25/08/08
Supremo julga nesta semana ação que contesta demarcação contínua.
O Supremo Tribunal Federal julga nesta semana uma ação popular que questiona a legalidade da demarcação de uma área contínua de 1,7 milhão de hectares para a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, na divisa com Venezuela e Guiana.
A reserva, demarcada em 1998 e homologada em 2005, foi cercada de protestos desde que começou o processo de identificação e demarcação, nos anos 70.
Na década de 90, um grupo de não índios que ocupava a reserva, principalmente plantadores de arroz, se recusou a deixar a área, intensificando as tensões e levando a Polícia Federal a intervir para retirá-los em abril deste ano.
Alguns fazendeiros e um grupo de índios que apóiam a sua permanência na região resistiram à retirada e o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, recorreu ao STF pedindo a suspensão da operação.
O Supremo, então, decidiu pela paralisação da operação até que fosse julgado o mérito das ações que contestam a legalidade da reserva, o que começará a ser feito nesta quarta-feira.
Confira a seguir algumas questões que explicam a polêmica.
O que será decidido?
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão julgar a primeira das mais de 30 ações que contestam a legalidade da homologação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol.
Entre outros argumentos, a ação diz que a demarcação contínua fere o princípio da razoabilidade, "porque estar-se-ia privilegiando de maneira absoluta o princípio da tutela do índio em detrimento de outros igualmente relevantes".
Aponta ainda as conseqüências "desastrosas" à estrutura produtiva comercial de Roraima e comprometimento da soberania e da segurança nacionais. Também suscita os direitos dos não-índios que habitam a região "há três ou mais gerações" que terão de abandonar as terras.
Se a ação for aceita, ficaria permitida a presença de não índios na área que hoje corresponde à reserva e a demarcação teria de ser revista.
Como foi a demarcação?
O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu a demarcação da reserva em 1998, e o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou as terras, em 2005.
O laudo antropológico com base no qual a área foi demarcada diz que a extensão da área se justifica pela grande migração existente entre os índios das cinco etnias que vivem na região. O governo de Roraima contesta o laudo, alegando que nem todos os interessados, incluindo índios, foram consultados.
Quais são os principais argumentos a favor e contra de uma reserva contínua?
Os que são a favor alegam que a Constituição de 1988 assegura aos índios "os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens". O desmembramento da reserva, alegam os favoráveis à demarcação contínua, ameaçaria a sobrevivência física e sociocultural dos povos indígenas. O campo contra a demarcação contínua alega que parte dos índios já está aculturada e que o reconhecimento dos direitos indígenas independe da demarcação contínua.
Os que são contra, como o próprio governo de Roraima e produtores de arroz instalados na área da reserva, sustentam que a reserva, por ocupar mais de 7% de Roraima, aumenta para mais de 40% a área do Estado ocupada por terras indígenas e prejudica a economia do Estado. Os defensores da reserva alegam que os 60% restantes são suficientes para atender ao resto da população.
Outro argumento contra diz respeito ao risco à soberania nacional pelo fato de a reserva estar localizada na fronteira com Venezuela e Guiana. Como os índios não ocupam toda a área de forma uniforme, aquela área ficaria vulnerável a infiltrações. Os que apóiam a demarcação contínua dizem que não há grandes vazios demográficos na reserva e que a atuação do Exército dentro das reservas é livre - portanto, não haveria motivo para essa preocupação.
O que propõem os militares?
Os militares propõem a demarcação do território em ilhas, o que permitiria a constituição de núcleos urbanos e rurais na faixa de fronteira.
Quem está a favor e quem está contra?
A maior parte dos indígenas, representados principalmente pelo Conselho Indígena de Roraima, além de entidades da sociedade civil ligadas à defesa da causa indígena ou social. Entre elas, a ONG Instituto Socioambiental, Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
São contra os rizicultores, criadores de gado e a restante população não-índia da região, apoiados por parte dos indígenas, reunidos na Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima (Sodiur).
O que é uma Terra Indígena?
É uma área de propriedade da união com usufruto indígena. São definidas de acordo com a ocupação tradicional das terras. A Constituição de 1988, no artigo 231, reconhece "aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
No parágrafo segundo, o texto constitucional estabelece ainda que "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".
O Brasil tem atualmente de 503 terras indígenas reconhecidas, que abrigam 227 povos, com cerca de 480 mil pessoas. Essas terras representam 12,5% do território nacional. A maior parte das áreas indígenas está nos nove Estados da Amazônia Legal.
Por que a Raposa Serra do Sol foi criada naquela região de Roraima?
É a área tradicionalmente habitada pelos Macuxis, etnia majoritária na reserva. A reserva compreende uma região de planície (Raposa) e uma montanhosa, ao norte (Serra do Sol).
Quem são os índios que habitam a reserva?
Cerca de 20 mil índios de cinco etnias vivem na região da reserva agrupados em quase 200 aldeias. O maior grupo é da etnia Macuxi, que convivem com Wapichana, Taurepang, Ingaricó e Patamona.
Quais seriam as conseqüências de uma decisão favorável ou desfavorável à demarcação contínua?
A decisão do Supremo deverá servir de parâmetro para as demais ações apresentadas, o que, no jargão jurídico, equivale a criar jurisprudência. Se a ação de contestação for acolhida, os arrozeiros poderão permanecer na região e caberá ao Executivo fazer nova demarcação.
Há diversas outras terras indígenas na faixa de fronteira, algumas delas bem maiores do que a Raposa Serra do Sol. A dos Ianomâmi, também em Roraima, por exemplo, tem 9 milhões de hectares.
http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL736109-5598,00.html
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