Andrew Patrick Traumann
O objetivo deste artigo é analisar como a Revolução Iraniana de 1979 foi noticiada pela imprensa escrita brasileira. Por meio de pesquisas realizadas nos arquivos da Editora Abril, em que foram consultados jornais como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, entre outros, além da revista Veja, buscamos observar se houve necessariamente o que poderíamos chamar de “visão brasileira” do processo, ou se a imprensa nacional apenas reverberou conceitos e preconceitos das agências de notícias internacionais. É importante lembrar de que este é um trabalho em progresso, em que teceremos considerações preliminares sobre o processo que culminou na instauração de uma República Islâmica no Irã.
“Revoluções são como febre” escreveu o norte-americano Crane Brinton, professor da Universidade de Harvard, em seu clássico “The Anatomy of Revolution”, (BRINTON, 1965, P.18) A fase inicial é marcada por alta temperatura e delírios. Na segunda fase, a temperatura diminui e há uma longa convalescença. E finalmente há a recuperação e a volta à saúde normal. O elemento religioso, onipresente na Revolução Iraniana não é novo, pois, em menor ou maior grau estava presente em vários movimentos históricos como a Reforma, o Renascimento e, senão de forma direta, no fervor e na ética dos jacobinos franceses. No caso da Revolução Iraniana, a fase do delírio é marcada pela execução sumária de contra-revolucionários e membros do antigo regime, além da célebre tomada da embaixada norte-americana em Teerã, que durou quatrocentos e quarenta e quatro dias. Além do já citado livro de Brinton, na parte teórica deste projeto, fiz uso de textos que se reportam à área historiográfica conhecida como História do Tempo Presente. Dentro do livro “Usos e Abusos da História Oral”, organizado por Janaína Amado e Marieta de Moraes Ferreira, utilizei o texto de Luísa Passerini, intitulado “A ‘lacuna’ do presente”, em que a autora discorre sobre os “marcos históricos” de diversas nações, como o ano de 1789 para a França e o de 1936 para a Espanha. A Revolução Iraniana de 1979, é, sem sombra de dúvida, um divisor de águas na história do País, ainda mais tendo em vista que, segundo dados estatísticos, cerca de sessenta por cento da população do país tem menos de trinta anos, e portanto, nem se recorda da ditadura do xá e jamais viveu em um outro regime que não seja o vigente. Assim como na parábola de Kafka citada por Passerini, o presente iraniano tem sido empurrado de lá pra cá pelo seu passado e pelo seu futuro, muitas vezes indeciso entre a questão ideológica de manter vivos os ideais de uma Revolução realizada há mais de duas décadas e o desafio de se manter política e, sobretudo, economicamente viável no processo de globalização.
Lidar com a história do tempo presente é, com certeza, uma experiência interessante, pois aquele que produz o texto vivencia o momentum em que o processo histórico está sendo deflagrado. Claro que no caso deste trabalho, por se tratar de um regime instável como o iraniano, corre-se o risco de se perder a atualização dos fatos, já que a Revolução ainda está em curso e o período de convalescença que vive não exclui totalmente uma recaída ao estado febril. Mas como diz François Bedarida em seu texto “Tempo presente e a presença da História”:
A história do tempo presente é, por definição, uma história inacabada: uma história em constante movimento, refletindo as comoções que se desenrolam diante de nós sendo, portanto, objeto de uma renovação sem fim. (P.229).
Segundo Pierre Nora, em sua entrevista à Jean Jacques Brochier, inclusa no livro A Nova História,
...não existe o pseudo-acontecimento. É o próprio acontecimento que, em relação à História Tradicional, mudou de natureza, por causa da transformação operada pelos mass-media. (...) Outrora, num sistema de informações tradicional, passavam-se coisas que não afetavam profundamente a vida das massas, ou estas massas não sabiam que essas coisas afetavam profundamente as suas vidas, ou então ninguém lhes prestava atenção. (...) O nascimento e o desenvolvimento dos mass-media alterou completamente a estabilidade do sistema: aquelas três instancias agora não são mais que uma. (...) Não há acontecimento sem os media. (Nora, 1977, p.46).
Atualmente, a informação é adquirida primeiramente de modo visual, ligado às imagens e apenas posteriormente podem ser acrescentadas análises mais profundas do acontecido. A chegada do Homem à Lua, por exemplo, está indelevelmente ligado às imagens do desembarque dos astronautas.
O que Nora nos diz é que nas outras divisões tradicionais da historiografia francesa (História Antiga e Moderna), o acontecimento histórico só se tornava um marco, porque os historiadores assim o decidiam, em função do que determinado fato pudesse ter provocado. Na História Contemporânea, no entanto, o historiador perdeu o controle sobre o que é acontecimento. Devido ao grande fluxo de informações existente, o fato, por si só, se impõe ao historiador. (NORA, 1977, p.49). Hoje, o historiador interpreta o mundo juntamente com outros profissionais como sociólogos e geógrafos e seu diferencial está em fornecer explicações plausíveis aos problemas colocados,pois devido à enorme torrente de informações o público sente a necessidade de compreensão imediata dos fatos e de entender suas raízes históricas (NORA,1977,p. 48). Atualmente, somos diariamente bombardeados com os mais diversos tipos de conhecimentos, úteis ou inúteis, principalmente através da TV e da internet. O ambiente tecnológico do final do século XX criou percepções de tempo e espaço inéditas na história humana. Nunca foi tão fácil informar-se sobre o que se passa nos recônditos mais distantes do planeta. Após a Guerra do Golfo,em 1991,em que a rede de TV norte-americana CNN transmitiu pela primeira vez uma guerra ao vivo, a tradicional imprensa escrita precisou adaptar-se a um novo tipo de leitor, mais acostumado a receber informações através de imagens, e com menos paciência para textos demasiadamente longos. Segundo José Arbex Jr., autor da tese de doutorado “Telejornovelismo (Mídia e História no contexto da Guerra do Golfo)”,
À exceção de poucos jornais e revistas, a imprensa escrita adotou uma série de procedimentos destinados a “competir com a TV” (textos curtos, parágrafos pequenos, letras em corpos garrafais, fotos coloridas) de tal forma que o leitor não se sinta “cansado” e possa ler de maneira mais rápida e cômoda possível.Assim, o leitor do jornal está exposto ao impacto da televisão,mesmo que não assista á televisão.(Arbex,2000,p.16)
No entanto, paralelo a todo esse desenvolvimento tecnológico, ocorreu uma grande concentração de poder nas mãos de alguns conglomerados de mídia, que determinam ao leitor o que é ou não notícia, e se for, como esta será transmitida ao leitor ou telespectador. Ao contrário do que muitos esperavam a popularização da TV á cabo, não levou a um jornalismo mais independente, mas apenas o domínio desta pelas grandes corporações de mídia. Ainda segundo Arbex,
A mídia cria diariamente a sua própria narrativa sobre o mundo e a apresenta aos telespectadores - ou aos leitores de jornais – como se essa narrativa fosse a própria história do mundo. Os fatos, transformados em notícia, são descritos como eventos autônomos, completos em si mesmos. Os telespectadores, passivamente embalados pelo “estado hipnótico” diante da tela de TV, acreditam que aquilo que vêem é o mundo em estado “natural”, é “o” próprio mundo. (Arbex, 2000, p.67)
Um bom exemplo disto é o conflito entre israelenses e palestinos. Cada ação perpetrada por grupos extremistas palestinos é visto como não tendo uma motivação palpável, uma origem histórica que a desencadeasse ou que esta motivação fosse apenas o “fanatismo” ou a “loucura” característica dos “fundamentalistas” islâmicos. A visão palestina raramente é mostrada, como a ocupação que já dura trinta e sete anos, a política de repressão de direitos civis, a instalação de postos militares que impedem a livre circulação da população em seu próprio território e a desobediência às resoluções da ONU, que ordenam a retirada israelense dos territórios ocupados. Todos estes fatores são omitidos do telespectador ou leitor na transmissão da notícia Israel é invariavelmente retratado como uma vítima, um pequeno país cercado de inimigos que apenas se defende. Segundo Carlos Dornelles, autor de Deus é inocente, sobre a cobertura da imprensa nos conflitos do Oriente Médio.
Cabe aqui lembrar o tipo de linguagem ideológica utilizado pela imprensa para descrever os conflitos. Todo ataque de Israel é considerado “retaliação” ou “resposta” ou “reação”. Para os palestinos, a definição oficial é “atentado”, como se não houvesse o menor motivo para uma retaliação contra a ocupação ou contra os ataques israelenses. (Dornelles, 2002, p.240)
A análise de Dornelles é um bom exemplo de como a mídia muitas vezes interpreta uma notícia de acordo com os interesses norte-americanos na região. Veremos adiante que Saddam Hussein já foi aliado dos Estados Unidos, e, na época, mesmo já sendo um ditador cruel para seu povo, era poupado pelas agências de notícias internacionais.
Contudo, para uma melhor análise dos acontecimentos no Irã e para inteirar o leitor do contexto histórico da época, faz-se necessária uma breve retrospectiva histórica do processo.
Por sua posição geográfica estratégica, entre o Oriente e o Ocidente, e por suas riquezas naturais, o Irã foi alvo de diversas invasões ao longo de sua História, desde os antigos gregos, liderados por Alexandre, o Grande, passando por árabes, mongóis e turcos, até a Inglaterra. Este contato com outros povos proporcionou aquisições a adaptações culturais importantes, como a religião islâmica trazida pelos árabes, a medicina judaica e o uso do inglês como segunda língua.
O Irã é particularmente único. Ao lado do Iraque é um dos únicos países islâmicos de maioria xiita, e o único formado por arianos. Etnicamente, está entre árabes, asiáticos e indo-afegão-paquistaneses. O Tadjiquistão, único país além do Irã a usar o idioma farsi, é sunita, ou seja, faz parte da vertente majoritária do Islã.
No século XX, Rússia e Reino Unido dividem o território em áreas de influência. A dinastia dos Pahlevi surgiria em 1921, quando o general Reza Khan derruba o último sultão Kajar, e proclama-se rei (xá, em farsi). Foi Reza Khan quem, em 1935 batizou o país com seu nome atual, Irã, já que até então seu território ainda era denominado Pérsia. A mudança de nome é uma clara alusão à origem indo-européia daquele povo. Em 1941, o xá é forçado a abdicar por forças inglesas e soviéticas devido à sua simpatia pelo nazi-fascismo. Em seu lugar assume seu filho Mohamad Reza Pahlevi, que logo perde o poder numa eleição democrática para o primeiro-ministro Mohamad Mosadegh, que em 1953, nacionalizou as companhias petrolíferas. Tal medida incomodou de sobremaneira as potências imperialistas, nem um pouco interessadas em qualquer movimento que pudesse levar á independência de seus protetorados. O serviço secreto inglês, juntamente com a CIA americana, tramou e executou um golpe militar para alçar Pahlevi novamente ao poder. Este episódio, conhecido como “Crise de 53” provoca, na maior parte dos iranianos, uma sensação de derrota e humilhação frente à Comunidade Internacional.
Em 1962, o agora xá Reza Pahlevi anuncia a implantação da chamada Revolução Branca, baseada no capitalismo de Estado, na abolição de formas semifeudais de distribuição de renda e de uma popularização do ensino. O xá passa a cortejar os Estados Unidos e a apoiar o Estado de Israel, obtendo assim, grande apoio do Ocidente, que o recompensava com pesados investimentos, mantendo a economia em bom funcionamento.Obviamente essas medidas não encontraram eco nas massas iranianas, solidárias à causa palestina.
O plano de desenvolvimento proposto por Pahlevi mostrou-se deficiente em longo prazo, pois beneficiava somente uma elite urbana em detrimento da maioria da população que vivia na zona rural, e que não possuía sequer luz elétrica ou água encanada. O governo, ao invés de reinvestir os lucros dos seus projetos em programas sociais, passou a investir em tecnologia militar de ponta, tornando-se, em pouco tempo, o maior comprador mundial da produção bélica americana. Assim, apenas aumentou o fosso entre a elite ocidentalizada e os pobres tradicionalistas. A conseqüência desta falta de apoio à agricultura, foi um grande êxodo rural, que em dez anos chegou quase a dobrar o número de habitantes da capital, Teerã. Esta mão-de-obra desqualificada para serviços urbanos, fixava-se nas periferias, inchando-as, evidenciando as abissais diferenças entre pobres e ricos, tanto econômica quanto culturalmente. A título de exemplo, às vésperas da Revolução,em 1979, apenas 1% da população concentrava 80% da renda privada do país. (Jornal do Brasil, 20/01/79).
O xá sabia que, para implantar sua revolução precisaria usar de métodos repressivos. Assim, instaurou um regime ditatorial e silenciou a oposição usando para isso sua polícia secreta, a Savak, que funcionava nos moldes do Mossad israelense. Embora tenha sido oficialmente criada como um grupo de contra-espionagem, suas principais táticas eram a tortura e a intimidação, fazendo com que os opositores do regime se sentissem como prisioneiros em seu próprio país, e ainda com a conivência dos Estados Unidos e de Israel. Os intelectuais iranianos mostravam-se preocupados, pois tinham consciência de que a modernização ocorrera depressa demais, e o iraniano médio sentia-se desorientado. O filósofo Ahmad Fardid cunhou o termo “ocidentoxicação” (ARMSTRONG, 2001, p.277-279) para descrever o sentimento geral. Não que estes intelectuais não se sentissem atraídos pelos valores democráticos ocidentais, mas não sabiam como adaptar esses valores ao Irã, sem perder a identidade cultural e a soberania política e econômica.
Em 1973, ocorreu a crise do petróleo, que provocou uma terrível inflação no país, levando ao desemprego mais de um milhão de iranianos, além de levar à falência muitos comerciantes que não conseguiram suportar a concorrência estrangeira no mercado. Em 1977, pela primeira vez a inflação passa a afetar também a classe média. Nesse contexto surgiram dois grupos guerrilheiros, o marxista Fedayin-e-Khalk, e o islâmico Mujahedin-e Khalk, que passam a praticar atentados contra militares e consultores americanos. O ressentimento contra os americanos era enorme, pois pareciam lucrar com o caos no país. O Fedayin-e-Khalk era ligado ao Tudeh Party of Iran (TPI), ou Partido Popular do Irã em português, que nasceu das cinzas do Partido Comunista Iraniano, fundado em 1920, e duramente perseguido por Reza Shah. O Tudeh se formou em 1941, aproveitando o breve vácuo de poder criado pela derrubada de Reza Shah pelos ingleses, após este ter cedido bases iranianas a Hitler quando os alemães atacaram a URSS. Os comunistas iranianos foram beneficiados pela libertação de presos políticos, entre eles, muitos membros de seu partido. Os principais ideais do grupo que nascia eram lutar pela soberania do país, pela reforma agrária, por uma reforma no sistema tributário e pelo confisco dos bens de Reza Shah em favor do povo iraniano. O partido teve também papel ativo no apoio ao governo nacionalista de Mossadegh no início da década de 50, e na resistência ao governo entreguista de Pahlevi.
Na Revolução Iraniana, o Tudeh foi de grande importância na mobilização e conscientização das massas, distribuindo panfletos, criando um jornal próprio (“Navid”) e realizando palestras onde lembravam o povo da necessidade de viver em um país realmente soberano, e que para isso, segundo o partido, o xá deveria ser derrubado e as empresas do país, nacionalizadas.
Com a oposição de religiosos e marxistas o regime do xá tornava-se cada vez mais autoritário e repressor. Muitos iranianos buscaram ajuda nos ulemás (líderes religiosos), embora estes se mostrem receosos em se envolver, ou por medo, ou por não acreditar que alguma mudança fosse possível. O aiatolá Ruhollah Khomeini, que havia sido preso em 1963, devido ás suas idéias, consideradas subversivas pelo regime, e que vivia então exilado no Iraque, torna-se o maior símbolo da resistência á tirania do Xá. Quando estudantes fizeram um protesto, em 1975, para lembrar a prisão de Khomeini, a polícia invadiu a madrasah (escola religiosa) Fayzyya e atirou um estudante do telhado, matando-o. Em seguida, fechou a escola, numa evidente demonstração que o xá não aceitaria qualquer tipo de oposição. Com este ato, Pahlevi só fez crescer sua fama de inimigo da religião e aumentou a popularidade de Khomeini.
Em 1977, Jimmy Carter ascende á presidência dos EUA, e inicia uma campanha pelos direitos humanos. Ao tomar conhecimento de um relatório da Anistia Internacional sobre os tribunais e prisões iranianas, convence o governo iraniano a afrouxar a censura, resultando numa onda de publicações de teor oposicionista oriundas de quase todas as camadas sociais.
Porém, ainda não existia clima de revolução. Apesar da maioria dos religiosos manterem-se em silêncio, os intelectuais promoviam leituras de textos francamente hostis ao governo no Instituto Goethe de Teerã. Mas a trégua foi curta. Em três de novembro de 1977, o filho de Khomeini, Mustafá, morre envenenado no Iraque. As principais suspeitas recaem sobre a Savak. Multidões choraram a morte do filho de Khomeini, mas ainda não havia sinal de levante generalizado. No dia 13 do mesmo mês, Pahlevi viajou aos EUA, onde se encontrou com Carter. Na virada daquele ano, Carter retribuiria a visita, e chegaria à Teerã em péssima hora. O xá havia acabado de proibir as manifestações de pesar por Mustafá, que segundo a tradição xiita deveriam acontecer 40 dias após a morte da pessoa. Ao visitar o país nessas circunstancias para demonstrar apoio ao governo, Carter assumiu claramente o papel de inimigo. Os iranianos não conseguiam compreender como o presidente americano, que se apresentava como um cristão praticante podia apoiar um governante que reprimia e torturava seu próprio povo.
No começo do ano seguinte, Pahlevi comete um erro grosseiro: manda distribuir um panfleto que absurdamente acusava Khomeini de trabalhar para o Serviço Secreto Inglês, além de por em dúvida sua integridade moral.
Quatro mil estudantes saem ás ruas em protesto exigindo liberdade de expressão, a reabertura da madrasah Fayzyya, a libertação de presos políticos e o retorno de Khomeini. O que obtém, em troca, é a violência: a polícia abre fogo contra a população desarmada matando 70 pessoas. Foi o começo do fim para o xá.
Era o estopim da revolução. Se antes a oposição era liderada por intelectuais e acadêmicos, agora os ulemás tomavam a linha de frente. Entre junho e julho o xá, pressionado, prometeu eleições livres e a volta do pluripartidarismo, medidas que acalmaram especialmente os intelectuais,que deram a luta por vencida. Mas um incêndio criminoso atribuído à Savak ocorrido num cinema da cidade de Abadan, que resultou na morte de cerca de 400 pessoas reacendeu as chamas da revolução, que agora era irrefreável. Em quatro de setembro, ocorreu uma grande marcha pacífica no centro de Teerã, em que os manifestantes oferecem flores aos soldados. Pela primeira vez nem um tiro foi disparado e a manifestação contou com a participação da classe média. Finalmente abandonado pelas classes mais abastadas, o xá numa medida desesperada decide proibir qualquer tipo de aglomeração. Os manifestantes ignoraram a lei marcial e o que ocorre em seguida foi um verdadeiro massacre: 900 pessoas foram mortas pela polícia. A comoção toma conta de todo o país e os operários da indústria petrolífera decidiram cruzar os braços. O xá ficou cada vez mais isolado. Khomeini, que havia sido expulso do Iraque a pedido do xá,e encontrava-se exilado em Paris, passa a coordenar da capital francesa as manifestações que se agigantavam e chegavam a atrair dois milhões de pessoas. A situação era absolutamente insustentável: as promessas do xá, já não recebiam crédito e sua saída começou a ser negociada.Finalmente o soberano do Irã percebe o absurdo de ter como principal inimiga sua própria população e deixou o país rumo ao exílio no Egito. Seus representantes, liderados por Shapur Bakhtiar, ainda fizeram um último esforço para manter-se no poder, dissolvendo a Savak e libertando presos políticos, mas viram-se forçados a tender a principal reivindicação popular, que era a autorização do retorno de Khomeini, que chega à Teerã em 01/02/79, onde foi recebido por um milhão de pessoas.
Ente todas as revoluções da História, a iraniana primou pela quase unanimidade da oposição à ordem reinante, já que cerca de noventa por cento da população colocou-se contra o governo Pahlevi. Ao contrário da Revolução Russa, comandada pelos bolcheviques, uma minoria dentro daquela sociedade, o levante no Irã mobilizou todos os setores sociais, desde os mais pobres até a elite. Este particular fez da Revolução Iraniana um dos mais importantes movimentos sociais do século XX.
A COBERTURA INICIAL:
Analisando os periódicos da época da Revolução notamos que, inicialmente o processo revolucionário contava com a simpatia da muitas pessoas, especialmente de setores da esquerda. A violência do regime do xá era amplamente divulgada, e de forma geral a imagem que se tinha era de que um movimento genuinamente popular havia chegado ao poder no Irã.Podemos perceber nas palavras da enviada especial á Teerã, Mara Pinheiro, do Jornal da Tarde, um certo ar de fascínio,quando ela descreve as manifestações.
A verdade é que nenhum dos jornalistas estrangeiros em Teerã jamais havia visto tanta gente reunida de uma só vez. Pois o que aconteceu nesses últimos dois dias na capital do Irã, ultrapassou todo e qualquer prognóstico. As dimensões das duas manifestações são tão gigantescas que qualquer paralelo com outra manifestação já vista torna-se impossível. [...] Uma cidade inteira nas ruas manifestando-se pacificamente. (Jornal da Tarde, 28/12/78)
A edição do Jornal do Brasil de 17/01/79, narrou assim a reação do povo iraniano à partida do xá:
A Rádio Irã anunciou a partida do xá no noticiário das 14 horas locais.Imediatamente milhares de pessoas saíram ás ruas, jogando balas, cravos vermelhos e beijos aos soldados.[...],enquanto todos os motoristas faziam soar as buzinas e acendiam os faróis de seus veículos gritando em coro: “O xá partiu, viva Khomeini!”.(idem).
Quando o regime cai definitivamente, o mesmo jornal, em sua edição de 25/02/79, o repórter parece de certa forma contagiado pelo espírito da revolução:
No dia 11 de fevereiro, naufragou definitivamente o efêmero governo de Shapur Bakhtiar, e com ele, o que restava do odiado regime do xá Reza Pahlevi. (idem).
Até a revista Veja que, como veremos adiante, se tornaria no Brasil a mais ferrenha crítica do regime de Khomeini, comentou a apoteótica chegada do aiatolá ao Irã, e a alegria do povo com o evento. No entanto, esta postura está claramente atrelada á posição norte-americana na época:
A recomendação do embaixador americano em Teerã, William Sullivan, seria a de deixar que o processo revolucionário seguisse seu curso; apoiar Khomeini, líder de um movimento que,em última análise,seria,apesar de tudo, basicamente,pacifista, e, dessa forma,se tentaria evitar uma confrontação em larga escala que poderia terminar beneficiando os marxistas.” (Veja,07/02/1979)
No âmbito internacional, especialmente na mídia francesa, a postura era francamente pró-revolução como atestam as seguintes manchetes:
“A abominável repressão no Irã”, de 30/01/1976, “O massacre dos manifestantes de Teerã”, de 11/09/78, ambas do Lê Monde ou a reportagem da revista Lundi, intitulada “Todo um povo contra o tirano”. Na edição do jornal francês sobre o massacre há uma irônica charge em que o xá, portando uma faca ensangüentada afirma: “Fiz isso para salvar a democracia.”
No entanto, os revolucionários assumiram um país falido, pois no fim da monarquia, pela absoluta impossibilidade de se tocar qualquer negócio, mais de três bilhões de dólares foram retirados do Irã. Além disso, assim que a revolução foi consumada surgiram as primeiras fissuras na coalizão oposicionista que conduzia a luta contra o xá.
E o confronto principal seria entre esquerda e religiosos. O jornal O Estado de S. Paulo fez uma análise bastante lúcida sobre como eram os frágeis e totalmente vinculadas ao momento a união entre os dois grupos.
A débil aliança formada entre os religiosos xiitas e os marxistas que integram a Frente Nacional, parece estar chegando ao fim. A decisão de Khomeini de excluir de seu “Governo Provisório Islâmico” tanto o líder da frente Karim Sandjabi, quanto os demais esquerdistas que o apoiaram na luta contra o xá, já está provocando manifestações de protesto e ira.[...]. O confronto e a cisão já eram esperados. Khomeini e seus seguidores se opuseram ao xá por este ter tentado ocidentalizar e industrializar o Irã, deitando por terra algumas tradições muçulmanas [...].Os líderes da Frente Nacional, por sua vez, decidiram lutar contra o soberano por ele ter se negado a promulgar reformas políticas e democráticas, por ter dado amplos poderes ao exército e à polícia secreta, e , finalmente por ter permitido a dilapidação dos cofres públicos. A única coisa que os religiosos e os políticos tinham em comum, era o ódio ao soberano. Com a saída deste do país, ressurgiram as velhas diferenças. (18/01/79)
A escritora norte-americana Robin Wright, em seu livro The Last Great Revolution, lembra que, a principio, Khomeini não reivindicava o exercício do poder (WRIGHT, 2000 p. 16). Pelo contrário, para perplexidade da mídia ocidental, assim que a euforia pelo seu retorno arrefeceu, Khomeini voltou á Faculdade de Teologia de Qom, onde lecionava antes de ir ao exílio. Pretendia deixar o poder nas mãos dos revolucionários. No entanto, o quadro muda assim que se começa a falar sobre a elaboração de uma constituição para o país. Os grupos revolucionários eram muito heterogêneos, e cada qual tinha sua visão para o que deveria ser o novo Irã. Alguns queriam o modelo francês, com um presidente forte, outros sugeriam outras mudanças, mas nenhum sequer citava o clero em suas propostas. Temerosos de serem marginalizados, ou mesmo excluídos do processo, seguidores de Khomeini conseguiram introduzir uma emenda que vetava certas candidaturas. Funcionou, e, assim, conseguiram a maioria. O poder do presidente ficou reduzido, pois ficaria abaixo do Líder Supremo, o Velayat-e Faqih, comumente chamado Faqih, cujos poderes eram enormes, com poder de veto até sobre o nome do comandante-em-chefe.
O poder foi dividido á moda ocidental, em executivo, legislativo e judiciário, mas para cada cargo havia outro, com poder ao menos equivalente exercido por um clérigo. No judiciário foram criados tribunais revolucionários para julgar, sempre a portas fechadas, pessoas acusadas de comportamento anti-revolucionário. No legislativo, os duzentos e setenta membros do parlamento estavam à sombra dos doze membros do Conselho dos Guardiões, que tinham poder de veto sobre leis consideradas anti-islâmicas.
A partir deste momento, o tom da imprensa em relação à revolução começa a mudar. A repressão aos anti-revolucionários e o modelo de governo que se configurava, nitidamente não ocidental, fez com que as primeiras críticas mais contundentes surgissem. No final de 1979, ocorreria algo que faria do regime iraniano um pária na comunidade internacional.
No dia quatro de novembro de 1979, cerca de quinhentos estudantes iranianos cercaram a embaixada norte-americana em Teerã, que consideravam um QG da contra-revolução, tomando como reféns cerca de cem pessoas, das quais cinqüenta e duas ficaram sob o poder dos estudantes durante exatos quatrocentos e quarenta e quatro dias. O estopim do seqüestro foi o fato dos EUA terem aceitado a entrada de Reza Pahlevi no país para o tratamento de um câncer, em setembro daquele ano. Muitos iranianos não acreditavam que o ex-soberano estivesse realmente doente, e temiam que sua entrada nos EUA, representasse uma nova tentativa de reconduzi-lo ao poder, como em 1953. Segundo entrevista concedida por um dos líderes do cerco, Ibrahim Asghrzadeh (WRIGHT, 2000, P.255) á Robin Wright, a principio, os objetivos dos estudantes eram limitados, pretendiam tomar a embaixada por três ou quatro dias no máximo. Mas o que os estudantes não esperavam era o apoio de Khomeini. Relatos dos reféns americanos são unânimes ao relembrar os rostos estupefatos dos estudantes,quando ao aiatolá apareceu na TV, dando sua “benção” à ocupação, chamando-a de “a segunda revolução”. Com esse gesto, Khomeini transformou um protesto estudantil em um ato de terrorismo de Estado, já que estava, em rede nacional, dando seu aval a um seqüestro, iniciando uma enorme crise internacional. Toda e qualquer simpatia que o Ocidente pudesse ter pela revolução se esvaiu neste episódio. A partir de então o processo revolucionário iraniano estaria definitivamente ligado aos termos “fanatismo” e “radicalismo” e a palavra “xiita”, que nada mais é do que um grupo minoritário dentro da religião islâmica se tornaria de uso corrente no Brasil, especialmente na mídia impressa para designar pessoas de posturas radicais.
Com a morte de Reza Pahlevi no Egito, em 1980 e a invasão do Iraque ao Irã os seqüestradores tornam-se mais receptivos à negociação. Carter, totalmente desgastado com o prolongamento da crise que já se arrastava há mais de um ano, perde as eleições para o ex-ator de filmes de faroeste, Ronald Reagan. Com a intermediação de diplomatas argelinos, o seqüestro chega ao fim, em 20/01/81, ironicamente no dia da posse de Reagan.
O IRÃ NA BERLINDA
Uma das mais longas e sangrentas guerras do século XX iniciou-se no final de setembro de 1980, quando o ditador iraquiano Saddam Hussein invadiu o Irã. O pretexto foi o repúdio, por parte do Iraque, ao acordo de Argel (1975), mediado pelo então secretário de Estado Henry Kissinger. O referido acordo definiu os limites dos dois países ao Shatt Al Arab (“Costa árabe”), um canal de duzentos quilômetros formado pela confluência dos rios Tigre e Eufrates e que passa entre os dois países. O Iraque alegava necessitar de uma saída para o mar, o que facilitaria o escoamento de sua produção de petróleo. A região abriga importantes instalações petrolíferas, tanto do Irã, quanto do Iraque. Saddam Hussein desejava voltar à situação anterior a 1937, quando o Iraque detinha soberania sobre a totalidade do curso de água. Outro motivo que levou Saddam a considerar que sua empreitada seria bem-sucedida era o enfraquecimento do exército iraniano, já que os principais generais e demais comandantes militares de alta patente do exército do Irã haviam sido executados pelos revolucionários. O ditador estimou que talvez jamais se repetissem condições históricas tão favoráveis para o Iraque árabe derrotar o antigo inimigo persa e com isso arrebatar para si o posto de senhor do Golfo Pérsico, vago desde a queda do xá. O momento também parecia propício para Saddam ocupar o papel de líder do mundo árabe, sucedendo o nacionalista egípcio Gamal Abdel Nasser, morto em 1970.
O conflito durou oito anos e matou cerca de um milhão e meio de pessoas, e feriu muitas mais, gerando ainda, milhões de refugiados. Do lado iraquiano pereceram por volta de 375.000 pessoas, enquanto que do lado iraniano mais de 300.000, além dos milhares de mutilados que, infelizmente, levariam para sempre as marcas desta guerra. No fim, nenhum dos motivos alegados para o início da guerra havia encontrado solução. As fronteiras entre os dois países permaneceram praticamente inalteradas.
A guerra Irã-Iraque, no entanto, pode servir como um exercício de observação de como a mídia pode construir a imagem de um aliado ou inimigo de acordo com o que pedem as circunstâncias. Analisando o conflito com o distanciamento que mais de duas décadas permitem, não deixa de ser curioso notar como o “inimigo” que toda potência hegemônica precisa ter para justificar o seu domínio pode mudar de rosto. Sabemos que, após a Guerra do Golfo de 1991, Saddam Hussein se transformou, na mídia e conseqüentemente no imaginário ocidental na mais completa tradução do que seria o “Mal Absoluto”, sendo inúmeras vezes comparado a ditadores como Hitler e sendo chamado de sanguinário,carniceiro,louco e outros adjetivos tão “abonadores” quanto.
No entanto, no começo da década de 1980, o “Mal” atendia pelo nome aiatolá Khomeini, e Saddam era o líder moderno e laico que poderia refrear a exportação da Revolução Islâmica que ameaçava os interesses econômicos do ocidente na região.
Em 01/10/1980, a guerra entre Irã e Iraque foi matéria de capa da revista Veja, a principal revista semanal de informação do país. Nesta matéria, Saddam Hussein, então aliado norte-americano, é descrito como “aguerrido” e sempre chamado de “presidente” e não de ditador, epíteto que se tornou inseparável de Saddam na mídia ocidental na década de 1990.
Segundo a cobertura da prestigiada revista, que hoje soaria irônica, “até os adversários mais ferrenhos admitem que Hussein talvez seja hoje em dia, o mais objetivo e pragmático líder entre os potentados árabe do petróleo.” (Veja, 01/10/80 p.36)
O citado periódico ainda revelava que o bilionário banqueiro David Rockefeller costumava passar horas em amistosa conversa com o ditador, descrito como “cavalheiro de maneiras educadas, impecáveis ternos de corte europeu, tem uma coleção de cachimbos Danhill e se locomove numa limusine Mercedes-Benz”. (idem, p.35). No decorrer da matéria o autor, cujo nome não é revelado quando a revista quer passar sua opinião, ainda tece loas ao processo de modernização vivido pelo Iraque sob sua gestão. Em nenhum ponto da reportagem é citado o fato de que Saddam ascendeu ao poder por meio de um golpe militar, mas seu partido o Baath, é elogiado por ser “ferrenhamente anticomunista”, o que, em tempos de Guerra Fria, era o que bastava para ser considerado um país aliado.
Como se vê, o benefício da dúvida concedido pelo Ocidente á revolução iraniana, durou muito pouco tempo. Após o seqüestro na embaixada americana, o regime iraniano passa a ser demonizado. Simplesmente todas as declarações dadas pelo clero iraniano eram rechaçadas e ridicularizadas, enquanto que as afirmações de qualquer ocidental sempre eram avalizadas, num surto de etnocentrismo raras vezes visto na mídia brasileira até então. Infelizmente este processo de não legitimização do argumento do “inimigo” se tornaria comum após os atentados ao World Trade Center em 2001. De acordo com Dornelles,
“... a idéia sempre foi mostrar Bin Laden como um fanático religioso disposto a destruir uma civilização, alguém que não tem motivação política, mas que é movido pela inveja, pelo rancor. Duas semanas depois dos atentados, Bin Laden mandou uma carta á rede de TV Al Jazira criticando os Estados Unidos pelo apoio á Israel e pela presença de tropas americanas na Arábia Saudita. Mas a imprensa americana e toda a imprensa ocidental destacaram apenas a questão religiosa.” (Dornelles, 2002, p. 183).
No jornal inglês The Independent, de 16/11/2001, o jornalista inglês Robert Fisk afirmou: “Nos próximos dias será feito um esforço para esquecer os motivos dos atentados. E as atenções estarão voltadas para quem e como foram executados.”
Guardadas as devidas proporções foi isto que aconteceu na cobertura jornalística da Revolução após o seqüestro na embaixada americana. De repente, os motivos da revolução e os massacres promovidos pelo xá foram esquecidos. Após o caso dos reféns raramente se lê na imprensa sobre os anos pré-revolução. Passa a ser construída a imagem de um regime opressor e marcado pelo fanatismo religioso, omitindo o fato de que a revolução foi um movimento que englobou todos setores da sociedade iraniana e contou com amplo apoio popular.Porém, a partir do momento que este regime chocou-se com o governo norte-americano, o Irã passa a ser tratado como um Estado bárbaro, ou como afirmaria um repórter não-identificado da revista Veja “inegavelmente, um dos regimes mais detestáveis, incômodos e criadores de caso que o mundo contemporâneo já conheceu.” (Veja, 01/10/80)
Obviamente que não queremos aqui justificar seqüestros ou atentados, mas o fato da mídia ter, nestes casos, ocultado ou minimizado o fato de que ambos os atos tinham alegado fundo político (o exílio do xá e a presença de tropas norte-americanas na Arábia Saudita, respectivamente),concorreu para que os autores destes atos fossem retratados como indivíduos movidos unicamente pelo fanatismo religioso,o que evidentemente não era o caso dos iranianos, que pelos relatos dos reféns não possuíam grande fervor religioso,mas sim eram extremamente politizados, chegando ao ponto de tentar “doutrinar” os reféns para que estes entendessem sua revolta anti-americana.(WRIGHT,2000,P.145)
No final de 1986, mais um capítulo da animosidade entre EUA e Irã seria escrito. Este caso seria conhecido como Irã - Contras. Tal episódio consistiu numa negociata secreta entre o governo de Ronald Reagan e o de Khomeini, para libertar reféns norte-americanos no Líbano, em troca de armas. Com o dinheiro obtido nesta venda, Washington patrocinava a ação dos “contras”, guerrilheiros que lutavam contra o regime socialista instaurado na Nicarágua pela Revolução Sandinista (ARBEX,1993). Toda a operação havia se iniciado em 1985,quando o então Primeiro-Ministro de Israel, Shimon Peres, comunica a Reagan a proposta de poderosos executivos israelenses, de vender armas ao Irã, para facilitar a libertação de reféns americanos no Líbano. A mando de Reagan, John Poindexter, assessor de segurança nacional da Casa Branca e seu braço direito, o coronel Oliver North, organiza missões secretas. Tendo Israel como parceiro no transporte de armamentos e peças para helicópteros e caças para o Irã, vários reféns norte-americanos são libertados. Na época, o Irã encontrava-se em guerra com o Iraque e sofria com a falta de reposição de peças de reposição devido ao embargo americano. Uma das ilegalidades deste caso é que Reagan precisava ter notificado o Congresso para a suspensão temporária do embargo, que, aliás, ele próprio havia assinado. Como não fez isso, transgrediu as leis norte-americanas, e criou um problema para o Senado e na Casa dos Representantes. Em ambas as instituições foram abertas comissões de inquérito, que quase levariam Reagan ao impeachment. Além disso, o presidente norte-americano se mostrou totalmente incoerente em relação á política oficial de seu país que era de não negociar com terroristas.
A revista Veja fez uma cobertura parcial do caso. Na edição de 26/11/86, numa matéria de três páginas, o lado iraniano da história, ou seja, Khomeini merece poucas linhas, em que é retratado como já era de hábito: simplesmente um lunático.
...o aiatolá Khomeini [...] emitiu seu repúdio a Reagan: “Uma grande explosão ocorreu na casa negra”, vociferou o aiatolá referindo-se à Casa Branca, agora que a política de Reagan foi revelada. Chamando o presidente dos Estados Unidos de “Grande Satã” como de costume, Khomeini sepultou qualquer intenção de entendimento que porventura o governo americano tenha cultivado desde que as negociações secretas entre os dois começaram, há dezoito meses.”
Os termos são escolhidos a dedo. Khomeini “vocifera”, enquanto os políticos americanos entrevistados no restante da reportagem “afirmam”. O aiatolá chama os EUA de grande satã, “como de costume”, passando a imagem de alguém irremediavelmente agressivo e fanático, a qual não se deve dar ouvidos. Mas o pior fica para o fim das parcas linhas dedicadas a Khomeini. Apesar do longo histórico dos EUA em apoiar interesses que poderiam prejudicar politicamente o Irã (golpe de 53, xá Reza Pahlevi, Saddam Hussein, etc.), Khomeini é acusado pela referida revista de “sepultar qualquer intenção de entendimento”, como se as concessões tivessem que partir apenas do Irã, e apenas dele dependesse o entendimento entre os dois países.
No final de novembro de 1986, o secretário da Justiça dos EUA, Edwin Meese, revelou que boa parte do dinheiro arrecadado com a venda de armamentos ao Irã, cerca de trinta milhões de dólares, havia sido depositado na conta de contra-revolucionários nicaragüenses. No entanto, o Congresso havia proibido ao governo americano prestar qualquer ajuda aos “contras” sem que antes houvesse um amplo debate no Parlamento. Em poucas palavras, o Governo estava burlando a lei, mediante o uso de uma operação clandestina. Durante os interrogatórios das comissões de inquérito ficou claro que altos funcionários do governo estavam envolvidos na operação, inclusive o então vice-presidente George Bush. O presidente Reagan negou totalmente qualquer responsabilidade, que foi totalmente assumida pelo Coronel North. A popularidade do presidente, que estava em baixa, cresceu quando assumiu que, a seu ver, qualquer ação visando a erradicação do comunismo era legítima. O mesmo ocorreu com North, apoiado até em manifestações de rua, que foi condenado a apenas três anos de prisão domiciliar, uma pequena multa e serviços à comunidade. Das investigações emergiram contrabandistas de armas, especuladores, tráfico de influência, mas, sobretudo a falta de ética manifestada pelo Poder Executivo.
A MORTE DE KHOMEINI: O ADEUS DO IMAM.
Praticamente, desde o início da Revolução, Khomeini que, na época, já tinha 76 anos, preparava o espírito da nação para a ocasião de sua morte.
Segundo matéria publicada no Jornal da Tarde, transcrita da revista alemã Der Spiegel:
Ele autorizou o governo a sonegar a notícia de sua morte pelo tempo que julgar necessário para o interesse da segurança do Estado. [...] Mas aqui está a providência mais importante: Khomeini assinou e lacrou, em 1983, um documento de 30 páginas e determinou que este só fosse lido depois de sua morte. E só se dispõe a revelar antecipadamente um ponto do testamento: o de que hipotecava plena confiança ao aiatolá Hussein Ali Montazeri. (23/12/85).
Os últimos meses de liderança do imam[1] foram conturbados. Além da polêmica sobre o livro de Salman Rushdie, autor de Os versos satânicos, acusado por Khomeini de blasfemo, e que resultou numa sentença de morte que nunca foi efetivamente cumprida, até por ser contrária á própria lei islâmica, que não permite julgamentos extraterritoriais, o líder iraniano ainda expulsou do governo seu ex-aluno e, aquele que, segundo o Der Spiegel seria o seu sucessor, Ali Montazeri. O motivo da mudança de planos foi um discurso realizado por ocasião dos festejos do décimo aniversário da Revolução, em que Montazeri convocava o governo a reparar certos erros do passado e admitindo que a Revolução não houvesse conseguido cumprir muitas de suas promessas. Além disso, em entrevista ao The New York Times, Montazeri mostrara-se preocupado com a péssima repercussão do caso Rushdie para a imagem do país. A fala de Montazeri e a rígida medida adotada por Khomeini, ajudaram a causar um clima de instabilidade. Este clima se agravaria pouco tempo depois.
No dia 23/05/89, Khomeini foi submetido a uma cirurgia de emergência para estancar uma hemorragia no aparelho digestivo. Estava reagindo bem, mas dez dias, 03/06/89, seu estado piorou e o líder da Revolução morreu. Apenas oito horas após o anúncio da morte, a Assembléia dos Sábios designou Ali Khamenei, então presidente do país, como novo Líder Supremo. Assim que a morte do imam foi anunciada, a mídia de todo o mundo iniciou um debate sobre a sua sucessão, mal conseguindo esconder a torcida por um líder laico exilado. O jornal O Estado de S. Paulo de 05/06, publicou uma pequena matéria em que o filho do xá Reza Ciro, acenava com a possibilidade de retorno e assegurava que, com Khomeini, morria também a Revolução. O Jornal da Tarde da mesma data procurou também Shapur Bakhtiar e Bani Sadr.
Shapur Bakhtiar não considera importante a forma de governo. Cita a monarquia espanhola como exemplo de democracia e a república chilena como exemplo de ditadura. A seu ver a República Islâmica está morta e os próprios religiosos sabem disso. (05/06/89).
Bani Sadr afirmava o mesmo com palavras diferentes, insinuando um golpe ao lembrar pela enésima vez suas boas relações com as Forças Armadas. O fato é que toda a mídia considerava a Revolução morta e bastava agora que se decidisse entre a volta da monarquia, a um governo parlamentarista ou um regime apoiado pelos militares. Aparentemente, não passava pela cabeça de ninguém que o Irã continuaria a Revolução. Sem o mesmo fervor de dez anos antes e mais amadurecido, mas certamente repudiando a volta de velhos membros da política iraniana.
Enquanto isso no Irã, esses nomes nem eram lembrados. Para a população em geral, com a transferência de cargo de Khamenei de presidente para Líder Supremo, deixando a presidência vaga era chegada à hora de decidir entre o filho do imam, Ahmad Khomeini e o presidente do parlamento Ali Akhbar Rafsanjani. Khamenei logo demonstrou seu apoio à Ahmad que, certo da vitória, já discursava como presidente, embora sem sequer oficializar sua candidatura. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo,
Depois do luto, a incerteza política no Irã deve crescer até agosto, quando se realizarão eleições para a Presidência da República. Até agora o único candidato é Rafsanjani. Juntamente com a escolha do novo chefe de Estado, deve ser aprovada uma reforma na constituição que dará mais poderes ao presidente. (06/06/89).
No citado periódico, explicava-se também a indiferença iraniana em relação a possíveis sucessores de Khomeini que se encontravam no exílio.
Os grupos que mantém uma parcela do poder atualmente no Irã constataram, com certo alívio, que a oposição iraniana no exílio está tão ou mais dividida do que o próprio regime. Isso faz com que a preocupação principal no momento se situe no plano interno. Nada indica que os vários grupos em Paris, Nova York ou Bagdá possam concluir alianças táticas à curto prazo para ameaçar o poder dos religiosos em Teerã. (idem).
No dia 07/06, Khomeini seria sepultado numa das maiores manifestações públicas da História. Cerca de quatro milhões de pessoas acompanharam o funeral. Oito pessoas morreram na tumultuada cerimônia.
Na mídia brasileira, destacou-se a cobertura da revista Veja. Não por seu jornalismo sério e imparcial, mas por uma das maiores demonstrações de sensacionalismo e etnocentrismo jamais vistas nestas plagas. Comecemos pelo título e subtítulo:
Pandemônio do adeus: numa explosão de fanatismo e histeria, os iranianos se despedem de Khomeini e cultuam seu legado de ódio e intolerância. (14/06/89).
A referida publicação comete, já no início da matéria, um grave erro: a generalização. Não são alguns, ou uma parte da população, mas “os iranianos”, ou seja, um todo, a população de um país, cultua o “ódio” e a “intolerância”, passando assim, a imagem de um povo de má índole que odeia (especialmente a “nossa” civilização ocidental), e não uma população que estava, à sua maneira, lamentando a morte de um líder querido, de alguém que teria libertado-os do regime opressor do xá. A principal característica da matéria é a absoluta incompreensão do significado de um aiatolá para um xiita. A palavra aiatolá, vem do árabe, e significa “sinal de Deus”, e Khomeini era considerado um imam, um legítimo sucessor de Ali e Hussein, respectivamente genro e neto do Profeta Mohammad. No entanto, é impossível descrever o preconceito que permeia todo o texto sem citar alguns trechos.
... O Irã entrou em transe para se despedir do aiatolá Ruhollah Khomeini, chefe supremo, ditador e pai espiritual dos 60 milhões de iranianos e dos xiitas de todo o mundo [...] Cenas dramáticas, quase grotescas marcaram as cerimônias fúnebres do homem venerado há décadas com fanatismo crescente por seus seguidores. (idem).
O fato de o funeral ter sido um tanto tumultuado, algo inevitável devido à intensa aglomeração de pessoas e o forte choque emocional pelo qual passavam, foi usado pela revista como “prova” do fanatismo iraniano. Segundo a Veja, o que houve foi um “desvario”, e o locutor da TV iraniana emocionado, “descabelava-se”. O repórter não identificado mostrava-se atônito com a admiração ao homem que segundo ele,
... Lançou o Irã nas trevas da intolerância e condenou-o ao isolamento internacional, persistiu por oito anos numa guerra cruel, e economicamente devastadora e levou à morte milhares de adversários políticos e religiosos. [...] Foi sepultado como um santo, um ídolo, um salvador. (ibidem).
Percebe-se claramente o completo desprezo do autor ao elemento religioso do fato. Khomeini estava para os xiitas como o Papa está para os católicos, um homem santo, um guia espiritual, e isso lhes bastava. O autor ignora tudo isso, relacionando apenas argumentos materialistas e ocidentais para detestar o aiatolá.
O artigo trata os iranianos como um bando de miseráveis que sofreram lavagem cerebral, como se Khomeini tivesse criado o Islã xiita e não aceita que, aquilo que soa bizarro aos olhos ocidentais e até dos muçulmanos sunitas, nada mais é que uma maneira diferente de demonstrar pesar.
Há uma legenda ao lado de uma das fotos no fim do artigo que resume bem a imagem que a revista construiu do povo iraniano: “Os idólatras avançam sobre o cadáver e uivam: terra em transe”. (ibidem).
Apesar da cobertura etnocêntrica da Veja, houve na mídia brasileira, tentativas de compreender o fenômeno. Foi o caso do jornal O Estado de S. Paulo, que num pequeno Box, como se diz na linguagem jornalística, intitulado “Histeria também é comum no Ocidente”, explicava:
As cenas de histeria e desespero coletivo ocorridas no enterro do aiatolá Khomeini não são privilégio dos iranianos nem característica específica do ramo xiita da religião islâmica. [...] Na Alemanha dos anos 30 [...] o líder nazista era saudado como o “pai do renascimento alemão”, num país que não era conhecido pelo fanatismo religioso. Enquanto levantavam o braço na clássica saudação nazista, em delírio as crianças gritavam e as mulheres caíam em prantos. [...] A histeria coletiva atingiu multidões na China dos primeiros anos da Revolução Cultural (entre 1966 e 1976). Em nome da pureza ideológica, templos religiosos e escolas foram destruídos, por “guardas”, que empunhavam como estandarte o Livro Vermelho de Mao Tse-tung. O culto a um líder morto pode se assemelhar a uma romaria religiosa, como as filas para ver o corpo de Vladimir Lênin... (07/06/89).
Muito embora o jornal compare Khomeini a figuras como Hitler e Mao Tse-tung, nota-se pelo menos uma tentativa de relativizar os fatos e compreender a catarse coletiva ocorrida no Irã, demonstrando que estes fenômenos não são tão incomuns como possam parecer.
Não que Khomeini, pelo menos para um não-xiita mereça algum tipo de apologia. Ele estava longe de ser um santo ou de atingir a perfeição, pelo menos para aqueles que não seguem suas crenças. O que se defende aqui é o respeito à diferença cultural e a tentativa de compreender os valores de um povo a partir de sua própria perspectiva e não com referenciais totalmente estranhos àquela cultura, caindo assim no puro etnocentrismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se pode afirmar, com raras exceções, que houve propriamente uma “visão brasileira” da revolução. A maioria absoluta das notícias utilizadas neste trabalho, colhidas entre os principais jornais do País, eram meras traduções de artigos fornecidos por agências de notícias internacionais. Dentre todo o material pesquisado, a única correspondente enviada ao Irã, foi a já citada jornalista Mara Pinheiro que, a serviço do Jornal da Tarde, fez um instigante relato do clima das gigantescas passeatas que levaram milhões às ruas a protestar contra o regime do xá. A jornalista infiltrou-se nas manifestações, conversou com os participantes e numa narrativa envolvente, descreveu as “internas” da Revolução. A revista Veja, por sua vez, enviou o jornalista Pedro Cavalcanti ao Iraque na ocasião do conflito com o Irã. Nas demais matérias pesquisadas, não havia correspondentes brasileiros na região, mas sim em Washington, Londres ou Paris. Durante os primeiros anos do processo revolucionário não se notou nos grandes jornais brasileiros, uma interpretação diferente do restante da mídia internacional. A única característica diferenciadora seria o fato de a Revolução ser retratada como um processo anárquico e perturbador da ordem, pensamento possivelmente decorrente do fato de o Brasil estar em plena ditadura militar na época, como mostra a matéria do jornal O Estado de S. Paulo de 18/01/79, intitulada: “Irã, primeiro dia: 30 mortes, renúncias, caos”. Em outro caso, mais explícito, no mesmo jornal, do dia 24/01/79, a manchete era: “Exército do Irã reafirma lealdade ao xá”. No corpo do texto, o jornalista, não identificado, afirmava que “... os militares iranianos continuam leais ao xá Reza Pahlevi e defenderão a qualquer preço o governo legal e constitucional do primeiro-ministro Shapur Bakhtiar...” (O Estado de S. Paulo, 24/01/79).
A revista Veja de 21/02/79, num Box intitulado “Via satélite, a dúvida: isso pode ocorrer aqui?” Colocou no ar a possibilidade de que uma insurreição popular de grandes proporções, aos moldes da iraniana ocorresse no Brasil. Entrevistando “... uma fonte em permanente contato com o general João Baptista Figueiredo...”, a reportagem procurou descobrir se passava pela cabeça do alto escalão do governo militar tal hipótese. Segundo a fonte não-identificada,
O regime do xá era brutal. [...] Já no Brasil estamos caminhando dentro da democracia e a situação das faixas pobres tem perspectivas concretas de solução. [...] Essa revolta toda, misturada com a reação religiosa, aconteceu, entre outras coisas, porque o Irã é um país que ia financeiramente bem, mas onde a quase totalidade da população vive à margem dos benefícios (Veja 21/02/79).
O então presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo, Joaquim dos Santos Andrade ao ser procurado pela reportagem, respondeu:
Não acredito que aconteça a mesma coisa no Brasil. [...] Mas é bom lembrar que o povo está distante, longe das discussões; e, quando a distância aumenta, o povo grita. (idem).
Pedro Sampaio, presidente do sindicato dos petroleiros de Santos ia mais longe e afirmava: “Nós também precisamos de um aiatolá”. (ibidem).
Não podemos deixar de citar também o então líder dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, que chegaria à presidência do Brasil em 2003, Luís Inácio Lula da Silva: “A vitória da revolução se deveu principalmente ao trabalho político no seio da massa popular”. (ibidem).
A cobertura brasileira dos eventos que se sucederam no Irã, seguiu mais ou menos a linha da imprensa norte-americana, chegando simplesmente a transcrever matérias inteiras, sempre ligando o Irã ao fanatismo, e ocultando possíveis motivações políticas em cada ato extremo eventualmente cometido por iranianos.
É fundamental para o historiador que este se liberte do discurso unilateral, pois se aceitar passivamente a versão única dos fatos propagados pela mídia, perder-se-á o questionamento, o senso crítico, algo imprescindível para a autonomia do profissional da área. Segundo Arbex, (ARBEX, 2000, p.193).
O preconceito cega e impede que a história seja contada. (...) É no processo de interlocução com o outro, no exercício cada vez mais difícil de saber identificar e escutar outras vozes, que o historiador pode resgatar a memória dos fatos para além de sua representação, encontrando as perguntas certas que deverão orientar o seu trabalho de investigação.
Evidentemente, o regime iraniano está longe da perfeição, a começar pela existência do cargo de “Líder Supremo”, que, sempre nas mãos de conservadores, emperra as reformas políticas e sociais que o país tanto necessita. Mas suas características sócio-culturais e a soberania do Irã precisam ser respeitadas, para que este se desenvolva a seu próprio modo, como outros países orientais, sem perder sua identidade cultural, e sua soberania política e econômica.
[1] De uma forma geral, imam é um título dado àquele que lidera as orações ou a um eminente teólogo.Entre os xiitas,no entanto,o imam é um iluminado que deve guiar todo o mundo islâmico em assuntos religiosos ou seculares.
http://www.urutagua.uem.br/005/17pol_traumann.htm#_ftnref2
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