06.02.2003
Para entender a "Operação Ajax", a mais bem sucedida tentativa da CIA para derrubar um governo estrangeiro, é preciso remontar a 1941. Mais precisamente a 16 de Setembro, quando Reza Xá, fundador da dinastia Pahlavi no Irão e simpatizante de Hitler, foi forçado pelas potências que combatiam a Alemanha nazi a entregar o Trono do Pavão ao seu filho, Mohammed Reza.
Sem poder militar efectivo e com o país no caos, o jovem soberano (22 anos) tentou atenuar a pesada herança de um autocrático antecessor com medidas populares. Devolveu ao Estado uma parte da fortuna familiar, libertou presos e reduziu impostos. Também fez concessões aos teólogos xiitas, revogando uma das proibições impostas pelo pai, a de as mulheres usarem o "chador", túnica que as cobre da cabeça aos pés.
A primeira década de reinado de Mohammed Reza foi de sobrevivência. A maior ameaça vinha do Tudeh, o partido comunista, pró-soviético, que defendia uma solução marxista para a desigual sociedade iraniana. Os seus 400.000 militantes eram intelectuais da classe média e operários de cidades industrializadas.
Foi o Tudeh que, em 4 de Fevereiro de 1949, declarou guerra à dinastia Pahlavi, com quatro tiros disparados contra Mohammed Reza quando ele descia do seu Rolls-Royce para uma cerimónia na Universidade de Teerão. O imperador escapou à morte por um triz.
O Tudeh foi ilegalizado.
No ano seguinte, uma outra "guerra" começou: com a Anglo-Iranian Oil Company. A AIOC era um conglomerado dominado pela Grã-Bretanha desde que o petróleo começou a ser explorado em 1908. O contrato que o Xá assinou com a companhia era uma afronta aos súbditos - a AIOC pagava ao Irão direitos no valor de 45 milhões de dólares, mas Londres recebia 142 milhões de dólares de impostos sobre lucros.
1. A nacionalização do petróleo
Em 25 de Novembro de 1950, uma comissão criada pelo Majlis (Parlamento) e presidida pelo carismático deputado Mohammed Mossadegh, um aristocrata da anterior dinastia qajar, rejeitou o acordo entre o Xá e a AIOC.
A 15 de Março de 1951, o advogado Mossadegh, líder da Frente Nacional, convence o Majlis a nacionalizar, por esmagadora maioria, a AIOC. O Irão torna-se o primeiro país do Terceiro Mundo a desafiar os interesses económicos de uma grande potência. Em 29 de Abril, inquieto com uma opinião pública que rejubilou com a "restauração da soberania", o Xá oferece ao dissidente que o seu pai mandara prender o cargo de primeiro-ministro.
Os patrões da AIOC foram rápidos a reagir à perda da maior e mais rica companhia inglesa fora do Reino Unido. Os jornais londrinos chamaram a Mossadegh "ladrão oriental", "fanático" e "louco extremista". Executivos da indústria petrolífera desdenharam da capacidade de os iranianos operarem os poços e refinarias do país. Pára-quedistas britânicos posicionaram-se em Chipre e navios de guerra foram enviados para o Golfo Pérsico.
Ainda a recuperar dos efeitos devastadores da II Guerra Mundial, os britânicos pediram ajuda aos EUA para derrubar Mossadegh. Na altura, a Administração democrata de Harry Truman tentou estabelecer um compromisso entre Teerão e Londres, mas o primeiro-ministro iraniano não cedeu. Foi então que o Reino Unido anunciou um embargo ao petróleo iraniano nos mercados internacionais.
2. O medo da "ameaça comunista"
O embargo, que gerou centenas de milhares de desempregados, foi devastador para a economia da antiga Pérsia. Mossadegh, o herói popular, começou a ser contestado e ameaçou virar-se para a URSS. Foi um erro fatal. O Ocidente, dependente do petróleo do Médio Oriente, ficou apavorado com a ideia de o Irão juntar forças com os vizinhos soviéticos.
Em 1952, com os comunistas do Tudeh a controlar as ruas do Irão e o republicano Dwight Eisenhower na presidência dos EUA, a CIA começa a planear a saída de cena de Mossadegh. Washington, que encarava a situação sob a única perspectiva da Guerra Fria, temia que o Irão se pudesse transformar numa "segunda Coreia".
No final de Abril de 1953, com a aprovação do seu director, Allen Dulles, e do embaixador dos EUA em Teerão, Loy Anderson, a CIA recruta Donald Wilber, um "perito em arquitectura persa", para preparar a "Operação Ajax", o golpe que haveria de restaurar a autoridade absoluta de Mohammed Reza.
Em 13 de Agosto, seguindo contrariado instruções dos conspiradores americanos, o Xá mandou o coronel Nematollah Nassiri informar o seu primeiro-ministro que este tinha sido demitido. O mensageiro foi preso. O monarca refugiou-se em Kalardasht, nas montanhas sobranceiras ao mar Cáspio. O exército permaneceu nos quartéis.
Em 16 de Agosto, uma rádio local noticiou o fracasso de uma tentativa de oficiais para depor Mossadegh. Um temeroso Xá foge do país, pilotando o seu bimotor até Bagdad. Dois dias depois segue para Roma, onde a embaixada iraniana lhe nega alojamento. Instala-se numa suite do Hotel Excelsior, emprestada por um industrial amigo. Com muito pouco dinheiro, torna-se uma espécie de exilado político, repetindo todavia que não abdicara do trono.
3. A conspiração do neto de Roosevelt
Em Teerão, estava em marcha, desde Junho, a "Operação Ajax", liderada por Kermit Roosevelt, um operacional da CIA no Médio Oriente. Com muitos milhões de dólares para gastar, a principal agência de espionagem americana serviu-se dos contactos facilitados pelo MI-6 (serviços secretos britânicos) e subornou militares, comerciantes do bazar, políticos e outros para que participassem no golpe. Infiltrou-se em meios religiosos e patrocinou atentados. O objectivo era colocar na chefia do Executivo Fazlollah Zahedi, um general que os britânicos e os russos detiveram no passado por colaboração com os nazis, mas que Londres e Washington entretanto reabilitaram.
Em 18 de Agosto, reagindo à contra-informação de que o Tudeh poderia formar o futuro governo, o exército saiu à rua para esmagar os manifestantes. Com os comunistas fora de cena, Kermit, neto de Theodor Roosevelt, organizou uma marcha em direcção ao gabinete do primeiro-ministro. Pelo menos 300 mortos foi o balanço de nove horas de confrontos com partidários de Mossadegh. Este é preso.
Em Roma, o homem em cujo nome o golpe foi feito almoçava com a segunda mulher, Soraya, num restaurante do Hotel Excelsior. Desconheciam tudo o que se passava até que um jornalista da Associated Press lhes entregou um telex: "Mossadegh derrubado. Tropas imperiais controlam Teerão". O monarca exclamou: "Eu sabia que eles me amavam!" Mais tarde agradeceria a Kermit Roosevelt: "A Deus e a si devo o meu trono."
4. A vingança do imperador
De regresso à capital iraniana, o Xá ordenou o julgamento público de Mossadegh num tribunal militar. O réu não se deixou intimidar e denunciou, perante os aplausos da assistência, o golpe da CIA. Foi condenado a três anos de cadeia, por traição. Cumprida a pena, isolou-se numa quinta, em Ahmad-Abad. Morreu de cancro, em 1967, aos 85 anos. O soberano negou-lhe um funeral de Estado. O seu túmulo está num dos quartos da sua residência.
Com o afastamento do homem que considerava os EUA "a única grande potência capaz de mudar o mundo a favor das nações que sofreram com o imperialismo europeu", só a religião foi capaz de novamente mobilizar as massas no Irão.
Em 1979, neutralizados os democratas laicos, foi fácil ao "ayatollah" Ruhollah Khomeini destronar o Xá e lançar a sua sangrenta e anti-americana Revolução Islâmica. O ressentimento era imenso, gerado pela "Operação Ajax", mas também pelos biliões de petrodólares que Reza Pahlavi subsequentemente esbanjou em armas importadas dos EUA, e pelas mortes e torturas infligidas pela Savak - cruel polícia secreta treinada pela CIA e pela Mossad israelita.
5. O protegido Saddam
Dez anos depois da "TP Ajax" (verdadeiro nome de código da operação), um protegido da CIA, Saddam Hussein, foi também encorajado a derrubar, em 1963, um regime que nacionalizara interesses petrolíferos estrangeiros no Iraque.
Em 1968, um segundo golpe, igualmente inspirado pela CIA, colocou Saddam como adjunto de um líder militar. Em 1979, Saddam tornou-se ditador de Bagdad.
http://dossiers.publico.pt/noticia.aspx?idCanal=1041&id=278384
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