. National Security, science and technology: Issues for Nuclear and Conventional Forces. 28 Abril – 2 Maio de 2003.
29 Capacidade ISTAR: Intelligence, Surveillance, Target Acquisition and Reconnaissance.
30 O Tratado Anti‑Ballistic Missile – ABM, foi assinado em 1972 entre os EUA e a URSS, materializando a limitação do número de bases e de mísseis anti‑mísseis que cada um poderia possuir.
31 Santos, Loureiro. Entrevista em 29 de Setembro de 2004.
32 Sobre este assunto o General Loureiro dos Santos entrevistado em 29 de Setembro de 2004, confirma que essa foi uma hipótese que levantou, mas a carecer de confirmação.
33 Robinson, C. Paul – Is There a Purpose for Deterrence After the Cold War? p. 6. Explicita o aviso feito por George Bush a Saddam Hussein, em Janeiro de 1991 antes da Operação “Desert Storm”, declarando “the United States will not tolerate the use of chemical or biological weapons” e ainda que: “The American people would demand the strongest possible response. You and your country will pay a terrible price if you order unconscionable acts of this sort.”.
34 Aula de Estratégia ao CEM 03‑05.
35 US National Security Strategy, p.2: “The United States will, if necessary, act preemptively to prevent rogue states or terrorists from threatening or using weapons of mass destruction (WMD) against the United States and allies”.
36 Gray, Colin. 2001. p. 104. Transmite‑nos a ideia de que o conhecimento sobre o que funcionou na dissuasão no período da Guerra‑Fria continua a não passar de uma série de conjecturas. Isto é será que a dissuasão funcionou realmente?
37 Consideramos como grandes potências: os EUA, a Rússia, o Reino Unido, a França, a China, a Alemanha e o Japão.
38 Exceptuando a China que adopta a fórmula de um regime e dois sistemas.
39 A expressão empregue por Colin Gray é trigger‑happy.
40 Gray, Colin. 2003. p. 28. Apresenta as ideias de Ralph Peters em que este distingue entre terrorismo “prático” e o “apocalíptico”, o primeiro segue uma agenda de propósitos a atingir, para o segundo a destruição é um fim em si mesmo. Acrescenta que os primeiros podem ser controlados os segundos devem ser mortos, sobre esta apreciação final, Gray aceita‑a mas entende que mesmo no caso do terrorismo apocalíptico existem vários aspectos que podem ser alvo da dissuasão.
41 Neste momento apenas estamos a considerar as ameaças mais prováveis, isto é a ameaça de utilização de ADM por estados párias ou organizações terroristas transnacionais (não estatais). No entanto as armas nucleares na posse das potências nucleares reconhecidas como tal, não deixaram de existir, apenas se atribui uma probabilidade baixa à hipótese de serem utilizadas, no actual ambiente estratégico.
42 Esta postura dependerá de uma postura concertada a nível dos governos democráticos, no sentido de não cedência às exigências e motivações do terrorismo apocalíptico. A reacção do governo espanhol de Zapatero, ao retirar as suas forças do Iraque após os atentados de 11 de Março de 2004, deu força às organizações terroristas, dando um rude golpe na luta contra o terrorismo transnacional.
43 Roberts, Brad. – Nuclear Multipolarity and Stability. Institute for Defense Analyses. November 2000. USA. p. S‑1. “At the major power level, bipolarity is giving way to a more tripolar dynamic. This is driven by the simultaneous re‑embrace of nuclear weapons in Russian politicalmilitary strategy, Chinese strategic modernization, and the movement by the United States to deploy ballistic missile defenses”.
44 Relembremos que Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Austrália aderiram ao projecto norte‑americano. Não será difícil identificar o significado do Japão ter capacidade para deter um ataque nuclear da China ou Coreia do Norte, ou a Coreia do Sul deter um ataque do seu vizinho do Norte e Taiwan ter capacidade para deter um ataque da China. Este facto por si só poderá provocar um cataclismo nas relações entre estes Estados a nível regional com repercussões a nível mundial.
45 International Secretariat, NATO Parliamentary Assembly. – The iraqi crisis and its impact on the alliance November 2003.
46 Colin Gray cita o Contra‑Almirante J.C. Wylie da marinha dos EUA: “the ultimate determinant in war is the man on the scene with a gun. This man is the final power in war. He is control. He determines who wins. There are those who would dispute this as an absolute, but it is my belief that while other means may critically influence war today, after whatever devastation and destruction may be inflicted on an enemy, if the strategist is forced to strive for final and ultimate control, he must establish, or must present as an inevitable prospect, a man on the scene with a gun. This is the soldier”.
47 A Al Qaeda actua deliberadamente de forma diferente, não utilizando um padrão para as suas acções, o que a diferencia, e lhe confere uma maior capacidade de êxito e de resistência à detecção, como referido em Bruce Hoffman, Redefining Counterterrorism The Terrorist Leader as CEO (Chief Executive Officer) in RAND Review Spring 2003. Hoffman é director da delegação da RAND em Washington director executivo do Centro de Análise sobre o Médio Oriente, é considerado uma das maiores autoridades no estudo do fenómeno do terrorismo.