Por: Gabrielle Chomentowski *
História da Região Autônoma Judaica, ou como o Birobidjão, região mais conhecida nos dias atuais, tornou-se o símbolo da política dos dirigentes soviéticos para a comunidade judaica russa
O ano de 1934 viu o nascimento do primeiro território judeu (oficial) do século 20: O Birobidjão, a Região Autônoma dos Judeus da URSS. Esta criação traduziu a vontade do novo pode soviético de resolver aquilo que se denominou então de "problema judeu". A despeito dos inícios difíceis, dentro de uma região desértica da Sibéria Oriental, a região conheceu um certo desenvolvimento econômico assim como um progresso cultural considerável através da língua vernácula dos judeus - o iídiche.
Mas a nova vida dos habitantes do Birobidjão era regida pelas oscilações de humor dos dirigentes soviéticos. Os expurgos do final dos anos de 1930, que dizimaram as personalidades mais motivadas pelo Birobidjão e o nascimento do conceito de "cidadão soviético" no curso da Segunda Guerra Mundial, ajudaram a fundar a jovem Região Autônoma dos Judeus dentre de um colapso que parecia então sem volta. A posteriori, tal impressão não era sem fundamento, porque dentro de um sobressalto de atividades nos anos do pós-guerra, a região perdeu progressivamente aquilo que então se supunha que seria, e sua especificidade, voltou-se em benefício de um outro estado judeu do século 20, Israel.
Um segundo fôlego efêmero
A noção de homo sovieticus implica, de Kiev até Vladivostok, que o cidadão soviético aceita o mesmo e abandona todo desejo de se delimitar dos outros de sua especificação étnica ou lingüística. Mas as peripécias da guerra pressionaram o Partido a livrar-se do vício que então mantinha sobre a sociedade soviética. Na região que nos interessa, esse processo de "liberalização" cultural veio associado à vontade do poder de desviar da Palestina a atenção da comunidade judaica soviética. Dentro desta ótica, as autoridades se esforçaram em estimular a imigração para a RAJ (Região Autonomia dos Judeus) patrocinando a viagem gratuitamente, organizando os planos destinados ao desenvolvimento da região ou instalando os empreendimentos industriais. Entre 1946 e 1948, milhares de judeus soviéticos se instalaram no Birobidjão. Ao final de 1948, a população judaica da RAJ chegava a 30.000 almas. Essas iniciativas trouxeram uma renovação da cultura iídiche: após o fechamento das escolas que ensinavam o iídiche no tempo dos expurgos dos anos 30, a língua iídiche retornou obrigatoriamente dentro das escolas, as tiragens do jornal iídiche, o Birobidjaner Shtern, aumentaram e uma editora em iídiche passou a existir.
Mas este segundo fôlego da vida na RAJ não foi mais que uma curta duração.A penúria da mão-de-obra qualificada, o retardamento da reconstrução econômica e as condições de vida miseráveis dos que chegavam forçaram um grande número de imigrantes a partir novamente e se instalar em outros lugares da URSS. No mais, os habitantes do Birobidjão acordaram suas consciências para o fato de que uma educação exclusivamente iídiche dificilmente faria sentido, quando da educação superior e os diferentes empregos exigissem o domínio do russo.
A paranóia dos anos 1950: O anticosmopolitismo
O renascimento da RAJ foi como fumaça dentro de um ovo desde o fim de1948, ano da criação do Estado de Israel. "Temerosa, a comunidade judaica não se mostrou desleal depois da criação de Israel, mas movido por um anti-semitismo extremo, Stalin lançou uma feroz campanha visando suprimir toda a vida intelectual e cultural judaica na União Soviética que culmina com a conspiração contra os médicos judeus." Que dizer mais?A frase é de Robert Weinberg, em seu livro Le Birobidjan, 1928-1996, L'histoire oubliée de "l'Etat juif" fondé par Staline (A história esquecida do "Estado judeu" fundado por Stalin), resume o eixo político adotado contra os judeus mesmo à época da morte de Stalin, em 1953. Acusados de cosmopolitismo e de nacionalismo burguês, os dirigentes do governo da RAJ, assim como os membros da elite cultural foram presos e às vezes executados. As relações que se mantiveram nessa região com as outras comunidades judaicas do mundo todo aparentavam ser obscuras ao Partido, e a ajuda material que ela recebia refletia na capacidade da URSS de administrar as necesidades de seu país. Na opinião do Partido, essas ligações alimentavam certamente uma política anti-soviética no Ocidente. Assim, todo contato entre os judeus da União Soviética, mais particularmente os judeus da RAJ, e os judeus da diáspora foi rompido, isolando-se a região de toda ligação exterior. A paranóia que se seguiu ao processo dos "blusas brancas" (os médicos judeus acusados de conspirar contra Stalin), traz um golpe fatal à expressão da Região Autônoma Judia da União Soviética. A Sion soviética não é mais que uma enganação.
Anos 60 e 70: deixar a RAJ!
Se a morte de Stalin pôs fim a seus terrores, os governantes Khrutchev, e depois Brejnev, nada fizeram para reativar o projeto Birobidjão. Em 1958, Nikita Khrutchev declara ele próprio que "a tentativa de estabelecer uma república judaica havia sido abandonada sob pretexto de que os judeus eram "indisciplinados e refratários ao trabalho cooperativo". Pior que a repressão é refutar a especificação étnica de um território? Desde o momento que o chefe do Partido fez esta declaração, o que restaria da credibilidade de uma região que se pretendia tipicamente judaica? Em 1959, a população judia do Birobidjão não é mais que 9%, em 1970 ela é de 7%. As autoridades suprimiram todo o fervor da cultura judaica com a intensificação do processo de russificação. Algumas iniciativas positivas empreendidas nos anos 60 na RAJ não tiveram mais que um único objetivo: marcar pontos no cenário internactional a fim de mostrar a boa fé da União Soviética em direção a Israel e da diáspora judia no mundo inteiro. Mas os esforços do Kremlin para destruir as manifestações da cultura e da identidade judaicas produziram globalmente seus frutos. Somente com o advento da perestroika e da glasnost sob Mikhaïl Gorbatchev foram encorajados os funcionários locais e militantes judeus a fazer ressuscitar a especificidade judaica da região, na
decepção do fato de que não restavam mais agora que 9 mil judeus na RAJ!
O Birobidjão, um território judeu?
Em 1990, uma nova ajuda financeira foi concedida para retomar a colonização da RAJ. Mas a queda do bloco soviético em 1991 abriu as portas para o Ocidente e permitiu aos judeus de Birobidjão emigrarem para a terra de Israel onde, na melhor das considerações, a especificidade judaica é mais acentuada. Parte integrante da Federação Russa, o nome Birobidjão desaparece deixando em seu lugar a denominação administrativa: Região Autônoma Judaica.
Hoje em dia, em Birobidjão, capital da região, a população judia não é maior que 6.700 pessoas; existe ainda uma sinagoga, as placas em iídiche, uma escola e diversas associações judaicas. Muito embora alguns símbolos persistam, o Birobidjão perdeu tudo aquilo que se supunha caracterizar numa região judia. Portanto, sua história não pára de intrigar, estimular e retroceder sobre a complexidade da identidade judaica e das conquistas reais que fizeram com que se motivassem os dirigentes soviéticos a estabelecer um território judeu na URSS. A essa intenção, nós poderemos notar que, se o problema das autoridades foi o de regular o "problema judeu", isso se fez sem considerar a condição particular da comunidade judaica soviética, elemento que parece, portanto, essencial para compreender as razões desse insucesso. O iídiche não constituiu uma base suficiente para que ele pudesse embasar sua identidade, e a recusa do hebraico não percebeu a dupla natureza de Israel, povo e religião juntos.
Num futuro próximo a população judaica de Birobidjão terá completamente desaparecido, e não restará mais que o nome das ruas em iídiche. E, se não houver mais as escolas judaicas, os jornais em iídiche, as tabuletas e as placas em iídiche, o que restará de judeu no Birobidjão?
Bibliografia
WEINBERG,Robert, Le Birobidjan 1928-1996 L'histoire oubliée de "l'Etat juif" fondé par Staline, Paris, Ed. Autrement, 2000, 136 pages.
BRAUN, Patrick, SANITAS, Jean, Le Birobidjan: une terre juive en URSS, Paris, Ed Laffont, 1989.
Gabrielle Chomentowski é pesquisadora francesa e escreve em Regard sur l'Est. O presente artigo foi publicado no número 29 (abril-junho 2002)
http://www.visaojudaica.com.br/Novembro2003/Artigos%20e%20reportagens/obirobidjao.htm
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