quinta-feira, 31 de julho de 2008

Projeto de Lei nº 5003-b/2001 (crimes de homofobia):

a lei da mordaça gay, os superdireitos gays, inconstitucionalidade e totalitarismo

Elaborado em 12.2006.

Paul Medeiros Krause

procurador do Banco Central em Belo Horizonte (MG), bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais


No dia 23 de novembro de 2006, a Câmara dos Deputados aprovou, em plenário, a redação final do Projeto de Lei n.º 5003 (5003-b), de 2001, que trata dos chamados crimes de homofobia. Agora, a proposição vai para o Senado. Procurarei demonstrar que o projeto é flagrantemente inconstitucional e significa a implantação do totalitarismo e do terrorismo ideológico de Estado, com manifesta violação dos direitos à igualdade, à livre manifestação do pensamento, à inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, à não-discriminação por motivos de crença religiosa, convicção filosófica e política, e ao devido processo legal material ou substantivo (art. 5.º, caput, IV, VI, VIII, LIV, da Constituição).

Um observador atento notará que a "causa gay" tem cada vez mais espaço e maior influência nos meios de comunicação de massa. Todos os dias os brasileiros recebem enxurradas, avalanches de propaganda da causa gay, pela televisão (com especial destaque para as telenovelas, que há décadas vêm, deliberadamente, minando os valores mais caros à família brasileira), pela mídia escrita e eletrônica, cinema, teatro, literatura, música, e universidades, estas redutos do esquerdismo. Trata-se de anos e mais anos de deformação da opinião pública e de embotamento do senso crítico da população. Décadas de consumo de lixo e de pornografia.

Costuma-se dizer que direito é bom senso. E isso é inteiramente verdadeiro. Esse é um modo mais simples de afirmar que o direito é razão, isto é, deve ser racional, lógico, coerente. Uma norma jurídica ilógica, desarrazoada, contrária à natureza das coisas, não deveria obrigar quem quer que fosse, não deveria estar no mundo jurídico e nem mesmo no mundo dos fatos. Onde não há lógica, não há direito [01].

Há uma máxima segundo a qual "quem não vive como pensa, acaba pensando como vive" [02]. Quer dizer: quem não pauta sua vida segundo os postulados da razão, do bom senso, sem o perceber, como que preso por um entorpecimento ou aniquilamento do raciocínio, passa a julgar ser razão viver sob o jugo dos instintos e das paixões, dos apetites mais baixos da sensibilidade. Essa regra, válida para qualquer homem, também é válida para o Estado, pois ele reúne as virtudes e os vícios de seus súditos.

Com Reinaldo Azevedo, jornalista de Veja, devo dizer que a verdadeira minoria no Brasil é composta de homens, brancos, católicos, heterossexuais e de classe média. Essa minoria, sim, apanha de todos os lados.

A ideologia "politicamente correta", que inspira a proposição sob exame, também pode ser chamada de "marxismo ideológico". A referência talvez ajude a compreender a hostilidade a valores cristãos ou religiosos [03]: o marxismo é materialista e ateu. É uma ideologia de esquerda.

O "marxismo ideológico" ou a ideologia "politicamente correta", à semelhança do marxismo econômico, baseia-se na lógica da expropriação. Assim como, no marxismo econômico, o capitalista deve ser expropriado do capital, confiando-se este ao seu "legítimo dono", a classe operária, no marxismo ideológico surge a frenética e desproporcional defesa das chamadas minorias: os negros, as mulheres, os índios e os homossexuais, com a expropriação – discriminatória – de direitos dos demais. A política de cotas para ingresso nas universidades é um bom exemplo. O Estado, omisso no seu dever de prestar educação de qualidade a todos os cidadãos, que ofereceria igualdade de condições a todos, independentemente de raça, cor ou credo, expropria a vaga do candidato aprovado por mérito para entregá-la à pretensa vítima da sociedade. Posição cômoda esta, a do Estado e a da suposta vítima do sistema. Cuida-se de maniqueísmo oficial; a religião estatal.

A propósito, já se fala em criação de cotas para homossexuais nos cargos públicos, programa de governo do Partido dos Trabalhadores.

Apesar do crescimento descomunal da propaganda gay, a maior parte da população brasileira ainda é contrária ao casamento e à adoção de crianças por parceiros homossexuais. Por isso, os defensores da emancipação homossexual, hábeis na arte da hiperdramatização (chamam de homofobia o que não é), tentam o golpe capital: cortar a garganta de quem quer que ouse apontar para a imoralidade, a inaturalidade, a antijuridicidade, a danosidade social da prática da homossexualidade, impondo aos seus opositores os rigores da lei: a cadeia.

Mas, a culpa é nossa, amigos. Este é o fruto das nossas omissões, de nossa covardia, de nossa frouxidão moral: a volta do Estado totalitário e da ideologia oficial. Querem impor-nos o dogma falacioso da naturalidade do homossexualismo, sem que ao menos se estabeleça o debate. No apagar das luzes desta legislatura, sem alarde, aprova a Câmara o obtuso projeto, como que a dizer: "Cortemos logo a garganta e lancemos no cárcere os que insistem em questionar a verdade estatal!" Ora, o Estado é o detentor do monopólio da verdade. Quem ousará dizer que não? Tal estupidez merece a prisão.

Na Holanda e nos Estados Unidos já há quem propugne a existência do direito civil à pedofilia.

Feitas estas digressões, analisemos o Projeto de Lei n.º 5003, de 2001, que cria discriminações inconstitucionais, expropriando dos cidadãos comuns seus direitos à igualdade, à livre manifestação do pensamento, à inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, à não-discriminação por motivos de crença religiosa, convicção filosófica e política, e ao devido processo legislativo material ou substantivo em prol de uma ideologia ou religião oficiais, homossexual, conferindo a estes superdireitos.

Não se diga que a discriminação baseia-se no princípio da dignidade humana porque não há argumento lógico ou científico que demonstre ser o homossexualismo digno do homem. Ademais, os outros seres humanos também são dignos. Mais ainda: como já afirmei em outro lugar [04], a homossexualidade não possui força jurígena, não gera direitos.


redação final

projeto de lei nº 5.003-b, de 2001

Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5° da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.


Pergunta-se: que é "gênero" e "identidade de gênero"? Em que se distinguem de "orientação sexual"? Aqui a ideologia homossexual, sem lastro em fundamentos lógicos robustos, insere a sua terminologia própria, com total desconhecimento do que é o ser humano. Qual é o bem jurídico protegido? A religião estatal, o dogma da naturalidade e moralidade do homossexualismo? O homossexualismo por acaso é raça, para ser tratado na Lei anti-racismo, a Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989? É razoável que a suposta "homofobia" seja equiparada ao racismo, crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos do art. 5.º, XLII, da Constituição?

A proposição viola o princípio da igualdade, inserto no texto da Constituição, colocando o heterossexual em situação de inferioridade. Demais disso, ofende o postulado do substantive due process of law, isto é, do devido processo legal no seu sentido material, pois carecem de razoabilidade e de proporcionalidade os delitos e as penas previstos.

Art. 2º A ementa da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero."(NR)

Art. 3º O caput do art. 1º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero."(NR)

Art. 4º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4º-A:

"Art. 4º-A Praticar o empregador ou seu preposto atos de dispensa direta ou indireta:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos."

O leitor atente para a abertura do dispositivo. Será que o homossexual não pode ser demitido, ainda que a razão da dispensa não seja o fato da sua homossexualidade? Observe-se a falta de elementos normativos do tipo, como "injustamente", "sem justo motivo" etc. De tal mácula já padece a Lei 7.716, de 1989. A homossexualidade é causa de estabilidade vitalícia no emprego?

Art. 5º Os arts. 5º, 6º e 7° da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 5º Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público:

Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos."(NR)

"Art. 6º Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional:

Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.

Parágrafo único. (Revogado)."(NR)

Já se assinalou a péssima redação do projeto de lei e da própria Lei 7.716, de 1989, que contêm tipos penais demasiado abertos, sem elementos normativos. É o que se dá, igualmente, com os artigos 5.º e 6.º. Quanto ao último, indago se seria razoável impor a um estabelecimento de ensino católico a contratação de um professor travesti para dar aulas a crianças.

"Art. 7º Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares:

Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos."(NR)

Art. 6º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º-A:

"Art. 7º-A Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a aquisição, o arrendamento ou o empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos."

Os artigos acima seguem na linha da draconiana redação da Lei 7.716, de 1989, que se ressente da falta de elementos normativos, trazendo tipos demasiado abertos, o que oferece grande insegurança quanto à sua aplicação.

Art. 7º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes art. 8º-A e 8º-B:

"Art. 8º-A Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no art. 1º desta Lei:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos."

"Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos."

Descarada panfletagem e apologia ao homossexualismo; agasalhamento da ideologia gay pelo sistema jurídico, estabelecendo uma sanção absolutamente desproporcional e desarrazoada. Você terá que se resignar se o seu filho de cinco anos presenciar dois homens beijando na boca, no meio da rua, à luz do dia. Nem os heterossexuais possuem direito irrestrito de demonstrar afeto em público. Por que o beijo gay deve ser admitido, sob pena de reclusão de 2 a 5 anos, se a sociedade considera deselegante e de mau gosto o excesso de intimidades entre heterossexuais no meio do público?

Que se entende precisamente por "expressão e manifestação de afetividade"? Qual é o limite – caso exista – dessa manifestação?

Art. 8º Os arts. 16 e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 16. Constituem efeito da condenação:

I – a perda do cargo ou função pública, para o servidor público;

II – inabilitação para contratos com órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional;

III – proibição de acesso a créditos concedidos pelo poder público e suas instituições financeiras ou a programas de incentivo ao desenvolvimento por estes instituídos ou mantidos;

IV – vedação de isenções, remissões, anistias ou quaisquer benefícios de natureza tributária;

V – multa de até 10.000 (dez mil) UFIRs, podendo ser multiplicada em até 10 (dez) vezes em caso de reincidência, levando-se em conta a capacidade financeira do infrator;

VI – suspensão do funcionamento dos estabelecimentos por prazo não superior a 3 (três) meses.

§ 1º Os recursos provenientes das multas estabelecidas por esta Lei serão destinados para campanhas educativas contra a discriminação.

§ 2º Quando o ato ilícito for praticado por contratado, concessionário, permissionário da administração pública, além das responsabilidades individuais, será acrescida a pena de rescisão do instrumento contratual, do convênio ou da permissão.

§ 3º Em qualquer caso, o prazo de inabilitação será de 12 (doze) meses contados da data da aplicação da sanção.

§ 4º As informações cadastrais e as referências invocadas como justificadoras da discriminação serão sempre acessíveis a todos aqueles que se sujeitarem a processo seletivo, no que se refere à sua participação."(NR)

Há alguma vantagem jurídica em ser heterossexual? Ainda é permitido ser heterossexual? Todos os seres humanos são iguais, mas os homossexuais são mais iguais do que os outros.

"Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero:

§ 5º O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica."(NR)

Manifesta ofensa ao princípio da liberdade de pensamento, religiosa e filosófica. O § 5.º é de inconstitucionalidade manifesta. Que se considera "ação constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica"? Esse texto por exemplo? A homilia de um sacerdote? Será preciso retirar algumas páginas da Bíblia, como aquelas em que São Paulo recrimina a pederastia? O Estado totalitário, em sua ideologia oficial decreta: o homossexualismo é moral; é um supervalor. Qualquer oposição a esta verdade, ainda que de índole moral, ética, filosófica e científica (psicológica) estão proscritas. Trata-se de delito de opinião. É o Estado fascista quem diz o que se pode ou não pode pensar, crer ou descrer? Os cidadãos brasileiros estão sendo submetidos ao regime de tutela legal: são relativamente incapazes, não estão aptos a raciocinar sozinhos.

Art. 9º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 20-A e 20-B:

"Art. 20-A. A prática dos atos discriminatórios a que se refere esta Lei será apurada em processo administrativo e penal, que terá início mediante:

I – reclamação do ofendido ou ofendida;

II – ato ou ofício de autoridade competente;

III – comunicado de organizações não governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos."

"Art. 20-B. A interpretação dos dispositivos desta Lei e de todos os instrumentos normativos de proteção dos direitos de igualdade, de oportunidade e de tratamento atenderá ao princípio da mais ampla proteção dos direitos humanos.

§ 1º Nesse intuito, serão observadas, além dos princípios e direitos previstos nesta Lei, todas as disposições decorrentes de tratados ou convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário, da legislação interna e das disposições administrativas.

§ 2º Para fins de interpretação e aplicação desta Lei, serão observadas, sempre que mais benéficas em favor da luta antidiscriminatória, as diretrizes traçadas pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, devidamente reconhecidas pelo Brasil."

Art. 10. O § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 140.

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa."(NR)

Art. 11. O art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

"Art. 5º

Parágrafo único. Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, orientação sexual e identidade de gênero, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição Federal."(NR)

Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Sessões, em 23 de novembro de 2006.

Relator

Não obstante a deficiência técnica e a manifesta inconstitucionalidade do presente projeto de lei, espero que vozes de bom senso se ergam enquanto há tempo, para evitar a aprovação dessa aberração pelo Senado. Ficaria muito satisfeito se ouvisse manifestações da CNBB, das comunidades evangélicas, das comunidades judaica e islâmica, de pessoas sensatas das letras jurídicas. Estou fazendo a minha parte. Não poderei ser acusado de omissão. Todavia, quem não preza a sua liberdade, não se queixe de perdê-la.
Notas

01KRAUSE, Paul Medeiros. Da inadmissibilidade jurídica da união civil de homossexuais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1026, 23 abr. 2006. Disponível em: . Acesso em: 19 dez. 2006.
02 _____________. Apelo à razão: inconstitucionalidade da legalização do aborto. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 943, 1 fev. 2006. Disponível em: . Acesso em: 19 dez. 2006.
03 Pelo que sei, também o judaísmo e o islamismo proscrevem o homossexualismo.
04 _____________. Da inadmissibilidade jurídica da união civil de homossexuais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1026, 23 abr. 2006. Disponível em: . Acesso em: 19 dez. 2006.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Algumas declarações

“Os países industrializados não poderão viver da maneira como existiram até hoje se não tiverem à sua disposição os recursos naturais do planeta. Terão de montar um sistema de pressões e constrangimentos garantidores da consecução de seus intentos.” (Secretário de Estado dos Estados Unidos Henry Kissinger, 1979)

"Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios, suas fábricas.” (Primeira-ministra da Grã-Bretanha Margaret Thatcher, 1983)
“Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós.” (Vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, 1989)

“Só a internacionalização pode salvar a Amazônia.” (Grupo dos Cem – associação de intelectuais e escritores latino-americanos em defesa do meio ambiente, 1989)

“O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia.” (Presidente da França François Mitterrand, 1989)

“O Brasil está sobrecarregado por uma dívida externa impressionante. Num programa de troca da dívida, o Brasil poderia trocar conservação de parte da floresta por uma parte da dívida – um argumento que beneficiaria os ambientalistas e a economia brasileira.” (Senadores estadunidenses Timothy E. Wirth e Henry John Heinz à revista Christian Science Journal, 1989)

“Os países que constituem o G7 precisam buscar um acordo com o governo brasileiro a fim de que as regras para a administração da Amazônia sejam estabelecidas.” (Primeiro-ministro da Alemanha Helmut Kohl, 1991)

“O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais competentes.” (Presidente da União Soviética Mikhail Gorbatchov, 1991)

“As nações desenvolvidas devem estender o domínio da lei ao que é comum de todos no mundo. As campanhas ecologistas internacionais que visam a limitação das soberanias nacionais sobre a região amazônica estão deixando a fase de propaganda para dar início a uma fase operativa que pode, definitivamente, ensejar intervenções militares sobre a região.” (Primeiro-ministro da Grã-Bretanha John Major, 1992)

“Quando o meio ambiente está em perigo, não existem fronteiras.” (Secretária de Estado dos Estados Unidos Madeleine Albright, 1997)

“Caso o Brasil resolva fazer uso da Amazônia, que ponha em risco o meio ambiente nos Estados Unidos, temos de estar prontos para interromper esse processo, imediatamente.” (General Patrick Hughes, diretor da Central de Inteligência das Forças Armadas dos Estados Unidos, 1997)

“Proponho que os países que têm dívida externa com os Estados Unidos troquem essas dívidas por suas florestas tropicais.” (Candidato à presidência dos Estados Unidos George Bush filho, 2000).

General dos EUA ameaça intervenção na Amazônia

25-04-2007

O general americano Patrick Hughes ameaça intervenção na Amazônia brasileira por “questões ambientais”.

Segundo informou o jornalista Ricardo Boechat, inicialmente no programa Bom Dia Brasil da TV Globo, e confirmado essencialmente em matéria publicada em O Globo, “uma platéia de professores do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) presenciou, na quinta-feira passada, um momento histórico: pela primeira vez, uma autoridade de alto escalão dos Estados Unidos defendeu em público a intervenção militar norte-americana na Amazônia”. A autoridade em questão foi ninguém menos que o general Patrick Hughes, atual diretor da agência de inteligência das Forças Armadas norte-americanas (Defense Intelligence Agency - DIA), que discorreu sobre as ameaças potenciais para seu país nos próximos vinte anos: narcotráfico, escassez de matéria prima, terrorismo nuclear e agressões ao meio ambiente com conseqüências para os Estados Unidos. A novidade ficou por conta da declaração explícita do general Hughes de que, se o Brasil resolver fazer uso da Amazônia de forma prejudicial ao meio ambiente dos Estados Unidos, estes devem estar prontos para interromper o processo imediatamente.

Em jargão militar, isto significa hipótese de intervenção armada; tratando-se de um profissional de informações do quilate do general Hughes, estamos defronte não de uma inconfidência, mas de um recado que pode ter múltiplos endereços, como, por exemplo, às Forças Armadas brasileiras, que recusaram peremptoriamente qualquer ingerência na Amazônia de eventuais “capacetes verdes” da ONU por ocasião das recentes queimadas ocorridas na região.

A “Nova Ordem Mundial” e o seu fator “ecológico”

A ameaça pública de Hughes que, segundo O Globo, provocou irritação nos meios militares brasileiros, deve ser analisada em um contexto estratégico bem mais abrangente. Com a derrocada do bloco soviético e a conseqüente introdução de uma nova estratégia geopolítica denominada “Nova Ordem Mundial”, cujo paradigma foi a Guerra do Golfo (quando o Iraque foi arrasado por uma conjugação de forças militares internacionais sob a cobertura da ONU e capitaneadas pelos Estados Unidos de George Bush), ficou claro o deslocamento dos conflitos mundiais do eixo Leste-Oeste para o Norte-Sul.

Um dos pilares desta “Nova Ordem” vem a ser o “fator ecológico”, que inclui a formação de uma ampla corrente de opinião pública internacional favorável ao estabelecimento de um sistema de soberanias limitadas sobre vastas áreas do planeta, sob os mais variados pretextos, como a preservação do meio ambiente ou a proteção das minorias étnicas, como as comunidades indígenas da região Amazônica, que passaria a ser considerada como “patrimônio da Humanidade”.

Tal cenário baseia-se no reconhecimento da “limitação” dos recursos naturais necessários ao avanço do desenvolvimento econômico das grandes potências e na inexistência de “fronteiras ecológicas” entre os diversos países do planeta.

A partir desta nova doutrina, organismos de caráter militar como a OTAN, reforçada com a admissão de novos membros, começaram a reestruturar-se e preparar-se para os futuros “conflitos por recursos naturais”. Reorientação semelhante foi acompanhada por agências de inteligência estratégica e militar das grandes potências, como a citada DIA e a National Security Agency (NSA), ambas norte-americanas. Neste particular, o senador Sam Nunn, presidente do comitê militar do Senado norte-americano, sugeriu que o Departamento de Defesa tornasse a proteção ambiental a sua prioridade máxima, argumentando que as tecnologias ambientais serão “a indústria mais promissora dos próximos 20 anos”.

A proposta do senador foi de encontro às idéias do próprio secretário de Defesa dos EUA, Richard Cheney, que admitiu publicamente que seu departamento deveria tornar-se “líder” em questões ambientais.

Datam desta ocasião as iniciativas para a formação de tropas multinacionais, como as despregadas na Guerra do Golfo, para intervirem unilateralmente em países onde ocorressem catástrofes ambientais que, supostamente, afetariam outros países. Tais tropas, cognominadas de “capacetes verdes”, deveriam ser coordenadas pela ONU à semelhança de seus congêneres militares, os “capacetes azuis”.

O Pentágono quer militares ibero-americanos protegendo o meio ambiente.

Um dos maiores obstáculos para a consecução da estratégia da “Nova Ordem Mundial” na Ibero-América é constituído por suas Forças Armadas, tradicionalmente nacionalistas e imbuídas de seu dever constitucional de defender o solo pátrio contra investidas alienígenas, armadas ou não. Para neutralizá-las, os estrategas da Nova Ordem Mundial acenaram com uma mudança do foco de sua missão uma vez que o inimigo potencial visível, o comunismo soviético, deixara de existir.

Além disso, elas necessitavam de uma “reestruturação”, forçada pela difícil situação econômica dos países ibero-americanos. Para tanto, foi postulado o desmantelamento das Forças Armadas dos países ao sul do Rio Grande, que deveriam ser convertidas em meras forças policiais, sem qualquer capacidade efetiva de defesa das soberanias nacionais. Suas principais missões seriam o combate ao narcotráfico e, exatamente, a “segurança ambiental”.

A linha mestra desta política encontra-se em documentos de think-tanks do Establishment anglo-americano, como o livro The Military and Democracy: The Future of Civil-Military Relations in Latin America, mais conhecido como o Manual Bush para o desmantelamento das Forças Armadas ibero-americanas, cuja publicação foi patrocinada pelo Pentágono. Tais questões são abordadas com detalhes no livro O Complô para aniquilar as Forças Armadas e as Nações da Ibero-América.

Uma das ocasiões para a introdução do conceito de “segurança ambiental” na agenda das Forças Armadas ibero-americanas foi em 4 de junho passado, em Miami, EUA, quando o Comando Sul do Exército dos EUA e a Subscretaria de Segurança Ambiental do Departamento de Defesa promoveram uma Conferência de Segurança Ambiental do Hemisfério Ocidental. O principal orador da conferência foi o subsecretário de Estado para Assuntos Globais, Timothy Wirth, que, diante de 300 oficiais militares de 32 países, afirmou que a proteção ambiental é “um assunto legitimamente militar”.

Segundo Wirth, existem planos específicos para cada país. No caso do Brasil, por exemplo, a proposta visa a auxiliar na “preservação da Floresta Amazônica”, dando assistência direta às Forças Armadas e ao Ministério do Meio Ambiente. Mencione-se que, em abril do ano passado, o Departamento de Estado publicou um refinado documento intitulado Diplomacia Ambiental, com prólogos do vice-presidente Al Gore e da Secretaria de Estado Madeleine Albright, cuja principal mensagem é que “os assuntos de meio ambiente formam hoje parte da corrente principal da política exterior norte-americana”, porque “os problemas ambientais são freqüentemente o núcleo dos desafios políticos e econômicos que enfrentamos ao redor do mundo”.

Dentre as propostas divulgadas por Wirth encontra-se a criação de um sistema internacional de parques ambientais ao longo das fronteiras de diversos países das Américas Central e do Sul, principalmente na Amazônia, onde uma força supranacional cuidaria da preservação ambiental e da integridade territorial.

Entre as regiões candidatas para a implantação destes parques naturais é certamente Roraima a mais rica província mineral do planeta e a Cordilheira do Condor, onde localiza-se um cordão aurífero e outros recursos naturais, objeto de conflito territorial entre Peru e Equador.

O aparato ambientalista internacional como coadjuvante

O aparato ambientalista internacional, constituído por ongs controladas pelo Establishment anglo-americano, desempenha um papel fundamental na implantação do “fator ecológico” acima mencionado. No setor norte-americano, a ong Environmental Defense Fund (EDF- Fundo de Defesa Ambiental) merece atenção especial pelos vínculos que mantém com órgãos do governo estadunidense por meio de intercâmbio de dirigentes.

Caso exemplar é o de Frank Loy, que foi presidente do EDF e que acaba de ser nomeado como subsecretário de Estado para Assuntos Globais, no lugar de Tim Wirth, que foi administrar o fundo de um bilhão de dólares doados recentemente às Nações Unidas pelo magnata da CNN, Ted Turner que, incidentalmente, vem a ser também diretor do EDF.

Outro alto funcionário do governo norte-americano que presidiu o EDF, foi Anthony A. Lapham, que serviu na Central of Intelligence Agency (CIA) e voltou para o EDF. Já Paul Nitze, especialista em controle de armas, funcionário do Departamento de Estado e ex-assessor dos presidentes Kennedy, Johnson e Nixon, foi diretor da EDF logo após a administração do presidente Bush. Este intercâmbio quase promíscuo de pessoas ocupando posições de confiança entre organismos do governo e o EDF permite no mínimo concluir pela existência de objetivos comuns.

Nunca é demais lembrar que estas hidrovias integram o sistema logístico de transporte do Cerrado brasileiro para viabilizar a colocação internacional dos grãos aí produzidos a preços altamente competitivos. Segundo a revista CNT, publicada pela Confederação Nacional do Transporte, um relatório produzido pelo governo norte-americano, ainda na década de 70, considerava o Centro-Oeste brasileiro uma séria ameaça aos produtos de grãos dos Estados Unidos, desde que o Brasil conseguisse viabilizar um transporte barato das áreas de produção até os portos.

http://www.meioambientehoje.com.br/2008/07/29/general-dos-eua-ameaca-intervencao-na-amazonia/

O incêndio de Moscou, 1812

Durante cinco dias seguidos a cidade de Moscou, a antiga capital do Império Russo-Ortodoxo, ardeu violentamente. Ocupada pelo Grand Armée de Napoleão Bonaparte em 14 de setembro de 1812, a cidadela dos czares negou-se se render aos invasores. Quando as chamas finalmente cederam, no dia 20 de setembro, tudo era um imenso entulho de madeira queimada e pedra calcinada. Tratou-se de uma tragédia tão grande como a do terremoto de Lisboa de 1755. Milhares de soldados franceses que a ocuparam, uns cem mil deles, tiveram que acampar nas ruas e nas praças ao desabrigo do tempo. Aquilo foi, porém, apenas um dramático aviso do que os invasores iriam sofrer nos meses seguintes quando foram forçados a bater retirada, em pleno inverno, pela vastidão das terras russas.

A Moscou da fé e dos czares

Desde 1450, Moscou fora o epicentro do expansionismo russo, que conquistara deste então imensas regiões à Oeste, à Leste e ao Sul da Rússia atual, agregando-as ao império dos czares. Coube a Pedro o Grande, a partir da fundação de São Petersburgo, situada na embocadura do rio Neva, nas proximidades do mar Báltico, inaugurada em 1703, transferir o trono de Moscou para lá. Porém, tal translado nunca satisfez a população nativa que via na nova capital o predomínio da influência de idéias e de culturas estranhas à verdadeira Rússia.

Moscou não. Sede do Patriarcado da Igreja Russo-Ortodoxo e do Santo Sínodo, com suas incontáveis igrejas e catedrais de cúpulas douradas, povoadas com relíquias sagradas e com ícones de tradição bizantina, centro de peregrinação que se orgulhava em ser a “Quarta Roma” (a herdeira de Jerusalém, Roma e Constantinopla), cidade santa da cristandade oriental, ela era a verdadeira e única metrópole que continuava morando no coração e no sentimento do povo russo. Afinal, lá estava também o Kremlin, a impressionante fortaleza-imperial que dominava a praça Vermelha, no plano central de Moscou, e inquestionável símbolo do domínio autocrático dos czares. Edifício que inspirava temor e respeito em milhares de súditos do grande império euro-asiático.

Por isso mesmo, pelo fantástico imaginário que ela exercia sobre as populações russas como a mais autêntica representação de fé e de poder que conheciam, é que Napoleão, quando invadiu a Rússia em 23 de junho de 1812, dirigiu o grosso das suas divisões diretamente para lá. “Moscou”, disse ele fascinado, “la capitale asiatique de ce grand empire; la ville sacrée des peuples d´Alexandre; Moscou, avec ses innombrables églises en forme de pagodes chinoises” (Moscou, a capital asiática deste grande império: a cidade sagrada do povo de Alexandre; Moscou com suas inúmeras igrejas em forma de pagode chinês)


A espera da rendição de Moscou

A campanha da Rússia até ali fora formidável. Napoleão conseguira o feito de mobilizar mais de 600 mil homens vindos de toda Europa para acompanhá-lo na aventura. Apesar da resistência aumentar conforme os franceses adentravam no território, ninguém no exército do czar era páreo para enfrentar os 220 mil soldados que Napoleão selecionara para serem o eixo da ofensiva sobre o coração da Rússia, nem o general Bagration nem o então comandante-supremo Barclay de Tolly. A espetacular batalha nas proximidades de Moscou, que os russos chamaram de batalha de Borodino, uma das maiores da suas história, travada em 7 de setembro de 1812, - na qual, em dez horas de canhoneios e metralhas, os franceses perderam 20 generais e 33 mil homens entre mortos e feridos - não conseguira deter o invasor nem fazê-lo bater em retirada. Então foi a vez do recém nomeado generalíssimo Kutuzov, um oficial veterano que enfrentara Napoleão em diversas ocasiões, recuando de Borodino, convencer o Conselho de Guerra, reunido numa izbá na colina de Poklonaia, a abandonar a cidade e salvar o exército. Que sacrificassem Moscou ao invasor por que - garantiu ele depois ao czar - “Graças a Deus, será a sua última vitória”.

Napoleão, uma semana depois, acampou no mesmo lugar tendo à vista as cúpulas douradas das inúmeras igrejas da imensa cidade que brilhavam como se fossem pequenos sóis no horizonte. Esperou ali , como disse aos seus generais, a chegada da “delegação dos boiardos”, os representantes da nobreza russa que deveriam vir entregar-lhe as chaves dos portões num ato de rendição. Espera inútil. A vanguarda francesa que penetrara na cidade, a exceção de alguns bandos de criminosos e salteadores que zanzavam bêbados pelas alamedas desertas de gente , não encontrara ninguém “respeitável” autorizado a pedir paz. No dia 15 de setembro, um esquadrão da cavalaria da Guarda Imperial escoltou Napoleão rumo ao Kremlin em meio a ruas fantasmas.

A evacuação da população fora um acontecimento espantoso. Sabendo do resultado da batalha de Borodino, alguns até bem antes, os moscovitas saíram da cidade em massa tal um bando de aves migratórias. Não houve nenhuma preparação. Tal como o povo da cidade de Smolensk fizera um mês antes, só queriam deixar as cinzas e o entulho para o invasor. Mesmo antes do confuso e atabalhoado Conde Rostoptchine, governador militar da região de Moscou, ordenar a evacuação , centenas de habitantes já haviam se encaminhado para a estrada com o que podiam. Os ricos com suas carruagens e caleches, os burgueses à cavalo, e os remediados com seus bois e suas mulas, ou a pé mesmo, deixaram tudo o mais para trás. Em menos de 24 horas a metrópole virara um acampamento fantasma. Ficaram ainda escondidos, os bem pobres, os miseráveis, e os sapadores de Rostoptchine encarregados de por fogo em tudo o que desse e pudessem. O espanto dos franceses foi total, como se verifica pelo testemunho do sargento Bourgogne:

Nós ficamos surpresos quando não vimos ninguém nos arredores...Nós não conseguimos identificar qual o motivo de tão completo silêncio: como uma cidade tão bela e tão perfeita podia estar sombria e deserta! Nós escutávamos apenas os nossos passos.. Naturalmente que nós não falávamos muito.. Primeiro tentamos nos convencer de que os cidadãos estavam dentro das suas casas nos vigiando...não podíamos imaginar que residências tão bonitas e ricas podiam ter sido abandonadas por seus moradores...Aproximadamente uma hora depois de nós termos entrado na cidade o fogo começou... pensamos que alguns dos saqueadores teriam provocado o fogo sem intenção... Nós não pensávamos que os russos pudessem ser tão bárbaros a ponto de porem fogo nas suas propriedades e que pudessem destruir uma das mais belas cidades do mundo
(citado por V.Vereshchangin – Napoleon in Russia)


O incêndio de Moscou e a reação de Napoleão

Quando as chamas atingiram os muros do Kremlin, onde Napoleão recém se instalara, ele ficou aterrado. Tomou aquilo como um mau agouro. Um sinal de dias futuros ainda piores. Impressionou-se com o fato dos russo voluntariamente abrasarem as suas coisas, entregando o seu acervo e a sua história à destruição completa e total. Aquela determinação deles em travar uma guerra sem quartel e sem acordo, bem ao contrário dos habitantes de Viena, de Berlim, de Munique, de Milão, e de tantas outras cidades que ele submetera antes, abalou sua autoconfiança e o seu sangue frio. Leitor voraz da História, Napoleão logo ligou o episódio as guerras dos citas, os terríveis cavaleiros do sul da Rússia que haviam batido o imperador Dario, da Pérsia, em 515 a.C., quando ele pretendera controlar a embocadura do rio Danúbio, e cujas vivas façanhas guerreiras Homero registrara.
Enquanto isso as labaredas devoravam tudo, alimentado-se da madeira com que a maior parte das moradias moscovitas eram construídas. Cumpria-se assim a promessa de Glinka, um personagem de Tolstoi (in Guerra e Paz, Parte IX, cap. XXII) que disse num reunião patriótica que "o inferno deveria ser combatido pelo inferno". Sobraram, pelo menos em pé, muitas das grandes igrejas, alguns mosteiros, e um e outro prédio público mais imponente, desde que erguidos com tijolos e pedras.


A destruição total da cidade

O próprio Kremlin, de onde Napoleão foi retirado as pressas por uma passagem secreta até o rio Moskwa, sendo alojado num palácio fora da cidade, ficou ameaçado. Uma equipe da fiel guarda, conduzida pelo marechal Davout, é quem conseguiu evitar que a antiga fortaleza também fosse engolida pelo fogo que crepitava ao redor da praça Vermelha. Naquela situação, as montarias da guarda imperial viram-se privilegiadas porque, para protegê-las, alojaram-nas nas naves dos prédios religiosos e das catedrais, viradas em cavalariças. Onde antes os sacerdotes distribuíam suas bênçãos e hóstias agora viam-se forragens para os animais, enquanto que as clarinadas ecoavam por onde outrora ouviam-se os sons dos órgãos e dos sinos das igrejas.

Quando o braseiro amainou, amansado por uma providencial tormenta, testemunhou o Conde de Ségur (A derrota de Napoleão na Rússia, Paris, 1825) que milhares de soldados bivaqueavam pelas ruas e praças misturados ao que restara da população civil de Moscou, a gente paupérrima que não teve condições de evadir-se a tempo da cidade e que naquele momento de agonia se irmanava aos invasores na luta para sobreviverem aquele inferno. Uniformes e rostos enegrecidos, cabelos e dragonas chamuscadas, com sede e famintos, a soldadesca andava às tontas em meio daquele colossal entulho ainda em brasas.


A pilhagem e a vingança


Na hora da pilhagem, até remanescentes de tropas russas que deambulavam por lá perdidos dos seus regimentos, juntaram-se aos soldados de Napoleão para esvaziar os palácios e as mansões do que restara de aproveitável. Quanto à real responsabilidade pelo incêndio é interessante recorrer ao testemunho de von Clausewitz, o oficial prussiano conhecido teórico da guerra, que estava presente, atuando na assessoria do exército russo, quando Moscou ardeu: “A confusão que vi nas ruas enquanto a retaguarda [russa] se retirava; o fato de que a fumaça vista pela primeira vez elevando-se das extremidades dos subúrbios onde os cossacos agiam convenceram-me de que o incêndio de Moscou foi resultado da desordem e do hábito dos cossacos de primeiro saquear e depois por fogo em toda as casas antes que o inimigo pudesse utilizá-las [...] Foi um dos acontecimentos mais estranhos da história, que um evento que tanto influenciou o destino da Rússia pudesse ser como um bastardo nascido de um caso de amor ilícito, sem ter um pai que o reconhecesse.” (“A Campanha da Rússia de 1812”, cit. John Keegan _ Uma História da Guerra, SP. 2002, pag.23).
Rendição dos russos? Nem pensar. Acampados ao longe, em meio aos bosques que cercavam Moscou, vendo a enorme e compacta fumaça subindo aos céus em golfadas, com peito contraído pela dor em ter que assistir impotentes a outrora bela cidade virar fumaça, as tropas do general Kutuzov só pensavam numa coisa: vingança! Vingança! O imperador, perplexo com a guerra que os russos propunham, ainda tardou quase um mês em dar a ordem de recuar. Quando o fez, em 19 de outubro de 1812, já era tarde para salvar seus homens, milhares deles, do Manto de Nesso que caiu sobre eles, envenenado pela neve e pelo gelo que os cobriu durante a catastrófica retirada de volta para o Ocidente.

Recomendamos a leitura de:
Clausewitz, Carl von – A Campanha da Rússia de 1812, SP. Martins Fontes
Las Cases, Conde de – Memorial de Napoleón en Santa Helena, México, Fundo de Cultura Económica.
Segur, general Conde de – A derrota de Napoleão na Rússia, RJ., Edições Mundo Latino
Tolstoi, Leão – Guerra e Paz, RJ, Editora Aguilar

domingo, 27 de julho de 2008

Defesa da Amazônia Azul é estratégica

26/07/2008

RIO - Chamado de Amazônia Azul, o território marítimo brasileiro, duas vezes maior que o Estado do Amazonas, entrou no foco das preocupações políticas. No momento em que os mais recentes poços de petróleo encontrados pela Petrobras encostam no limite de 200 milhas náuticas da área considerada de exploração exclusiva do Brasil, a reativação em junho da Quarta Frota da Marinha americana para operações militares nas Américas do Sul, Central e Caribe, conjuga um quadro de inquietação.

Potências estrangeiras têm interesses econômicos e estratégicos na questão. Os Estados Unidos não são signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), o acordo internacional que estabelece o limite dos mares territoriais de cada nação costeira, do qual o Brasil é signatário desde 1982. E, mês passado, reativaram a Quarta Frota, unidade naval que, segundo o Pentágono, vai patrulhar águas internacionais da costa sul-americana.

Por iniciativa do senador Pedro Simon, a Comissão de Relações Exteriores do Senado decidiu escrever uma carta dirigida aos candidatos à Presidência dos Estados Unidos, Barack Obama e John McCain. No documento, foi formalizada a preocupação do Senado brasileiro com a reativação da Frota.

– O Brasil precisa defender seu mar territorial, pois é nessa área que está o petróleo cobiçado em todo o mundo. O ministério da Defesa prevê que os próximos poços descobertos ultrapassem a extensão de soberania brasileira. As riquezas em alto-mar se valorizaram muito nos últimos anos. De um lado estão as riquezas marítimas da plataforma continental e de outro a Amazônia, está claro que a não assinatura do acordo é uma estratégia dos EUA.

Ouro negro

Geógrafo da USP, Aziz Nacib Ab' Saber sustenta a preocupação do ministério da Defesa em relação a novas descobertas de petróleo com base na teoria da formação das bacias sedimentares:

– No período de separação entre a América do Sul e a África, ambas costas foram inundadas com bolos sedimentares de algas e restos de animais. Em seguida, levantaram-se os blocos continentais e as bacias sedimentares se aprofundaram, gerando um aquecimento geotérmico que acelerou a transformação deste bolo biogênico em óleo. O petróleo é fruto do movimento tectônico.

O geógrafo conclui que “entre América do Sul e África há muito petróleo que ultrapassa nossa extensão marítima”, ressaltando ser preciso “defender o patrimônio, que parte inalienável da soberania brasileira”.

A camada pré-sal, com reservatórios biogênicos que se estendem por 800 km do Espírito Santo a Santa Catarina, pode conter um volume de petróleo capaz de colocar o Brasil entre as maiores potências petrolíferas. Até agora, a Petrobras estimou apenas as reservas do campo de Tupi, em entre 5 a 8 bilhões de barris de óleo, mas fala-se em 33 bilhões de barris só na bacia de Santos.

O Brasil já negocia com a França um acordo para a construção de um submarino à propulsão nuclear que ajudaria na proteção dessas áreas.

Perito brasileiro da Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) junto à ONU, o oficial da Marinha Alexandre Tagore Albuquerque pondera que “em todas as declarações do governo americano consta a afirmação de que respeitarão a jurisdição dos Estados costeiros em relação aos seus espaços marítimos”, mas ressalta a soberania brasileira:

– Limites de fronteira são uma questão de Estado que invariavelmente envolvem a economia, posto que em última análise o território terrestre ou marítimo será sempre importante fonte de recursos naturais. O interesse de qualquer potência estrangeira não pode ir além do que preconiza o direito internacional. É disso que tratamos.

A Quarta Frota atuou entre os anos de 1943 e 1950 e foi reativada mês passado, sem explicações ou aviso prévio aos países da região que vai patrulhar. O sobressalto levou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a dizer que “Os EUA poderão atuar em áreas não jurisdicionais brasileiras. Aqui não entra!”.

Simon conta que o chanceler Celso Amorim “recebeu um telefonema da secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, desculpando-se por não ter se dirigido antes aos governos da América Latina”.

O senador questiona por que um presidente em final de mandato como George Bush tomou uma atitude como esta sem consultas.

– Por isso queremos saber qual é a posição dos presidenciáveis americanos sobre o tema – insiste. – É uma disputa nova, sem experiências antecedentes. É necessário abrir um diálogo com os presidentes latinos.

Jobim declarou que uma das prioridades da política nacional de defesa, que será anunciada dia 7 de setembro, reestruturar os conceitos da defesa da soberania nacional. Nesse sentido, chegou a defender que a Petrobras colabore com o reaparelhamento da Marinha, que receberia parte dos royalties resultantes da exploração de petróleo.

http://jbonline.terra.com.br/extra/2008/07/26/e260720942.html

sábado, 26 de julho de 2008

César Lattes: "Albert Einstein é uma farsa"

Artur Araujo


Reportagem publicada no dia 5 de agosto de 1996 no jornal Diário do Povo (Campinas / São Paulo / Brasil)




Ele é o maior físico brasileiro deste século. Por duas vezes, esteve a um passo de ganhar o Prêmio Nobel. Na primeira vez, em 1947, pela descoberta de uma partícula que integra o núcleo do átomo: o méson pi. Na segunda vez, em 1948, por haver produzido artificialmente o méson pi, a mesma partícula que descobriu em laboratório

César Lattes, nascido Cesare em 1924 em Curitiba, filho de pais italianos, encarna um pouco aquele estilo de gênio polêmico e excêntrico.

Além de seus méritos como cientista, Lattes tem em seu currículo o fato de ter sido um dos co-fundadores da Unicamp em 1962. Desde 63, Lattes vive em Campinas, próximo à universidade.

E foi em sua casa que César Lattes recebeu a reportagem do Diário para a entrevista. Uma casa branca, ao estilo antigo, com vários quadros (inclusive três de Portinari), diversos discos de vinil (ele não gosta de cds), estatuetas de santos e, obviamente, livros (não só de ciências, mas também de arte, e uma grande Bíblia).
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Professor, o que vem a ser exatamente o méson pi?
César Lattes
- O méson pi é uma particula integrante do núcleo do átomo. Ela é apontada como uma das principais responsáveis pela integridade do núcleo, impedindo-o de desintegrar-se.

Há alguma aplicação tecnológica para essa descoberta atualmente?
César Lattes
- No momento, não, mas há a possibilidade de usar o méson pi no tratamento radioterápico contra o câncer. Existe um estudo neste sentido na Inglaterra. Os raios gama produzem um estrago muito grande não só no tumor como na região em volta. E o méson pi seria mais eficiente no combate à doença, porque concentra-se praticamente só no tumor. É uma tecnologia ainda em estudos. Há também a possibilidade da produção de raios-X de maior precisão, que poderia ser aplicado na análise de ligas metálicas.

O senhor quase ganhou por duas vezes o Prêmio Nobel, não é mesmo?
César Lattes
- O inglês Cecil Frank Powell ganhou o Prêmio Nobel de Física de 1950. Ele levou o prêmio pelo método de revelação fotográfica da partícula do meson pi. Era mais o velho de nós e era também inglês. Havia também o italiano Guiseppe Occhialini. Eu tinha 23 anos quando participei da descoberta, em 1947. Era muito novo. Ele era o professor residente em Bristol e nós pesquisadores associados. O prêmio acabou ficando para ele...

Em 1950, o senhor tinha 26 anos, um ano a mais que Einstein quando ele recebeu o Nobel...
César Lattes
- Já imaginou que problema eu teria? Iria passar o resto da vida fazendo cartinhas de recomendação como o Einstein. Graças a ele, muitos maus cientistas conseguiram bons cargos em universidades.

E a segunda vez?
César Lattes
- A segunda vez está relacionada à produção artificial de mésons. Isso foi no ano seguinte à descoberta do méson pi, em 1948. Essa pesquisa eu desenvolvi com o físico norte-americano Eugene Gardner. Na época, a comissão do Prêmio Nobel se interessou, e chegou a enviar uma carta para mim por meio da Universidade do Brasil, atual Universidade do Rio de Janeiro. Só que a burocracia interna fez com que a carta só fosse entregue a mim um ano depois. Neste período, meu parceiro de pesquisa morreu. E como não se dá prêmio póstumo, perdi a oportunidade.

Professor Lattes, o físico inglês Stephen Hawking afirmou, em seu livro "Uma breve história do tempo" que os físicos têm gasto tempo demais na pesquisa da física de partículas. O senhor concorda com isso?
César Lattes
- Aquele livro é uma droga, uma porcaria. Ele não tem representatividade nenhuma na física. Sua fama é fruto só da imprensa. Ele é um mau caráter. O resumo da biografia do Newton que ele fez mostrou que ele morre de inveja do Newton. Hawking chamou o maior físico de todos os tempos de mau caráter, que gostava de dinheiro... é um pobre coitado.

Mas ele é um físico muito conceituado...
César Lattes
- Ele pode ser conceituado na imprensa, mas não é conceituado no meio científico.

O senhor é tido como um crítico de Einstein, não é mesmo?
César Lattes
- Einstein é uma fraude, uma besta! Ele não sabia a diferença entre uma grandeza física e uma medida de grandeza, uma falha elementar.

E onde exatamente ele cometeu a falha a qual o senhor está falando?
César Lattes
- Quando ele plagiou a Teoria da Relatividade do físico e matemático francês Henri Poincaré, em 1905. A Teoria da Relatividade não é invenção dele. Já existe há séculos. Vem da Renascença, de Leonardo Da Vinci, Galileu e Giordano Bruno. Ele não inventou a relatividade. Quem realizou os cálculos corretos para a relatividade foi Poincaré. A fama de Einstein é mais fruto do lobby dele na física do que de seus méritos como cientista. Ele plagiou a Teoria da Relatividade. Se você pegar o livro de história da física de Whittaker, você verá que a Teoria da Relatividade é atribuída a Henri Poincaré e Hawdrik Lawrence. Na primeira edição da Teoria da Relatividade de Einstein, que ele chamou de Teoria da Relatividade Restrita, Ele confundiu medida com grandeza. Na segunda edição, a Teoria da Relatividade Geral, ele confundiu o número com a medida. Uma grande bobagem. Einstein sempre foi uma pessoa dúbia. Ele foi o pacifista que influenciou Roosevelt a fazer a bomba atômica. Além disso, ele não gostava de tomar banho...

Então o senhor considera a Teoria da Relatividade errada? Aquela famosa equação "E=MC²" está errada?
César Lattes
- A equação está certa. É do Henri Poincaré. Já a teoria da relatividade do Einstein está errada. E há vários indícios que comprovam esse ponto de vista

Mas, professor, periodicamente lemos que mais uma teoria de Einstein foi comprovada...
César Lattes
- É coisa da galera dele, do lobby dele, que alimenta essa lenda. Ele não era tudo isso. Tem muita gente ganhando a vida ensinando as teorias do Einstein.

Mas, e o Prêmio Nobel que ele ganhou por sua pesquisa sobre o efeito fotoelétrico em 1921?
César Lattes
- Foi uma teoria furada. A luz é principalmente onda. Ele disse que a luz viajava como partícula. Está errado, é somente na hora da emissão da luz que ela se apresenta como partícula. E essa constatação já tinha sido feita por Max Planck.

O senhor chegou a conhecer os grandes físicos naquela época em que esteve na Europa e nos Estados Unidos?
César Lattes
- Conheci os irmãos Oppenheiner, o Robert e o Frank, que foram bons amigos meus. O Robert era mais um filósofo.

Mas foi ele que comandou o projeto da bomba atômica.
César Lattes
- Sim. Ele coordenou a parte de Los Alamos, que produziu as primeiras bombas. Mas o Robert não era a favor da bomba. Ele se recusou a fazer a bomba de hidrogênio e foi colocado de lado por isso. Frank não era tão filósofo assim. Ele era mais pragmático. Ambos terminaram marginalizados por causa do macartismo, que perseguia esquerdistas nos EUA nos anos 50. Já o Enrico Fermi eu conheci superficialmente.

Por que o senhor não se transferiu para o exterior?
César Lattes
- Não sou mercenário. Não me vendo, ainda mais para fazer guerra.

Estive vendo que o senhor tem três quadros de Portinari, um até com dedicatória...
César Lattes
- Comprei uma gravura em aguaforte, que é um trabalho em série, em uma exposição. Quando ele ficou sabendo, veio correndo e me entregou uma segunda aguaforte com uma dedicatória ("Para o Lattes, glória do Brasil, e para Martha, com a auspiciosa admiração de Portinari"). O terceiro quadro, ele me deu tempos depois. Foi feito a lápis e reproduz uma cena da minha infância, que ele produziu de forma impressionante. Parecia até que ele tinha estado lá.

O senhor considera satisfatório o nível da física praticada hoje em dia no Brasil?
César Lattes - Não.

Por que?
César Lattes - Acho que hoje há muita química e pouca física nos centros de pesquisa do País. Atualmente, a moda na ciência é a física analisar as propriedades dos materiais. O que, para mim, está mais para a química do que para a nossa disciplina. Além disso, esse tipo de saber tem pouca aplicação no Brasil. Para quê indústria está se fazendo essa pesquisa? Para as indústrias dos países ricos.

Para onde então deveria se dirigir os esforços de pesquisa?
César Lattes - Para as fontes de energia alternativas e baratas. Haveria muito mais potencial de aplicação aqui desse tipo de conhecimento.

Qual sua avaliação da qualidade atual de nossas universidades?
César Lattes - Bem, a USP hoje em dia para mim está fossilizada. Deitou na fama e acomodou-se. Não há criatividade lá, como houve no passado. O caso da Unicamp não é muito diferente. Hoje em dia, valorizam-se mais os títulos e cargos do que a pesquisa pura nas universidades. Há papéis e computadores demais e reflexão e criatividade de menos. Outro problema, principalmente no caso da Unicamp, que conheço mais, é o inchaço do corpo burocrático, que consome a maior parte das verbas destinadas à universidade.

Qual problema o senhor vê com os computadores?
César Lattes - O computador trouxe uma certa preguiça intelectual para alguns cientistas. Pensa-se menos hoje em dia. Eu chegaria a dizer que alguns cientistas nem sequer pensam. Ficam dependentes do computador e deixam de lado a criatividade.

E como o senhor vê atualmente o papel do governo na educação?
César Lattes - Equivocado demais nas universidades federais, que estão com suas burocracias inchadas e nada preocupadas com a pesquisa primária, que é muito importante e fundamental.

Há muito tempo, a física descarta a hipótese da existência de Deus. Atualmente, como está a relação entre a religião e a ciência?
César Lattes - Acho que você está enganado. O maior de todos os físicos, Isaac Newton, pesquisou a Matemática e a ótica, mas também a alquimia e dedicou-se à pesquisa do Apocalipse de São João. O matemático que estabeleceu as bases da mecânica quântica acreditava em Deus.

Estive notando, o senhor fuma muito, e ainda por cima cigarro sem filtro...
César Lattes - Nem tanto assim. Fumo os sem filtro porque os de filtro fazem mal à saúde e, com os sem filtro, termino fumando só a metade do cigarro. Eu acabo por fumar um maço e pouco, no máximo dois. Além disso, o fumo e o café são estimulantes intelectuais.

Mas o fumo não faz mal à saúde?
César Lattes - Há muita estatística. Eu costumo dizer que, quando há muita estatística, é porque Deus ainda não se decidiu.

Estava notando a sua coleção de discos. O senhor não tem cd?
César Lattes - A gravação em cd é uma porcaria. Não registra direito graves e agudos. Então, procuro em sebos e compro um monte de discos de vinil de Vivaldi e Beethoven por R$ 1 e R$ 2.

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Pequeno Perfil

Música - Erudita (Beethoven, Bach e Vivaldi) e Popular (Roberto Carlos)
Livro - A Bíblia ("principalmente o Velho Testamento")
Cidade preferida - Rio de Janeiro
Prato favorito - Espaguete

A colaboração entre o sionismo e o Nacional-Socialismo

No início de 1935, uma embarcação lotada de passageiros, com destino a Haifa, na Palestina, deixou o porto alemão de Bremenhaven. Na sua popa estava gravado o seu nome em carecteres hebraicos: “Telavive”, enquanto que uma bandeira com a cruz suástica ondulava na parte superior do mastro. Embora a embarcação fosse propriedade sionista, o seu capitão era um membro do Partido Nacional-Socialista. Numerosos anos depois, um antigo passageiro dessa embarcação designou esta associação de símbolos “um absurdo metafísico”. Absurdo ou não, trata-se de um capítulo pouco conhecido da história: a colaboração de grande amplitude entre o sionismo e o III Reich hitleriano.
Durante os anos 30, os judeus sionistas e os alemães nacional-socialistas compartilharam pontos de vista similares quanto à “questão judaica”. Estavam de acordo quanto ao facto dos judeus e dos alemães serem duas nacionalidades diferentes. Os judeus que viviam no Reich não eram considerados como “alemães de confissão judaica”, mas antes como membros de uma comunidade nacional distinta. O sionismo (nacionalismo judaico) implicava também a obrigação para os judeus sionistas de estabelecerem-se na Palestina, a “pátria judaica”.

A única solução para os judeus, dizia Theodor Herzl (1860-1904, fundador do sionismo moderno), é reconhecer a realidade e viver num Estado separado. “A questão judaica existe onde quer que vivam judeus em número importante”, escrevia na sua obra mais conhecida, “O Estado Judaico”. A questão judaica, afirmava, não é nem social nem religiosa. “É uma questão nacional. Para a resolver, devemos sobretudo lançar uma questão internacional…” Qualquer que seja a sua nacionalidade, insistia Herzl, os judeus não constituem simplesmente uma comunidade religiosa, mas uma nação, um povo, um “Volk”. O sionismo, escrevia Herzl, “propunha ao mundo a solução para a questão judaica”.

Seis meses após a chegada de Hitler ao poder, a Federação Sionista da Alemanha (de longe o grupo sionista mais importante do país), apresentou ao novo governo um memorando detalhado no qual se fazia o ponto da situação sobre as relações germano-judaicas e propunha formalmente o apoio sionista para resolver a “questão judaica”. A primeira etapa, sugeria o documento, devia ser um honesto reconhecimento das diferenças nacionais fundamentais:

- O sionismo julga que o renascimento da vida nacional de um povo que está a actualmente realizar-se na Alemanha, pelo despertar da sua identidade cristã e nacional, deve também ocorrer no grupo nacional judaico. Para o povo judaico também, a origem nacional, a religião, o destino comum e o sentido da sua unicidade, devem ser de uma importância decisiva para a continuidade da sua existência. Isso significa que o egoísmo individualista da Era liberal deve ser ultrapassado e substituído pelo sentido da comunidade e da responsabilidade colectiva…

- O nosso reconhecimento da nacionalidade judaica reclama uma relação clara e sincera com o povo alemão e as suas realidades nacionais e raciais. Precisamente porque não desejamos falsificar estes fundamentos, porque também somos contra os casamentos mistos e para a manutenção da pureza do grupo judaico, e rejeitamos qualquer intromissão no domínio cultural, podemos – uma vez que crescemos na língua e cultura alemãs – encontrar interesse nos trabalhos e valores da cultura alemã, com admiração e simpatia…

- Pelos seus objectivos práticos, o sionismo espera ser capaz de obter a colaboração mesmo de um governo fundamentalmente hostil aos judeus, porque para resolver a questão judaica os sentimentos não contam, mas só um real problema cuja solução interessa a todos os povos e actualmente, e particularmente, ao povo alemão…

O jornal da Federação, o “Jüdische Rundschau” (“Revista Judaica”), proclamou a mesma mensagem: “O sionismo reconhece a existência de um problema judaico e deseja uma solução construtiva e a longo prazo. Posto isto, o sionismo deseja obter o apoio dos povos, quer sejam pró ou anti-judaicos, porque do seu ponto de vista, temos em conjunto que resolver um problema concreto mais do que sentimental, cuja solução interessa a todos os povos.”

O governo de Hitler apoiou vigorosamente o sionismo e a emigração judaica para a Palestina de 1933 a 1940-41, sendo que a II Guerra Mundial impediu uma colaboração acentuada.

Mesmo quando o III Reich se fechou mais e endureceu as suas leis, numerosos judeus alemães, provavelmente uma maioria, continuaram a considerar-se, frequentemente com um grande orgulho, como alemães acima de tudo. Pouco se deixaram entusiasmar pela perspectiva de abandonar o solo alemão para começar uma nova vida na remota Palestina. Contudo, o número de judeus alemães a converterem-se ao sionismo durante este período aumentou exponencialmente. A divulgação do bimensal da Federação Sionista “Jüdische Rundschau” também cresceu imensamente. Numerosos livros sionistas foram publicados. “A actividade sionista estava em pleno desenvolvimento” na Alemanha durante estes anos, nota a Enciclopédia Judaica. Uma convenção sionista celebrou-se em Berlim em 1936, reflectindo “na sua composição a vida vigorosa do partido dos sionistas alemães”.

O oficial SS Leopold von Mildenstein e o representante da Federação Sionista Kurt Tuchler partiram juntos para a Palestina por seis meses, a fim de avaliar o desenvolvimento do sionismo neste território. Baseando-se nas suas observações em primeira-mão, Von Mildenstein escreveu uma série de doze artigos ilustrados no importante diário berlinense Der Angriff [o jornal lançado por Goebbels em 1927, N. do T.], que foram publicados no fim de 1934 sob o título “Um nazi viaja à Palestina”. Um lar nacional judaico na Palestina, escrevia no seu último artigo, “mostra a via para curar uma ferida velha de vários séculos sobre o corpo do mundo: a questão judaica”.

Uma das mais importantes companhias marítimas alemãs abriu uma linha directa entre Hamburgo e Haifa na Palestina, em Outubro de 1933.

Como escreveu o escritor americano Francis Nicosia no seu estudo de 1985, “O Terceiro Reich e a questão na Palestina”: “Os sionistas foram encorajados a emitir a sua mensagem à comunidade judaica, a recolher dinheiro, a passar filmes sobre a Palestina, e geralmente a educar os judeus alemães a propósito da Palestina. Houve uma pressão considerável para ensinar aos judeus na Alemanha a cessar de se identificarem como alemães e despertar neles uma nova identidade nacional judaica.”

Após o Congresso do Partido Nacional-Socialista em Setembro de 1935, o Reichstag adoptou as leis ditas “de Nuremberga”, que proibiam os casamentos e as relações sexuais entre judeus e alemães, proclamando que os judeus eram uma minoria nacional estrangeira.

O especialista dos Negócios Judaicos do Ministério do Interior, o Dr. Bernhard Lösener, exprimiu o seu apoio ao sionismo num artigo que apareceu numa edição de Novembro de 1935 do boletim oficial da Administração do Reich:

“Se os judeus tivessem já o seu próprio Estado no qual a maioria deles estivesse instalada, então a questão judaica poderia ser considerada como completamente resolvida hoje, e também para os próprios judeus.” A mais fraca oposição às ideias contidas nas leis de Nuremberga encontrou-se nos sionistas, uma vez que estes imediatamente compreenderam que estas leis representam as únicas soluções correctas para o próprio povo judaico. Pois cada nação deve ter o seu próprio Estado como expressão externa do seu próprio espírito nacional.”

O apoio alemão ao sionismo foi limitado a um apoio para um lar judaico na Palestina, sob controlo britânico, e não para um Estado judaico soberano.

Um Estado judaico na Palestina, declarou o Ministro [alemão] dos Negócios Estrangeiros a diplomatas em Junho de 1937, não seria do interesse da Alemanha porque não seria capaz de absorver todos os judeus do mundo, mas serviria apenas como uma base de poderio suplementar para o judaísmo internacional, mais ou menos da mesma maneira que Moscovo servia como base para o Comunismo Internacional.

O Ministério de Economia do Reich ajudou a organizar uma companhia de transferência, a Agência de Investimento e de Comércio Internacional, ou Intria, pela qual os Judeus dos países estrangeiros podiam ajudar os judeus alemães a emigrar para a Palestina. Quase 900.000 dólares foram transferidos pelos judeus alemães na Palestina através do Intria. Outros paises europeus, impacientes em incentivar a emigração judaica, concluiram acordos com os sionistas. Em 1937 a Polónia autorizou [a criação] da companhia de transferência Halifin (palavra hebraica para “troca”). No fim do Verão de 1939, a Checoslováquia, a Roménia, a Hungria e a Itália haviam assinado acordos similares. O desencadeamento da guerra em Setembro de 1939, impediu contudo a aplicação a grande escala destes acordos.

Entre 1933 e 1941, cerca de 60.000 judeus alemães emigraram para a Palestina com a ajuda do Haavara e de outros acordos germano-sionistas, ou seja mais ou menos 10% da população judaica da Alemanha de 1933. (Estes judeus alemães formavam cerca de 15% da população judaica da Palestina em 1939.) Certos emigrantes do Haavara transferiram fortunas pessoais consideráveis da Alemanha para a Palestina. Como notou o historiador judaico Edwin Black: “muitas destas pessoas, especialmente no fim dos anos 30, puderam transferir verdadeiras contrapartes das suas casas e das suas fábricas, ou seja quase refazer a sua vida de forma idênticas ao que tinham anteriormente”.

O historiador Edwin Black estimou que 70 milhões de dólares suplementares puderam ser transferidos para a Palestina por acordos comerciais corolários com a Alemanha, e transacções bancárias internacionais. Os fundos alemães tiveram um impacto essencial num país também subdesenvolvido que era a Palestina nos anos 30, observa. Várias empresas industriais essenciais foram criadas com os capitais oriundos da Alemanha, incluindo as empresas de canalizações “Mekoroth” e de têxtil “Lodzia”. O afluxo dos produtos e dos capitais do Haavara, conclui Edwin Black, “produziu uma explosão económica na Palestina judaica” e foi “um factor indispensável na criação do Estado de Israel”.

Antigos oficiais da companhia do Haavara na Palestina confirmaram estes dados num estudo detalhado do Acordo de Transferência, publicado em 1972: “A actividade económica tornada possível pelo afluxo de capitais alemães e as transferências do Haavara para os sectores privado e público, foram de enorme importância para o desenvolvimento do país.” Numerosas indústrias novas e empresas comerciais estabeleceram-se na Palestina judaica, e numerosas empresas que são extremamente importantes, ainda hoje, para a economia do Estado do Israel, devem a sua existência ao Haavara. O Dr. Ludwig Pinner, um representante do Haavara em Telavive durante os anos 30, comentou mais tarde que os imigrantes excepcionalmente competentes do Haavara “contribuíram de maneira decisiva” para o desenvolvimento económico, social, cultural e educativo da comunidade judaica da Palestina.

Terror na Palestina

Quem trouxe o terror para as ruas de Jerusalém? Quem iniciou o ciclo de destruição e caos? Quem é que explodiu com inocentes e edifícios? Quem é que assassinou soldados Britânicos, enquanto outros lutavam contra a ‘Alemanha Nazi’? O terror na Palestina só tem um pai: o Sionismo.
Detesto clichés. No entanto aquele sobre o terrorista de uns ser o libertador[1] de outros tem uma certa verdade.

Frequentemente o ‘freedom fighter’ é visto como tal em resultado de uma visão romântica ou ingénua, como é o caso da imagem de Che Guevara.

Por vezes a passagem do tempo distorce a percepção, particularmente em casos em que a “correcção política”[2] impede que se analisem os factos. É nesta categoria que podemos incluir a campanha de terror organizada por Avraham Stern, Yitzhak Shamir, Menachem Begin, e outros, no protectorado Britânico da Palestina.

A população judaica na Palestina

Há a comum noção errada de que foi apenas após o final da II Guerra Mundial que a população judaica surgiu na Palestina em resultado da imigração proveniente da Europa arrasada pela guerra, e que isso, juntamente com as tentativas Britânicas para conter o fluxo levou à campanha Sionista pela independência. Isto não é verdade, e para analisarmos as raízes da campanha Sionista temos de olhar para o início do séc. XX.

Em 1918 havia cerca de 50.000 judeus na Palestina, número esse que foi aumentando gradualmente até ao ponto de ter duplicado por volta de 1925. Tão cedo quanto 1921 os Palestinianos Árabes pressionaram[3] a Grã-Bretanha com o objectivo de obterem um governo representativo que lhes permitisse ter poder de veto sobre qualquer futura imigração. Sentindo um descontentamento crescente entre os Árabes, e perante um cenário de motins de rua em 1921/22, o Alto Comissário Britânico[4] Sir Herbert Samuel ordenou a suspensão da imigração Judaica, e embora as tensões tenham arrefecido imediatamente, ela foi calmamente retomada. Ainda antes destes distúrbios, em 1920, um organização judaica para-militar ilegal, a ‘Haganah’, foi formada no Protectorado.

A imigração aumentou em 1933, em resultado da ascensão ao poder de Hitler. Entre 1933-36 a população judaica aumentou de 230.000 para 400.000. A 15 de Abril de 1936 os Árabes declararam uma greve geral que rapidamente se tornou numa rebelião aberta. As autoridade Britânicas só conseguiram restaurar a ordem em Outubro, altura em que já tinham morrido 138 Árabes, 80 Judeus, e 33 soldados Britânicos. As tentativas Britânicas para resolver o problema tornaram-se cada vez mais desesperadas. Em 1937 uma Comissão Real[5] anunciou que um plano para dividir o protectorado em dois Estados: a Galileia e a planície junto à costa pertenceriam aos Judeus, enquanto que Gaza, Sameria, a Judeia do Sul e o deserto de Negev seriam governadas pelos Árabes[6]. Os Britânicos, cada vez mais proteccionistas em relação aos seus poderes políticos e interesses comerciais, manteriam o controlo de Jerusalém, Belém[7], Jaffa e Lod. Os judeus concordaram com o plano, vendo-o como uma maneira de conseguir um ponto forte[8], mas os Árabes não. Eles compreenderam que qualquer concessão ao lobby Sionista seria rapidamente seguida por mais exigências e intimidação. O plano nunca foi implementado. Foi também em 1937 que Vladimir “Zeev” Jabotinsky, Sionista e Comunista, formou a “Irgun Zvai Leumi” (Organização Militar Nacional).

Jabotinsky e a Irgun

Jabotinsky nasceu em Odessa, em 1880, foi jornalista e escritor, e nos meses finais da I Guerra Mundial, estranhamente[9], juntou-se ao Exército Britânico (não se sabe com que objectivo) e lutou ao lado das tropas do General Allenby. Juntamente com Avraham Tehomi, Jabotinsky formou a Irgun, com elementos militantes da Haganah.

Os objectivos declarados da Irgun eram expulsar os Britânicos da Palestina, derrotar politicamente os Árabes, trazer um milhão de colonos Judeus por ano e colonizar ambas as margens do rio Jordão.

O Gang Stern

Após a morte de Jabotinsky, em 1940, (sofreu um ataque cardíaco enquanto angariava fundos junto dos judeus de Nova Iorque) a liderança da Irgun passou para um imigrante polaco chegado recentemente – Menachim Begin. Ao mesmo tempo o movimento dividiu-se, tendo os elementos mais brutais afastado-se sob a liderança de Abraham Stern, formando aquilo que veio a ser conhecido como o ‘Gang Stern’. O Gang Stern acreditava que não devia haver qualquer limitação à expansão Sionista e tentou, imediatamente, forçar uma mudança de política assassinando oficiais Britânicos. O ódio de Avraham Stern pelos Britânicos era de tal ordem que os considerava um inimigo maior do que Hitler, e opunha-se a que judeus se alistassem para a guerra contra a Alemanha. Sentimento bizarro, mas que ajuda a compreender a ideologia de Stern.

De facto, em Setembro de 1940, o gang Stern entrou em negociações com Mussolini, através de um emissário, e em Janeiro de 1941 Stern enviou, pessoalmente, um agente a Beirute (controlada por Vichy) para entregar uma carta aos representantes do Reich. Foi também no Gang Stern que o futuro Primeiro Ministro de Israel, Yitzhak Shamir - adquiriu notoriedade, assumindo a liderança do grupo terrorista após a morte de Stern. O extremismo político de Stern, as tentativas de ligação com os Nazis, os assaltos à mão-armada valeram-lhe o desprezo da maioria dos Judeus. Os Britânicos intensificaram a sua ‘caça’ e capturaram-no num esconderijo em Tel Aviv, a 12 de Fevereiro de 1942, onde foi imediatamente fuzilado. Há uma palavra hebraica – MEKHABBEL – que descreve alguém que luta contra o Estado através de violência política. Por outras palavras: um terrorista. Stern, Shamir e os seus camaradas usavam esta distinção com grande orgulho.

Parece que os terroristas não tinham problemas em assassinar os seus, para alcançar os seus objectivos. Em Novembro de 1940, a Haganah colocou explosivos no SS Patria no porto de Haifa. Em resultado da catástrofe morreram 270 imigrantes. Em 1942 os Sionistas usaram explosivos para afundar o SS Struma no mar Negro. Morreram 769 homens, mulheres, e crianças. Ambas as atrocidades foram atribuídas à imposição Britânica de quotas de imigração.

O terror começa a sério

A evolução do nacionalismo Sionista tinha levado a um ponto em que os radicais é que tinham o controlo. E assim a matança começou.

Em Novembro de 1942, os assassinos Eliyahu Hakim e Eliyahu Beit-Tzur, do Gang Stern, viajaram até ao Cairo e assassinaram o Lorde Moyne, Secretário de Estado Colonial Britânico para a Palestina[10]. (Ambos foram apanhados e enforcados pelos Britânicos. O Primeiro Ministro Israelita, Yitzhak Shamir, antigo membro do Gang Stern, trouxe os seus restos mortais para Israel para que fossem sepultados como “heróis”. Muitas ruas receberam o nome destes assassinos e terroristas).

Como acontece frequentemente, à medida que a campanha de terror se intensificou, as vitimas foram os polícias e soldados Britânicos. A lista seguinte não é, de maneira alguma, exaustiva, mas ilustra bem a campanha de terror e assassínio levada a cabo pelos Sionistas.

14 Fevereiro 1944 – 2 polícias mortos

2 Março 1944 – 1 polícia morto

23 Março 1944 – 3 mortos no Quartel General de Tel Aviv. Três policias mortos no bombardeamento do Quartel General em Haifa. Superintendente da polícia assassinado em Jerusalém

8 Agosto 1944 – 10 polícias mortos durante a tentativa falhada de assassinio do Alto Comissário Britânico

29 Agosto 1944 – Oficial superior da polícia assassinado

29 Setembro 1944 – assassínio do assistente do superintendente

25 Abril 1946 – 7 soldados assassinado, durante o sono, em Tel Aviv

22 Julho 1946 – 91 mortos no ataque bombista ao hotel King David, que servia de escritórios do Secretariado do governo Palestiniano e de Quartel General do exército Britânico. O bombardeamento foi feito com a conivência da Agência Judaica, de David Bem-Gurion.

13 Novembro 1946 – 2 polícias mortos em ataques bombistas

18 Novembro 1946 - 5 polícias mortos em ataques bombistas

21 Novembro 1946 – ataques bombistas aos escritórios do governo Britânico. 9 mortos

2 Dezembro 1946 – 4 soldados Britânicos mortos

Natal de 1946 – ataque à bomba a esquadra de polícia. 6 mortos

26 Dezembro 1946 – 4 cidadãos Britânicos, raptados e espancados

29 Dezembro 1946 - 3 soldados Britânicos, raptados e espancados

12 Janeiro 1947 – 2 polícias mortos em atentado bombista

1 Março 1947 – atentado bombista ao clube de oficiais, em Jerusalém, e outros ataques terroristas. 18 mortos e 85 feridos

18 Abril 1947 – ataque ao hospital militar Britânico. 1 morto

20 Abril 1947 – ataque ao armazém da Cruz Vermelha. Vários soldados feridos

22 Abril 1947 – ataque a um comboio. 5 soldados mortos e 23 feridos

26 Abril 1947 – polícia assassinado em Haifa

9 Junho 1947 – 2 polícias raptados e espancados

31 Julho 1947 – 2 sargentos são encontrados enforcados. Os seus corpos estavam mutilados

Agosto 1947 – 3 polícias assassinados

26 Setembro 1947 - 4 polícias assassinados

29 Setembro 1947 - 9 polícias e 4 civis assassinados

Janeiro 1948 – 1 soldado morto e 4 feridos
Fevereiro 1948 – 27 soldados e aviadores Britânicos assassinados e 25 feridos num ataque a um comboio

23 Fevereiro 1948 – 2 polícias assassinados na cama de hospital em Wallach, e 1 polícia assassinado em Jerusalém

Aprovação oficial

Não há qualquer dúvida de que esta campanha de terror, teve, pelo menos, a aprovação da Agência Judaica (organização oficial representante dos Judeus Palestinianos). O conluio entre a Agência e o Gang Stern é confirmado no Livro Branco do Gabinete Colonial Britânico sobre a Palestina[11]. O presidente[12] da Agência Judaica era David Ben-Gurion, que mais tarde se tornou no primeiro Primeiro Ministro Israelita. De facto, tem sido alegado que foi Ben-Gurion que aprovou o ataque ao hotel King David. Shamir e Begin nunca tentaram esconder o seu passado de “freedom fighters”, vangloriando-se da campanha para livrar a Palestina dos odiosos Britânicos.

Quando a Union Jack foi hasteada pela última vez em Jerusalém, a 14 de Maio de 1948, Ben-Gurion tornou-se Primeiro Ministro.

Algumas semanas antes deste acontecimento a Irgun e o Gang Stern viraram as suas atenções para outros alvos. A 10 de Abril de 1948 a população de Nasr el Din foi massacrada. A 5 de Maio de 1948 foi a vez de homens, mulheres e crianças da aldeia de Khoury. No dia em que o mandato Britânico acabou os aldeões de Beit Drass foram chacinados.

Na aldeia de Deir Yassin, a Irgun matou 250 Árabes, numa orgia de violência sem precedentes. O Secretário de Estado Britânico para as Colónias, falando aos Comuns disse: “Esta bárbara agressão é uma prova de selvajaria. É um crime a acrescentar à longa lista de atrocidades cometidas pelos Sionistas até este dia, e para o qual não conseguimos encontrar palavras de repulsa...”

Perto do final de 1948, o Gang Stern assassinou o mediador das Nações Unidas para a Palestina, o Conde Folke Bernadette. O seu “crime” foi preocupar-se com os Árabes Palestinianos.

Infâmia e Traição

Devemos ter em mente que tanto a Irgun como o Gang Stern incluíam “Bretões”. Alguns, alegadamente, lutaram nas ‘Brigadas Internacionais’ comunistas durante a Guerra Civil Espanhola. Outros, vergonhosamente, eram antigos soldados Britânicos que viraram armas contra os seus antigos camaradas. Devemos também lembrar-nos de que muitos destes actos assassinos contra soldados Britânicos foram levados a cabo enquanto o Exército Britânico libertava campos de concentração na Europa.

Durante toda esta campanha de terror podemos ver a mão de homens que mais tarde se tornariam altas figuras do Estado de Israel e heróis nacionais. Outra figura, que fez nome como o “Carniceiro de Beirute”, muito depois da retirada Britânica, é Ariel Sharon, que também se tornou Primeiro Ministro de Israel. Parece que a linhagem continua, o que não é nada bom sinal para os Palestinianos, ou para qualquer hipótese de paz, numa parte do mundo que tem conhecido muito sofrimento e derramamento de sangue ao longo dos séculos.

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Notas:

[1] no original: freedom fighter
[2] no original: political correctness
[3] no original: lobbied
[4] no original: British High Commissioner
[5] no original: Royal Commission
[6] no original: Galilee and the Coastal plain were to be Jewish, whilst Gaza, Sameria, South Judea and the Negev desert were to be run by the Arabs
[7] no original: Bethlehem
[8] no original: foothold
[9] no original: contrived
[10] no original: British colonial Secretary of State for Palestine
[11] no original: British Colonial Office White Paper on Palestine (cmd. 6873)
[12] no original: Chairman

"Outras Perdas"

Adaptação livre baseada no livro «Outras Perdas», de James Bacque, por PTNS

UM VERDADEIRO GENOCÍDIO

Em finais de Abril de 1945, já há muito o destino da Segunda Guerra Mundial havia sido traçado. O trovejar da artilharia, dava lugar na maior parte da frente ocidental, ao arrastar de milhões de pares de botas das colunas de soldados alemães desarmados, que extenuados, marchavam em direcção aos recintos de arame farpado dos Aliados. Estas rendições em massa no ocidente, contrastavam com os derradeiros combates na frente oriental, onde unidades sobreviventes da Wermacht, continuavam a combater o avanço do exército vermelho, de modo a permitir que o maior número possível de camaradas escapasse aos Russos.
Tratava-se da estratégia final do Alto Comando alemão, sob as ordens do almirante da Armada, Karl Doenitz, estratégia essa que equivaleria a confiar milhões de soldados alemães aos aliados ocidentais, que se esperavam vir a ser mais clementes, encontrando-se estes sob a chefia do comandante militar supremo, o general Dwight Eisenhower.

Seria no entanto uma esperança desesperada, dado o feroz e obsessivo ódio do general Eisenhower não só a tudo o que estivesse ligado ao regime nazi, como aliás a tudo o que fosse alemão.

Mais de cinco milhões de soldados alemães, viram-se assim encurralados em cárceres de arame farpado, na sua maioria a acotovelarem-se uns aos outros, onde o solo em que pisavam, cedo se tornaria num atoleiro de imundices e doenças. Expostos a duras condições climatéricas, sem disporem de instalações sanitárias e subalimentados, os prisioneiros cedo começaram a morrer de inanição e de doenças. Cerca de um milhão de homens viriam a ser aniquilados indiferentemente pelos exércitos dos EUA e da França, a maioria em campos americanos. Este hediondo e atroz crime de guerra veio à luz em 1986, quando as primeiras pistas foram desvendadas por James Bacque, autor do livro "Outras Perdas" (de onde foram retirados os dados deste artigo), juntamente com a sua assistente. Durante a investigação de um livro sobre Raoul Laporterie, um herói da resistência francesa, entrevistaram um antigo soldado alemão, Hans Goertz, que fora salvo por Laporterie de um campo de prisioneiros francês em 1946. Goertz declarou: «Laporterie salvou-me a vida, porque 25 por cento dos homens daquele campo morreram no espaço de um mês.» De que haviam eles morrido? «De fome, desinteria e doença».

James Bacque ao consultar os registos do campo em que Goertz havia estado preso, descobriu que fazia parte de um grupo de três campos integrados num sistema de mil e seiscentos, conforme figuram em relatórios do CICV (1) existentes nos arquivos de Vincennes do exército francês, em Paris. Bem cedo depararia com as primeiras provas irrefutáveis de mortes em massa ocorridas em campos controlados pelos EUA. Estas constavam em relatórios do exército, eufemisticamente arroladas de "Outras perdas". O terrível significado deste termo foi rapidamente explicado a Bacque pelo coronel Philip S. Lauben, antigo chefe do departamento de assuntos alemães do SHAEF (2), com base no seu conhecimento directo. «Outras Perdas» significava mortes e fugas. Na Primavera de 1987, James Bacque trabalhou com o Dr. Ernest F. Fischer Jr., Coronel do exército dos EUA (reformado) no Arquivo Nacional e na fundação George C. Marshall na Virgínia, onde juntaram as peças das provas que haviam desvendado: Os planos delineados ao mais alto nível dos governos dos EUA e da Grã-Bretanha em 1944, que expressavam a determinação de destruir de uma vez por todas a Alemanha como potência mundial, reduzindo-a a uma economia rural, ainda que isso significasse a fome para milhões de civis! Ainda hoje, os historiadores são unânimes em considerar que tais planos de destruição foram postos de parte, tão-somente devido á resistência pública.

O ódio de Eisenhower, juntamente com a complacente burocracia militar, deu origem ao horror dos campos de morte que não encontram paralelo na história militar americana. A indiferença revelada pelos oficiais do SHAEF perante as catastróficas consequências desse ódio constitui o mais doloroso e impressionante aspecto deste verdadeiro genocídio!

De modo a termos uma ideia da dimensão de tal horror, tão só podemos atentar no facto de que as mortes ocorridas nos campos de concentração aliados excederam em muito o total de baixas sofridas pelo exército alemão no Ocidente entre Junho de 1941 e Abril de 1945.

DECIDINDO O FUTURO DA ALEMANHA - O PLANO MORGENTHAU

Á medida que os tanques do general Eisenhower se aproximavam da cidade de Aachen, na parte ocidental da Alemanha e os exércitos canadiano e britânico avançavam estrondosamente para nordeste, percorrendo os Países Baixos, Henry C. Morgenthau, secretário do Tesouro dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial e Lorde Cherwell, o principal conselheiro de Churchill, encontraram-se para discutir o futuro da Alemanha, uma vez atravessada a fronteira do país pelos Aliados.

A ideia firme apresentada por Morgenthau, apontava para a «pastoralização» da Alemanha, mediante a destruição da respectiva indústria e das minas, tornando a mais adiantada das nações industrializadas do mundo numa imensa herdade. A indústria alemã desenvolvera-se em parte, para custear as importações de alimentos destinados a uma população que não possuía terra suficiente para se alimentar. Sendo assim, caso a base industrial fosse destruída, haveria fome generalizada. Segundo Cordell Hull, o secretário de Estado na presidência de Roosevelt, «o plano Morgenthau arrasaria tudo na Alemanha excepto a terra, e os alemães teriam que viver da terra. Isto significava que apenas 60 por cento da população alemã poderia sustentar-se da terra alemã, enquanto os restantes 40 por cento morreriam.» Hull refere-se pois à morte de cerca de 20 milhões de civis alemães. Por outro lado, e de modo a obter o consenso de Churchill, Morgenthau expôs que, se a industria alemã fosse destruída, novos mercados se abririam aos produtos britânicos e a concorrência relativamente aos recursos diminuiria. Tudo isto seria verdade para os americanos e bem assim para os franceses.

Morgenthau argumentou que os alemães morreriam à fome. No seu livro Germany is our Problem, publicado em 1945 com a aprovação de Roosevelt, Morgenthau escreveu que a Alemanha de antes da guerra produzia, em relação ao respectivo consumo, 98,2 por cento da farinha, toda a batata e todo o açúcar, 92,3 por cento dos legumes, 96,7 por cento da carne e criação e todo o leite. Com a proposta da reorganização das fronteiras, apenas se perderia, em média, cerca de 14 por cento dessa produção. O argumento económico convenceu Churchill, que tomou o partido de Morgenthau e de Cherwell.

A imprensa e a opinião pública, logo evidenciaram o seu poder, à medida em que o caso começava a ser divulgado.

Tal como Hull havia suposto, a reacção do público, foi na sua quase totalidade de oposição a qualquer vingança. Drew Pearson do Washington Post, Arthur Krock do New York Times, e muitos outros revelaram aspectos do plano, acrescidos de efervescentes pormenores sobre a controvérsia que grassava nas antecâmaras do poder.

O Pioneer Press de St. Paul, no Minnesota, arrasou eloquentemente a ideia em sete parágrafos que principiavam deste modo: «O Presidente Roosevelt tem uma certa propensão para ser sinuoso e impostor nas suas declarações, no intuito de escamotear erros.» O presidente tentara enganar a imprensa e o público sobre o desvendado Plano Morgenthau, através da publicação de uma carta sobre outro assunto revelando que aquele não constituía política oficial. E o jornal prosseguia: «O mundo sabe que Herr Goebbels teve o cuidado de fazer com que o plano chegasse aos ouvidos de todos os alemães. Eis, explicou ele, o que podemos esperar em caso de derrota. É isto que os EUA projectam fazer da Alemanha... Era por esta altura que o general Eisenhower distribuía folhetos através da Alemanha prometendo que não haveria represálias contra pessoas inocentes... A contrapropaganda mais eficiente foi dada de mão beijada a Goebbels.» E o jornal concluía: «Dado que ele [Eisenhower] exerce a autoridade de ocultar os factos, a sua afirmação não pode ser desmentida... [mas] foi obrigado a repudiar [o plano].»

Estaline concordou com o Plano Morgenthau tal como Churchill o delineara em meados de Outubro em Moscovo. Como disse Churchill, «a intenção da Rússia de retirar maquinaria alemã harmonizava-se com o interesse da Grã-Bretanha em preencher o vazio deixado pela Alemanha. Tratava-se de mera justiça.» Roosevelt, por seu lado, dizia estar inflexível e determinado a aplicar essa inflexibilidade à Alemanha.

Aquando do encontro dos três dirigentes aliados em Ialta, havia já partes significativas da Alemanha em poder dos Aliados e em ambas as frentes procedia-se às primeiras grandes capturas de elementos do destroçado exército alemão. Muitas centenas de milhar de alemães encontravam-se já em campos de prisioneiros aliados no ocidente.

Tinha-se decidido que os exércitos aliados ficariam inicialmente a dirigir a Alemanha, mas não havia nenhuma orientação política clara a esse respeito. Eisenhower limitava-se a dizer vagamente que os «trataria [aos alemães] com dureza».

Por esta altura algumas autoridades começavam já a falar do perigo de uma «Carência Alimentar Mundial», que poderia criar um clima de instabilidade por toda a Europa. Em Fevereiro de 1945, o brigadeiro-geral T. J. Davis, avisou Eisenhower de que «não era possível satisfazer os pesados compromissos em matéria de provisões decorrente da concessão [aos prisioneiros] dos estatuto de POWs (3).» Em Abril, Sam Rosenman, um velho amigo do presidente Roosevelt encarregado por este para estudar a situação alimentar do mundo, comunicou ao presidente que «no futuro imediato, o factor limitativo será a falta... de provisões, e não de meios de transporte.» E acrescentava misteriosamente: «Não serão pedidas nem distribuídas provisões pelo SHAEF a menos que urja fazê-lo por motivos de necessidade militar.» Aqui residem dois mistérios. Um, é a insinuação anteriormente rejeitada de que havia na verdade alimentos suficientes para todos os civis, excluindo os alemães, e o outro é a expressão «necessidade militar» aplicada a civis na Alemanha do pós-guerra. Aqui Rosenman, assim como Roosevelt e Eisenhower, pensa obviamente na possibilidade da inanição provocar um clima de instabilidade entre os civis alemães, o que obrigaria à repressão pelo exército. No que toca às rações atribuídas aos civis alemães, o perigo era de facto visível... para estes, a quantidade máxima de alimentos de todas as proveniências «será de aproximadamente 1.500 calorias por cabeça e por dia». Segundo diversos especialistas, o mínimo de calorias requeridas que possibilitem manter a vida a um adulto deitado e sem desenvolver qualquer esforço para além dos cuidados pessoais, varia entre as 1.800 e 2.250 calorias por dia!

A Noção de uma carência alimentar mundial, foi divulgada pela primeira vez no Norte de África, em 1943, pelo general Everett S. Hughes, velho amigo de Eisenhower, nomeado assistente especial do mesmo. Em Abril de 1945 escreveu: «Começa a falar-se de uma carência alimentar mundial. Eu falei dela há muito. Começou no NA [Norte de África].»

Na altura e mesmo depois, a carência não poderia ter sido de alimentos. No território anteriormente conhecido como Alemanha Ocidental, a população em Maio de 1945 era inferior em 4 por cento aos valores que tinha no mesmo território em 1939, embora estivesse a aumentar diariamente devido ao influxo de refugiados vindos do leste. Havia mesmo muito mais trigo disponível no território formado pela Alemanha Ocidental, França, Grã-Bretanha, Canadá e EUA no seu conjunto, do que a mesma área física possuía em 1939. Isto devia-se ao facto de o aumento da produção de trigo na América do Norte e no Reino Unido compensar largamente a quebra de produção na Alemanha Ocidental e na França. No final das colheitas de 1943-44 e 1944-45, os excedentes de trigo do Canadá ultrapassavam os 440 milhões de alqueires. Nos Estados Unidos, também se verificava grandes excedentes de milho. Apenas a produção da batata diminuíra relativamente pouco no conjunto daquele território, sendo que essa diminuição tinha sido principalmente causada por uma quebra de 30 por cento, em 1945, na zona ocidental da Alemanha. Não obstante, em França, a produção de trigo excedeu em 500 mil toneladas o consumo. Tal como Churchill observara a Roosevelt em Março de 1945, não existia nenhuma carência geral de trigo, embora grande parte da população europeia tivesse falta de açúcar, carne e algumas gorduras. À escala mundial, a produção de alimentos relativa à colheita de 1945-46, expressa em calorias per capita, representava 90 por cento da média registada em 1935-39, de acordo com os dados fornecidos pelo gabinete de Relações Agrícolas Externas dos EUA em Outubro de 1945.

Já no mesmo mês de Março, uma mensagem originada e rubricada por Eisenhower, propunha um surpreendente desvio à Convenção de Genebra. Esta medida passava pela criação de uma nova categoria de prisioneiros que não seriam alimentados pelo exército após a rendição da Alemanha. A mensagem, datada de 10 de Março, reza o seguinte: «Embora haja a intenção de atribuir às autoridades alemãs a responsabilidade pela alimentação e manutenção de todos os prisioneiros de guerra aliados [ou seja, os alemães em poder dos aliados] e pessoas deslocadas, é de prever que, na situação de caos que provavelmente sobrevirá, isso exceda as suas capacidades, vendo-se os aliados confrontados com a necessidade de fornecer grandes quantidades de alimentos até ao seu repatriamento. Se os elementos das Forças Armadas alemãs fossem considerados prisioneiros de guerra, devendo como tal receber rações equivalentes às das tropas das bases, as obrigações adicionais em termos de manutenção excederiam também largamente as capacidades dos aliados, mesmo que todas as fontes alemãs para isso fossem canalizadas. Além disso, seria indesejável que as Forças Armadas recebessem rações superiores àquelas que se dispõe para a população civil.» Sendo assim, esta medida decretava que todos os prisioneiros feitos após o Dia VE (4) seriam designados «forças inimigas desarmadas» (DEF (5) ), as quais «até à desmobilização seriam administradas e mantidas pelo exército alemão sob supervisão das forças aliadas.» A mensagem terminava assim: «Submete-se o assunto à sua consideração. Os planos existentes foram elaborados segundo estes pressupostos.»

A CRUELDADE DOS VENCEDORES

Em resposta à mensagem de Eisenhower, o CCS (6) aprovou o estatuto de DEF apenas para prisioneiros de guerra em poder dos americanos. Os membros britânicos do CCS haviam recusado adoptar o plano americano para os seus próprios prisioneiros. As principais condições que Eisenhower havia estabelecido eram as seguintes:

«B) Os alemães são responsáveis pela alimentação e manutenção das tropas alemãs desarmadas.

C) O procedimento adoptado não se aplicará a criminosos de guerra nem a outras categorias de pessoal alemão procurado nem a outras pessoas localizadas no seio das Forças Armadas Alemãs e retidas por questões de segurança. Dever-se-á continuar a proceder à detenção de todas as pessoas suspeitas como criminosos de guerra ou por questões de segurança militar e não como prisioneiros de guerra. Estas serão alimentadas, alojadas e em geral administradas pelas Forças Aliadas. As autoridades alemãs não exercerão qualquer controlo sobre elas.

D) Não deve haver declarações públicas acerca do estatuto das Forças Armadas Alemãs ou das tropas desarmadas.»

Segundo esta mesma disposição, a contravenção à Convenção de Genebra foi mantida secreta. Quanto ao segundo parágrafo da mensagem, esta refere que: «É acrescentada a seguinte declaração dos Chefes de Estado-Maior Britânicos: Se o Reino Unido decidir que requer mais prisioneiros de guerra... esse pessoal não deverá ser por isso incluído na categoria de tropas desarmadas.» O último parágrafo acrescenta: «Subentende-se que não haverá, por parte desse lugar, a declarar mais prisioneiros de guerra após a derrota... para satisfazer os requisitos de mão-de-obra do SHAEF fora da Alemanha.»

No mesmo documento, pode-se destacar a recusa em concordar com os americanos sobre a política de DEF, o que constitui um surpreendente desvio em relação à cooperação que até então tinha existido entre os aliados. A fim de partilharem a carga de uma forma equitativa, os britânicos eram obrigados a aceitar prisioneiros de guerra americanos. A recusa prévia dos prisioneiros seria algo insultuoso, caso os americanos não tivessem concordado previamente que os Britânicos tinham justificação para o fazer. Na verdade, os americanos sabiam tão bem quanto os britânicos que quaisquer alemães submetidos ao rótulo de DEF, não estariam decerto em condições de trabalhar. O mais provável era que estivessem à morte.

Os discordantes britânicos decidiram não empregar o termo americano DEF para quaisquer prisioneiros que soubessem não poder tratar de acordo com as normas estipuladas pela Convenção de Genebra. Decidiram pois utilizar o termo SEP (7) (Pessoal inimigo sob rendição) para distinguir os seus POWs pós-rendição dos outros.

No entanto, não existia esta discordância relativamente a certos prisioneiros de valia, como criminosos de guerra, espiões e cientistas de elevada tecnologia que os americanos e os britânicos estavam decididos a deixar viver. Estes eram apelidados de «desejados», para os distinguir dos outros, os «não desejados». Obviamente que estes prisioneiros desejados não eram incluídos na categoria de DEF. Ao invés eram alimentados, alojados e em geral administrados pelas Forças Aliadas. Esta ordem não só contribuía para isolar os suspeitos num local para posterior julgamento, como também os resguardavam das condições de miséria a que estavam sujeitos os prisioneiros DEF. Como as atenções se concentrariam em personalidades distintas (como Rudolf Hess ou Herman Goering), era imprescindível que estes não se mantivessem entre os prisioneiros DEF. Um dos factos que corrobora as condições desumanas que existiam nos campos de DEF era demonstrado pela ordem dos Chefes de Estado-Maior a Eisenhower no sentido de «não deverem ser feitas declarações públicas relativamente ao estatuto das forças armadas alemãs ou das tropas desarmadas.» Não havia, no entanto, grande necessidade de esta ordem ser dada. Eisenhower estava já a mentir descarada e hipocritamente à opinião pública acerca dos planos relativamente aos prisioneiros. Numa conferência em Paris, disse: «Se os alemães estivessem a raciocinar como seres humanos, aperceber-se-iam de que toda a história dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha é de generosidade para com o inimigo derrotado. Nós acatamos todas as leis da Convenção de Genebra.»

A Convenção de Genebra, que o Governo dos EUA e o exército americano repetidamente diziam observar, conferia três importantes direitos aos prisioneiros. Estes eram:

• Serem alimentados e alojados de acordo com os mesmos padrões que as tropas de base ou de depósito da potência captora. (Neste caso os EUA.)

• Poderem expedir e receber correspondência.

• Terem o direito a ser visitados por delegados do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), que depois faria um relatório em segredo à potência protectora (o governo alemão) e às autoridades americanas. Em caso de abusos, a potência protectora podia ameaçar torná-los públicos ou promover retaliações.

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Notas:

[1] Comité Internacional da Cruz Vermelha, sedeado na Suíça, que representava os ideais da Cruz Vermelha e era detentor do mandato da Cruz Vermelha ao abrigo da Convenção de Genebra.

[2] (Supreme Headquarters, Allied Expeditionary Force) Comando Supremo da Força Expedicionária Aliada. Organização de comando de todos os exércitos aliados no noroeste da Europa (excluindo a Itália) até 14 de Julho de 1945. Após essa data, o exército dos EUA foi organizado apenas como USFET e o britânico como o 21º Grupo do exército (mais tarde Exército Britânico do Reno, ou BAOR).

[3] (Prisoners of War) Prisioneiros de guerra, supostamente protegidos pela Convenção de Genebra. Determinados documentos utilizam a abreviatura PW.

[4] Dia da Vitória na Europa a 8 de Maio de 1945.

[5] (Disarmed Enemy Forces) Forças Inimigas Desarmadas. Determinados prisioneiros alemães em poder do exército dos EUA no noroeste da Europa. Não eram tratados de acordo com a Convenção de Genebra.

[6] (Combined Chiefs of Staff) Estado-Maior Combinado da Grã-Bretanha e dos EUA. O Canadá era representado pelos britânicos.

[7] (Surrendered enemy personnel) Pessoal inimigo sobre rendição. Termo utilizado pelos britânicos e canadianos para designar os prisioneiros de guerra alemães aos quais não tencionavam dispensar um tratamento conforme a Convenção de Genebra da qual eram signatários.